A polícia estima que o grupo investigado por aplicar o golpe do bilhete premiado - alvo de uma operação no sábado (16) - tenha tomado ao menos R$ 2,5 milhões das vítimas. O montante é relacionado a pelo menos 150 pessoas que registraram ocorrência nas delegacias de diferentes estados. Entretanto, o delegado Diogo Ferreira acredita que a cifra possa ser maior.
— Muitas vítimas são pessoas idosas ou de alto poder aquisitivo e tem vergonha de admitir que caíram num golpe tão antigo e daí acabam nem registrando ocorrência. Às vezes perde R$ 10 mil, R$ 15 mil, R$ 20 mil e não registra ocorrência. E tem outros casos que a pessoa não reconhece os golpistas. Depois que se dá conta que caiu num golpe, o nervosismo é tão grande que a pessoa bloqueia e não consegue reconhecer os estelionatários — salienta o delegado.
Só de uma das vítimas foi levado R$ 300 mil. Ferreira salienta que o grupo atua há mais de dez anos com golpes e, durante esse tempo, estima-se que já tenha tomado mais de R$ 20 milhões.
No sábado (16), foram cumpridos 127 mandados de busca e apreensão em Passo Fundo, no norte do Estado. Ao todo foram apreendidos pelo menos 71 carros, 18 motocicletas, dois barcos, dois jet ski, um caminhão e jóias. A polícia também encontrou R$ 41 mil e três mil dólares.
Quatro homens foram presos em flagrante, por porte de espingardas, revólveres e munição. Três deles pagaram fiança e um foi encaminhado para o Presídio Regional de Passo Fundo.
O delegado explica que não solicitou a prisão de mais pessoas por dois motivos: para inicialmente "descapitalizar" o grupo e ainda ter mais tempo para investigar - caso alguém fosse preso preventivamente, o inquérito teria que ser concluído em 30 dias.
— A melhor forma é pedir as prisões, no final da investigação. Porque daí nós vamos analisar as possibilidades. Pedir agora a prisão poderia até dificultar a instrução da lavagem de dinheiro. Porque assim nós temos mais tempo para trabalhar com mais calma — observa o delegado.
Início da investigação
As investigações, que culminaram na operação deste sábado, iniciaram-se em maio do ano passado. Na época, uma enxurrada de pedidos de informações de delegados de outros estados se acumularam na mesa de Ferreira. É que o grupo de estelionatários, com base em Passo Fundo, viajava para cometer os crimes em cidades do Sul e do Sudeste.
— Muitos deixavam Passo Fundo na segunda-feira e só voltavam na quinta-feira — conta o delegado.
A descrição dos suspeitos e os nomes apresentados começaram a se repetir, a ponto da polícia gaúcha conseguir filtrar em uma lista os envolvidos.
Além disso, soma-se o fato de Passo Fundo ser conhecida nacionalmente como o "berço" dos estelionatários. Segundo o delegado, algumas das vítimas conseguiram apontar na ocorrência a placa do veículo utilizado pelos golpistas. Para dificultar o reconhecimento, os criminosos passaram a fazer a transferência dos veículos em municípios menores, com comprovante de residência falsificado. A polícia estima que ao menos 20 veículos estejam nessa situação.
O golpe do bilhete era o ganha pão do grupo, principal fonte de renda deles. Segundo as investigações, alguns passaram a investir em empresas, como lojas e boates.
— Alguns estelionatários estão trabalhando há mais de 10 anos. Mas eles não pararam. Tem uns que começaram sem nada e hoje em dia tem imóveis de mais de R$ 1 milhão. E outros estão começando. Tem alguns que, no início, eram traficantes, ladrões, e como esses crimes dão cadeia efetivamente, eles migraram também para o conto do bilhete, que é um crime muito difícil eles permanecerem presos — observa o delegado.
Como funciona o golpe do bilhete premiado
De acordo com a Polícia Civil, o modo mais comum é aquele em que um primeiro estelionatário aborda a vítima nas proximidades de bancos. Os alvos principais dos bandidos são pessoas idosas ou bem vestidas, que aparentam boa situação financeira. O criminoso se passa por uma pessoa pobre e analfabeta, e pergunta inicialmente onde fica a agência da Caixa Econômica Federal, pois tem um bilhete premiado e precisa trocar.
Em seguida, um segundo criminoso se aproxima, com roupas sociais, e se oferece para ajudar. Simula um telefonema para o banco. Minutos depois, surge o terceiro estelionatário, que se apresenta como funcionário da Caixa. A partir daí, há a confirmação com o telefone no viva voz, de forma que a vítima possa ouvir, dos números sorteados e do valor do falso prêmio. O bancário informa a documentação e condições para sacar o dinheiro.
Depois, o primeiro criminoso, que se mostra pouco instruído, diz não ter documentos e pede ajuda à vítima e ao comparsa para receber o prêmio. Promete repartir o dinheiro com quem auxiliar — mas exige uma quantia financeira prévia para garantir que não seria "roubada" pelas pessoas que o ajudam. Essa quantia é o lucro do golpe: seduzida pela possibilidade de receber parte do prêmio, a vítima se oferece e é levada até uma agência bancária para sacar dinheiro e dar como garantia.
Após a vítima entregar a quantia em espécie ao estelionatário inicial, os demais desparecem e o golpe é concluído. Muitas vezes, de acordo com a polícia, a vítima percebe ser um golpe e tenta desistir, mas é ameaçada psicologicamente pela quadrilha.