Desde o final de outubro, 97 presos ocupam o pátio do Pavilhão H do Presídio Central e, como em uma rebelião não violenta, fazem exigência: querem uma galeria exclusiva. A preocupação das autoridades é de que, caso o intento se concretize, não haveria somente uma mudança na geografia do sistema prisional. Nas ruas, a quadrilha, que há mais de um ano é encarada como uma das mais violentas de Porto Alegre, ganharia corpo como facção criminosa.
O diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Ângelo Larger Carneiro, mesmo sem uma solução para o caso, já definiu:
— Não vamos entregar uma galeria para eles. O Estado não vai ceder à pressão de qualquer quadrilha. Seria um retrocesso depois de termos transferido 27 lideranças de facções para penitenciárias federais.
Setores de inteligência da Susepe e da Brigada Militar (BM) confirmam que a maior parte dos presos acampados no pátio faz parte do grupo autodenominado V7, originário da vila conhecida como 27, dentro da grande Vila Cruzeiro, bairro Santa Tereza. Curiosamente, André Vilmar Azevedo de Souza, o Nego André, 33 anos, apontado pelo Ministério Público Estadual (MP) e pela Polícia Civil como o líder da quadrilha, preso desde 2015 na Penitenciária Modulada de Charqueadas, estava na lista de detentos indicados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) para serem transferidos na Operação Pulso Firme, mas a medida foi negada pela Justiça Federal.
Com penas a cumprir até 2051 de condenações por homicídio, roubo e receptação, Nego André fez sua quadrilha crescer em alianças na guerra entre traficantes rivais na Capital, no começo de 2016. Para ação dos Anti-Bala — consórcio de bandos formado para atacar os Bala na Cara —, ele fornecia soldados (a maioria jovens), enquanto o grupo liderado por Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, 34 anos, garantia a logística com armas e drogas. A Pulso Firme conseguiu isolar Nego Jackson na Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia, mas Nego André permaneceu no Estado e teria mantido suas articulações. Agora, sem guerra.
— Os homicídios reduziram desde o isolamento do Nego Jackson. Notamos que se perdeu aquela segurança financeira e de armamentos que os grupos tinham para sustentar uma guerra. Mas isso não significa que as articulações acabaram. Bandos como o liderado pelo Nego André, por exemplo, só atuam com ordens diretas da liderança. É possível que algumas alianças do crime já não existissem se ele estivesse isolado — avalia o delegado Gabriel Bicca, diretor do Departamento de Homicídios da Polícia Civil.
Conforme outro policial, que há pelo menos quatro anos investiga o grupo, até agora, eles são como uma espécie de nação sem território. Marcar o espaço na cadeia, no contexto das facções, é um passo crucial no fortalecimento das organizações. Para Bicca, isso significaria um mercado aberto para aliciar novos soldados entre detentos.
Morte de líder
Nos últimos meses, com o enfraquecimento da aliança Anti-Bala, os V7 teriam se firmado no controle de praticamente todos os pontos de tráfico da Cruzeiro.
— Eles sempre agiram aliados com outros grupos criminosos, e assim se agrupam no sistema prisional. Na hipótese de ganharem espaço próprio na cadeia, mudariam o patamar da quadrilha — avalia a delegada Elisa Souza, da 6ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Porto Alegre.
O movimento dos presos de abandonar a galeria em que estavam, supostamente por incompatibilidade com os demais detentos daquele pavilhão, foi o segundo momento de uma tensão que a direção do Central conseguiu remediar em agosto. Naquela ocasião, após a execução do traficante João Carlos da Silva Trindade, o Colete, na Vila Maria da Conceição, bairro Partenon — um dos territórios onde a quadrilha atua —, 160 presos deixaram a 2ª galeria do Pavilhão A do presídio, controlada por criminosos ligados à vila. Alguns foram transferidos para Charqueadas e Arroio dos Ratos, mas a maior parte — 140 detentos — foi realocada no próprio Central.
Como após a morte de Colete a quadrilha teria ampliado a sua influência no tráfico na Conceição, há dúvida sobre a motivação para saída dos presos para o pátio. Não está claro se haviam sido expulsos do Pavilhão A ou se aquele foi o primeiro passo de um levante que, agora, vive novo desdobramento.