Quando o corpo de Ilza Lima Duarte, 77 anos, foi encontrado em seu apartamento na Avenida Borges de Medeiros, no centro da Capital, no entardecer de 15 de fevereiro de 2008, o cenário parecia indicar morte natural. Na cama, ela segurava com a mão direita um pedaço de pão. Ao seu lado, uma xícara de café. A idosa tinha o hábito de fazer as refeições ali. O olhar de uma amiga, no entanto, percebeu outros detalhes.
Tapetes da sala estavam desalinhados e um par de sandálias havia sido esquecido sobre um deles. Um vaso de porcelana com flores estava caído sobre a mesa. Ilza era uma mulher organizada. A suspeita que se espalhou entre as amigas da idosa resultaria na acusação de cinco pessoas por assassinato.
Dez anos depois, nesta quarta-feira (23), às 9h, o ex-porteiro do prédio, um auxiliar de serviços e uma empregada doméstica vão a júri. Um professor universitário e a mulher, apontados como mandantes do crime, para ficar com cinco apartamentos da vítima, devem ser julgados em data ainda indefinida.
Desde o velório da aposentada, as amigas conjecturavam sobre a morte repentina. A ocorrência, registrada na polícia, apontava para acidente vascular cerebral. As amigas lembravam, no entanto, que a porta do quarto estava fechada, algo que não era comum, e que havia respingos de sangue no travesseiro. Uma marca no pescoço e hematomas nos joelhos de Ilza também pareciam estranhos.
A suspeita seria confirmada um mês após a morte. Inconformadas com as respostas oficiais da polícia, decidiram averiguar por conta própria. Descobriram que a certidão de óbito apontava que a idosa havia sido estrangulada e teve inclusive ossos das costas fraturados. Com a certidão em mãos, procuraram a polícia e a imprensa para pedir uma solução para o caso.
— Quem matou a Ilza conhecia a sua rotina. A porta do seu apartamento não foi arrombada, nada foi quebrado no quarto onde foi deixada — arriscava uma das amigas ouvidas por Zero Hora em março de 2008.
Atitudes estranhas como a de um porteiro, que após o crime nunca mais apareceu para trabalhar, e o fato de um casal vizinhos e herdeiro de Ilza não ter ido ao enterro, levantavam mais suspeitas. Em dezembro de 2009, cinco pessoas foram indiciadas pela morte de Ilza. Elas também seriam acusadas pelo Ministério Público (MP) e se tornariam réus no caso.
Entre os acusados estão Paulo Giovani Lemos da Silva, o porteiro que sumiu após a morte da idosa, Pablo Miguel Scher, que era auxiliar de serviços gerais e a mulher dele, Andréia da Rosa. Eles respondem por homicídio qualificado e também por fraude processual (alterar a cena do crime). Além da cena forjada de um café da manhã, segundo a acusação, o apartamento de Ilza foi limpo para impedir a localização de provas.
Para a acusação, foi Andréia quem limpou o apartamento. Ela trabalhava como doméstica no mesmo prédio, na casa do professor universitário Roberto Petry Homrich e da mulher dele, Maria Fernanda Corrêa Homrich. Os dois são acusados de terem planejado a morte da aposentada, para antecipar o recebimento de bens.
Vizinho e amigo íntimo de Ilza, o casal era seu beneficiário em cinco apartamentos dos quais ela era proprietária na Capital. Após a denúncia, Silva e Scher foram presos preventivamente por cerca de dois meses. O casal Homrich, que ficou preso por um dia, renunciou a herança. Os bens foram bloqueados pela Justiça. Por conta de recursos pendentes em instância superior, segundo o Tribunal de Justiça do Estado, eles serão julgados em outra sessão. Os cinco respondem em liberdade.
"Caso repugnante", diz MP
Para a acusação, Paulo Giovani Lemos da Silva, que era um dos porteiros do prédio, e o auxiliar de serviços gerais, Pablo Miguel Scher, ingressaram no apartamento da idosa, no 14º andar do prédio. Em seguida, renderam e estrangularam a aposentada. Como pagamento pelo crime, segundo o MP, Scher receberia do casal Homrich um dos cinco apartamentos da idosa e Silva teria recebido R$ 500,00. Foi o auxiliar quem informou às 18h do dia 15 de fevereiro ter localizado o corpo da aposentada dentro do apartamento.
Os dois chegaram a confessar participação no crime ao longo da investigação, mas em juízo negaram ter assassinado a idosa. O promotor Eugênio Amorim argumenta que existem outros elementos que comprovam a autoria.
— Não temos apenas as confissões. Foram encontradas impressões digitais de um e o pelo de outro no quarto da vítima. Tem vários outros detalhes. O porteiro (Silva) nunca mais voltou ao prédio. Após fazer mais de mil júris, esse é um dos casos mais repugnantes que eu vi em toda minha vida. É lamentável que todos estejam soltos até hoje — afirma.
Além de Amorim, o promotor André Martinez também atua no caso. O julgamento contará ainda com três defensores públicos: Tatiana Kosby Boeira, que representa Silva, Álvaro Roberto Antanavicius Fernandes, defende Scher, e Marcelo Candiago, que representa Andreia. A Defensoria só se manifestará após o julgamento. Procurada, a defesa do casal Homrich informou que não está autorizada a falar sobre o processo. A sessão será presidida pelo juiz Felipe Keunecke Oliveira, da 2ª Vara do Júri da Capital.
Os réus
Julgamento nesta quarta-feira (23):
- Paulo Giovani Lemos da Silva, ex-porteiro do prédio onde a aposentada morava, é acusado de ser um dos autores do crime. Desapareceu do condomínio após a morte de Ilza. Um exame de DNA apontou que foram encontrados pelos dele no quarto da vítima. Declarou à polícia que foi convidado por Scher para um serviço no apartamento de Ilza, mas disse ter fugido quando viu que Ilza seria morta. Teria recebido R$ 500,00. Em depoimento à Justiça, negou a autoria do crime.
- Pablo Miguel Scher, era auxiliar de serviços gerais no prédio. É acusado de ter sido contratado pelo casal para matar a idosa. Admitiu à polícia ter estrangulado Ilza com ajuda de Paulo. Em troca, Scher disse que receberia do casal Homrich um dos apartamentos. Em depoimento à Justiça, negou a autoria do crime.
- Andréia da Rosa, doméstica do casal Homrich, casada com Scher, é acusada de ter limpado o local do crime após a execução da vítima. Em depoimento, manteve-se em silêncio.
Julgamento sem data definida
- Maria Fernanda Corrêa Homrich, dona de casa, é acusada de ter planejado o crime com o marido. Estava em viagem no dia do crime, e sempre negou envolvimento no crime.
- Roberto Petry Homrich, professor universitário, o engenheiro eletricista é acusado de ter planejado a morte de Ilza. Disse que estava em Pelotas no dia do crime e sempre negou envolvimento no caso.
Vítima morava sozinha
Aposentada, sem filhos e dedicada a projetos sociais, Ilza morava sozinha no centro de Porto Alegre. Durante o período em que trabalhou como secretária em colégios anglicanos e consultórios médicos, conseguiu adquirir cinco apartamentos.
A aposentada atuava em atividades ligadas à Igreja Anglicana. Em 2005, alterou seu testamento e incluiu Maria Fernanda como herdeira de seus imóveis. A aposentada, que era chamada de Udi pelo casal, dizia considerar a vizinha como a filha que nunca teve.