Nos últimos três governos estaduais, os critérios de divulgação dos indicadores de criminalidade no Rio Grande do Sul foram alterados, pelo menos, 11 vezes. Os dados, que têm publicação prevista em lei, norteiam análises sobre a incidência da criminalidade e também servem para indicar a eficácia ou fracasso de medidas adotadas no combate à violência.
Na sexta-feira (8), a Secretaria da Segurança Pública (SSP) modificou mais uma vez o parâmetro e passou a informar os números de forma mensal. Somente durante o governo José Ivo Sartori (MDB), os métodos foram alterados cinco vezes.
No primeiro deles, quando o titular da segurança era Wantuir Jacini, a divulgação era semestral. Em 1º de fevereiro de 2016, em meio à crise financeira e aos cortes de investimentos na segurança, a SSP divulgou indicadores de 24 dias de janeiro. Os dados mostravam um cenário positivo: queda nos homicídios, roubos e furtos de veículos.
Em contrapartida, o balanço não informava dados de outros crimes graves, como latrocínio (roubo com morte) e roubo de veículos. Além disso, o curto período impedia comparações com os dados do ano anterior. O critério utilizado pela gestão de Jacini gerou críticas e contestações. A secretaria argumentou que eram apenas resultados prévios.
Sem conseguir frear o aumento da criminalidade, especialmente na Capital e Região Metropolitana, Jacini acabou exonerado em agosto de 2016. Mudou o secretário e também os critérios.
Durante o comando de Cezar Schirmer, em 2017, a periodicidade foi alterada de semestre para trimestre, depois para bimestre e, por fim, em junho deste ano, para mês. Os indicadores foram ampliados de nove para 17, com acréscimo de dados de violência contra a mulher, além de furto e roubo em comércios, bancos e transporte coletivo.
Estamos em ano eleitoral, então conseguir mostrar um dado de redução de criminalidade é significativo.
FERNANDA VASCONCELLOS
Professora do Departamento de Sociologia da UFRGS
Professora do Departamento de Sociologia da UFRGS, Fernanda Vasconcellos, que atua em pesquisas voltadas à segurança há, pelo menos, 10 anos, entende, no entanto, que a divulgação obedece mais a critérios políticos do que técnicos.
— A forma como se publica e dá publicidade aos dados permite tirar boa ou má avaliação do governo. A inexistência de periodicidade tem relação com isso. Estamos em ano eleitoral, então conseguir mostrar um dado de redução de criminalidade é significativo. Isso não ocorre somente aqui no RS — diz a professora.
Em 2011, Fernanda participou de uma pesquisa foi da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) para analisar critérios dos Estados nas estatísticas criminais e criar um banco nacional. Na Região Sul, Fernanda constatou que o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná tinham formas diferentes de compilar os números.
— Homicídio é uma categoria preenchida de diferentes formas. Aqui no RS houve período em que uma chacina contava como um homicídio. Temos que evoluir muito para conseguir reunir dados nacionais, com os mesmos critérios — declarou.
A SSP argumentou, por nota, que a decisão de divulgar os dados de forma mensal faz parte de um processo de aprimorar a transparência, priorizado por Schirmer, que passa pela reestruturação do Observatório da Segurança Pública, com a lotação de servidores da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e um software para agilizar a análise das ocorrências.
"Compreendemos como natural este tipo de evolução na área da segurança pública, na medida em que todas as áreas avançam tecnologicamente. E, assim, continuaremos a apostar em ferramentas que possibilitem mais segurança, agilidade e transparência na aferição e na divulgação das informações referentes aos indicadores criminais", afirma o texto.
Fundador do Núcleo de Estudos da Violência da UFRGS, Juan Mario Fandino Marino, considera que a divulgação em períodos mais curtos pode ser positiva para analisar as oscilações dos indicadores.
— Quanto mais frequentes, mais fiel será a observação das tendências, embora seja mais complicada a análise. Não existe a melhor frequência para esses levantamentos. Precisamos compreender as oscilações dos crimes — declarou.
O professor aposentado aponta ainda a necessidade de acompanhar esses números divulgados de forma mensal pelos próximos anos, para compreender se esse método é o mais eficiente.
— Me parece muito interessante que se faça por mês, mas precisamos estudar para entender se isso vai se mostrar útil ao longo dos anos. Então poderemos estabelecer uma periodicidade, com base num contexto investigativo e não apenas em um chute do governo —afirma o professor.
Alterações em outros governos
A mudança nos critérios para divulgação dos dados não é uma singularidade do governo atual. Nas gestões anteriores, também houve alterações.
No governo Tarso Genro (PT), de 2011 a 2014, dados foram divulgados por mês, semestre e trimestre. Entre janeiro de 2007 e dezembro de 2010, no governo Yeda Crusius (PSDB), os critérios para divulgação dos números foram alterados três vezes: semestre (período do 1º semestre de 2007, divulgado no 2º semestre daquele ano), mês (2º semestre de 2007 até 2009) e semestre (2010).
A forma de comparação sofreu alterações. O número de ocorrências de 2009 chegou a ser comparado com de 2006, sem citar 2007 e 2008, para indicar queda. Os dados, desde 2002, podem ser consultados pelo site da SSP-RS.
O que mudou
— No início do governo Yeda, por um semestre os dados não foram divulgados, o que gerou cobranças da oposição na Assembleia. Após divulgação desse semestre, o governo passou a publicar de forma mensal. Os dados voltaram a ser divulgados por semestre, em 2008, e depois retornaram para mensal.
— O governo de Tarso manteve o critério da divulgação por mês, em 2011. Nos dois anos seguintes, no entanto, o parâmetro utilizado passou a ser semestre. Ao longo de 2014, último ano de governo, houve nova mudança e dados foram divulgados por trimestre.
— Em 2015, o governo Sartori manteve o critério de trimestre. No início de 2016, no entanto, divulgou indicadores de 24 dias. Ao longo do mesmo ano, Wantuir Jacini admitiu que a coleta e análise de dados estava defasada e voltou para semestre. Em 2017, na gestão de Cezar Schirmer, voltou para trimestre. Em 2018, a primeira divulgação foi feita por bimestre e acabou substituída pela mensal.
Confira a íntegra da nota da SSP-RS:
"O secretário Cezar Schirmer sempre primou pela ampliação do acesso à informação, por parte da imprensa e da sociedade, e por mais transparência nos dados referentes ao Poder Público. Desta forma, ao assumir a Secretaria da Segurança Pública, iniciou um processo de reestruturação do setor responsável pelas estatísticas criminais, com objetivo de reduzir a periodicidade na divulgação e ampliar do rol de crimes a serem publicizados.
Em 2017, a divulgação dos indicadores criminais passou de seis para três meses. Em 2018, a periodicidade foi reduzida para dois meses e, atualmente, os dados estão sendo informados mensalmente. Os crimes divulgados foram ampliados de nove para 17, tendo sido acrescido, inclusive, dados referentes à violência contra a mulher e furto e roubo de estabelecimentos comerciais, bancos e transporte coletivo.
Isso foi possível graças à reestruturação do Observatório da Segurança Pública, inclusive com a lotação de servidores da Fundação de Economia e Estatística (FEE) no setor, e à implantação do sistema Qlik View - um software de última geração que possibilita a análise das ocorrências praticamente em tempo real.
Compreendemos como natural este tipo de evolução na área da Segurança Pública, na medida em que todas as áreas avançam tecnologicamente. E, assim, continuaremos a apostar em ferramentas que possibilitem mais segurança, agilidade e transparência na aferição e na divulgação informações referentes aos indicadores criminais.".