Uma chacina com três vítimas em um domingo à noite, dia 8 de julho de 2007, chamou a atenção da segurança pública gaúcha para uma situação nova que alterava a relação de forças entre os grupos criminosos que atuavam no bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre. Havia décadas que as disputas majoritariamente se davam entre membros de duas famílias. Uma delas envolvida com o comércio legal (mercados e bares) na região, e ambas com o tráfico.
Duas das vítimas da chacina eram de uma das famílias. Desta vez, os autores do crime não pertenciam ao clã inimigo. De acordo com o que apurou a polícia, os executores faziam parte de uma nova quadrilha que surgia pelas ruas íngremes, estreitas e não pavimentadas da região mais carente do bairro. Eram os Bala na Cara, grupo que contaria com a colaboração até mesmo de policiais militares presos na última segunda-feira (11).
O nome foi inspirado em uma das características do grupo: costumava matar suas vítimas com disparos no rosto, os chamados "tiros de esculacho", com o intuito de desfigurar a face e provocar velório com caixão fechado. Embora já disputasse a hegemonia do tráfico no Bom Jesus, a quadrilha inicialmente se voltou para assaltos a bancos e joalherias. O objetivo era se capitalizar para a compra de armas e drogas.
Desde o início, o grupo ficou marcado pela extrema violência com que agia. Por conta disso, dois anos após sua criação, virou braço armado de uma facção mais antiga e organizada, envolvida com tráfico, assaltos a bancos e carros-fortes. Quando esse grupo organizado planejava mortes, recorria, por meio de pagamento, à quadrilha surgida no Bom Jesus.
O enfraquecimento da facção mais antiga, que viveu período de instabilidade quando o seu principal líder foi transferido para uma prisão federal, em 2011, motivou o grupo da Bom Jesus a assumir características de facção — a primeira a ser criada nas ruas, pois, até então, todas haviam surgido no sistema penitenciário.
A expansão se deu de duas formas: por esquema semelhante ao de franquias e pela tomada de territórios na base da violência. Com essas duas maneiras de agir, em poucos anos, o crescimento atingiu diferentes regiões da Capital e praticamente todas as cidades da Região Metropolitana, e o grupo tornou-se, numericamente, o maior entre os ligados ao tráfico de drogas no Estado.
Pelo esquema de franquias, o grupo cooptava donos de bocas de fumo oferecendo-lhe soldados e armas para manterem seus territórios. Em troca, exigia a fidelidade na compra da droga fornecida pela facção e parte do lucro das vendas no varejo. Ese método fez Luís Fernando da Silva Soares Júnior, o Júnior Perneta ou Museo, apontado como o principal líder da facção da Bom Jesus, crescer no meio do crime. No início de maio deste ano, foi preso no Paraguai, onde, de acordo com a Delegacia de Capturas do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), além de manter o comando da organização criminosa, estaria envolvido com a plantação de maconha, e o abastecimento, em nível de atacado, de boa parte da região sul do Brasil e ainda da Argentina.
O método de expansão baseado na "tomada de bocas" provocou a criação de aliança entre quadrilhas rivais. Como um contraveneno, grupos menores firmaram um pacto de não agressão entre si e de ataques ao grupo da Bom Jesus. As disputas fizeram com que no ano de 2016 os homicídios atingissem os índices mais elevados da história na Região Metropolitana, com muitas mortes praticadas com requintes de crueldade, envolvendo decapitações, esquartejamentos e pessoas queimadas vivas.