Há oito anos, uma pessoa foi morta em Porto Alegre pelas mãos de João. Capturado pela polícia, foi preso e levado para um presídio. Encarcerado durante todo esse período, o homem, cujo nome verdadeiro é preservado, teve de acompanhar a distância a criação dos dois filhos, hoje com 11 e 12 anos.
— Perdi muito tempo da minha vida. A família ficou abalada — conta o apenado de 36 anos.
Devido ao bom comportamento na prisão, João conseguiu progressão de regime para o semiaberto e foi levado, em julho deste ano, para a Fundação Patronato Lima Drummond, no bairro Teresópolis, zona sul de Porto Alegre.
Ali, além de atividades como cuidados com horta, capina e construção civil – que se refletem em redução da pena –, João conheceu um projeto que abre caminho para, após pagar pelo crime cometido, recomeçar a vida em liberdade.
Diferentemente da maioria das iniciativas existentes, no programa Ressocializa os apenados não são contratados por empresas, mas impulsionados a abrir o próprio negócio. De cara, ao se tornarem empreendedores acabam eliminando a primeira barreira encontrada no mercado de trabalho: a exigência de ficha limpa de antecedentes criminais. O documento com registros na polícia tende a assustar empregadores e afastar mesmo quem já pagou por seus erros da possibilidade de dar a volta por cima.
— Ao abrirem uma empresa eles vão ser donos do próprio negócio. E, ao mesmo tempo, vão estar contribuindo para o Estado, gerando receita e pagando impostos — salienta Vinícius Mendes Lima, idealizador da metodologia e diretor da Besouro Agência de Fomento Social, responsável pelo Ressocializa.
Em parceira com a direção da fundação e da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), aulas capacitam os participantes a gerir suas próprias empresas (leia ao abaixo). Após um mês de curso, João planeja abrir um bar em Terra de Areia, no Litoral Norte, onde mora o pai.
— Sempre quis ter um bar — conta o apenado, que também pretende voltar aos estudos, interrompidos precocemente na 5ª série.
Sonho voltado à sustentabilidade
Colega de curso, Mário (nome fictício), 42 anos, também vê no projeto a chance de construir uma nova história. Pelos próximos quatro anos, ele deve seguir cumprindo pena por um assalto com tentativa de homicídio, cometido em 2003. Até agora, já abateu cinco anos e sete meses na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), onde virou evangélico, o que, diz, também o ajudou a mudar de vida.
— Cometi o crime por necessidade. A empresa em que trabalhava fechou e não tinha o que dar de comer para meus dois filhos, que tinham dois e um ano. Mas nada justifica — relata.
Com os ensinamentos do programa de ressocialização no Patronato, Mário planeja abrir uma lavagem a seco de carros, o que evita o desperdício de água. Para reduzir custos e ainda apresentar diferencial no negócio, o apenado pretende realizar o serviço à domicílio e de motocicleta.
— É voltada para a preservação da natureza, podendo ser feito à noite, no trabalho ou na casa do cliente — salienta o detento.
Mário já dividiu a implementação do negócio em duas fases e levantou custos para a compra de equipamentos. Na primeira, pretende oferecer apenas a lavagem externa de veículos, a modalidade expresso. A limpeza custaria cerca de R$ 50. Para essa etapa, gastaria cerca de R$ 800 em produtos e na instalação de um baú na moto.
Com aumento da clientela e mais dinheiro entrando no caixa, poderia comprar os equipamentos para fazer a higienização interna dos carros. A ideia é oferecer o serviço em Sapucaia do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, onde mora a família.