A pele enrugada, a voz pausada e os passos curtos não escondem marcas da idade avançada. Aos 87 anos, uma senhora enfrenta realidade difícil de acreditar. Há duas décadas, perdeu o marido que lhe deixou verdadeira fortuna: oito apartamentos de um mesmo edifício, quatro lojas e uma fazenda de 20 hectares. Por motivos de segurança e privacidade, GaúchaZH vai preservar o nome dela.
Apesar da herança milionária, a idosa vive hoje em um pequeno apartamento tomado por mofo nas paredes, na zona norte de Porto Alegre. Alega que foi expulsa pela cuidadora de sua própria casa, um apartamento amplo, com mais de 100 metros quadrados, de dois quartos.
Na última terça-feira (7), a vítima procurou a Delegacia de Proteção ao Idoso e denunciou o caso. Trêmula e nervosa, contou à reportagem que foi obrigada a ir a um cartório, assinar documentos e passar um apartamento para a cuidadora.
O filho dela mora no mesmo prédio, mas já a teria agredido e ambos não têm contato. Sem ter a quem recorrer, viu seus bens se esvaindo, um a um. Um advogado que a defendeu em dois processos de venda de imóveis classifica a situação como "um grande puxão de tapete" contra sua cliente.
Dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP), obtidos por ZH via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que a apropriação indébita de bens — que consiste no apoderamento de coisa alheia móvel, sem o consentimento do proprietário — é o segundo crime mais recorrente contra idosos. Entre 2013 a 2017, foram 1.219 ocorrências em todo o Estado.
Este tipo de crime só perde para registros de maus-tratos. Em cinco anos, foram 2.625 casos. Somados todos os tipos de delitos contra pessoas com mais de 60 anos foram mais de 8,4 mil registros nos últimos cinco anos — veja no infográfico abaixo.
Apesar dos números, a titular da delegacia do idoso em Porto Alegre, Larissa Fajardo, alerta que muitos casos não são registrados, situação conhecida por subnotificação. A explicação pode estar relacionada ao próprio perfil de quem comete crimes contra idosos: normalmente familiares próximos, como filhos, e cuidadores.
— O idoso dificilmente aceita ser vítima da violência, principalmente praticada pelos filhos porque criou com todo amor e carinho. O idoso sempre acha que ele é, de certa forma, responsável pelo filho agressor. Normalmente, denuncia crime patrimonial, empréstimo consignado. Outras denúncias, principalmente de negligência, não denuncia — diz a delegada.
Filha agride pais em Porto Alegre
Na Delegacia do Idoso, ao lado da senhora de 87 anos, um idoso de 64 reclamava das agressões da filha de 21 contra a mulher dele, de 59. Ela teve lesões no rosto e no braço e precisou ser hospitalizada. Não foi o primeiro caso de violência contra eles, que moram na zona sul da Capital. Cansado da situação, o homem decidiu registrar ocorrência, pela primeira vez em anos.
— Ela estava fora de casa havia uma semana. Chegou e começou a gritar: "Vocês têm de ir embora, quem manda aqui sou eu" — conta o bancário aposentado.
Filha única, a jovem já foi internada quatro vezes por dependência química. Na última vez, ficou três meses em tratamento. A delegada Larissa complementa que as vítimas sentem, inclusive, culpa por serem alvo de violência:
— Quem denuncia é o familiar ou um vizinho, alguém que faz denúncia anônima. O idoso tem dificuldade, sente culpa pela agressão.
A LEGISLAÇÃO
Alguns crimes previstos no Estatuto do Idoso :
DISCRIMINAÇÃO
Pena – Reclusão de seis meses a um ano e multa, que pode ser ampliada em um terço se a vítima se encontrar sob os cuidados ou responsabilidade do agente.
OMISSÃO DE SOCORRO
Pena – Reclusão de seis meses a um ano e multa.
ABANDONO
Pena – Detenção de seis meses a três anos e multa.
EXPOR A PERIGO A INTEGRIDADE E A SAÚDE, FÍSICA OU PSÍQUICA, DO IDOSO, SUBMETENDO-O A CONDIÇÕES DESUMANAS OU DEGRADANTES OU PRIVANDO-O DE ALIMENTOS E CUIDADOS INDISPENSÁVEIS
Pena – Detenção de dois meses a um ano e multa. Se o fato resultar em lesão corporal de natureza grave a reclusão varia entre um a quatro anos. Caso haja morte, a pena fica entre quatro a 12 anos.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA
Pena – Reclusão de um a quatro anos e multa.