A possibilidade dos jogos de azar se tornarem legais no Brasil ainda neste ano ganhou força esta semana. Depois de um encontro com 15 governadores — sem a participação de José Ivo Sartori —, em Brasília, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) garantiu que o projeto de lei do deputado Ciro Nogueira (PP-PR), de 2014, será acelerado e entrará em pauta. A condição para que a proposta avance, porém, lança outra polêmica sobre o tema. Os governadores e o presidente do Senado endossam a ideia e querem que o dinheiro arrecadado com os jogos legalizados seja revertido para a segurança pública em âmbito federal e estadual.
A estimativa é de que a retirada dos jogos da clandestinidade possa gerar entre R$ 12 bilhões e R$ 18 bilhões em arrecadação. A proposta dos governadores é de que parte desta verba reforçasse o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Segurança Pública — projeto que estava terça-feira na pauta do Senado —, que também tem a previsão de repasses dos impostos da indústria bélica para financiar de maneira mais direta aos Estados do que o atual fundo, gerenciado pelo Ministério da Justiça.
Aprovando esta medida, seria aberto o caminho para a criação de fundos estaduais de segurança pública com o mesmo tipo de recurso. Para o jurista Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a medida seria um contrassenso pela destinação pretendida para as verbas.
— É uma forma de mascarar a fúria arrecadatória dos governos para cobrir os rombos nos caixas. Alegam que seriam recursos para combater lavagem de dinheiro, corrupção e tráfico, mas com recursos do jogo? Ora, a experiência mundial prova que a legalização de jogos não cessa a lavagem, só cria métodos mais avançados. A transação de fichas de cassinos, por exemplo, é um modalidade bastante criativa de lavar dinheiro entre a Europa e paraísos fiscais. São esses operadores que financiariam a segurança pública — justifica.
Dipp argumenta que os jogos sairiam da ilegalidade, mas não se tornariam transparentes.
— Sem dúvida serão arrecadados valores nessas transações, mas os governantes deveriam ser mais criativos. A realidade é que veem na proposta dos jogos uma forma de cobrir seus rombos — critica.
O repasse a um fundo de segurança dependerá de regulamentação após uma eventual aprovação do projeto. E segue exatamente o modelo proposto no Rio Grande do Sul pelo grupo que pretende retomar a Lotergs.
O jurista e ex-secretário nacional antidrogas, Walter Maierovitch alerta que os governadores podem estar entrando em jogada ensaiada do crime organizado.
— Toda vez que se flexibiliza a questão dos jogos, dos cassinos, é uma oportunidade que se apresenta às organizações criminosas para lavar dinheiro e cometer outros ilícitos se aproveitando da lei. O Brasil não tem o know-how necessário para fiscalizar esse tipo de atividade — alerta.
Maierovitch recorda que, no final dos anos 1990, quando explodiram os caça-níqueis pelo Brasil, a partir da Itália foi desencadeada a Operação Malocchio, que desvendou esquema de lavagem de dinheiro envolvendo a máfia italiana e os cartéis colombianos da cocaína. O dinheiro do tráfico era lavado nas máquinas construídas na Espanha e montadas no Brasil.
— Financiar a segurança com este sistema é um completo contrassenso — diz.
Sem dúvida serão arrecadados valores nessas transações, mas os governantes deveriam ser mais criativos. A realidade é que veem na proposta dos jogos uma forma de cobrir seus rombos
Gilson Dipp
Jurista e ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça
No Senado, já há parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e deve entrar na pauta desta comissão. Na proposta, a única determinação é somente que, do valor arrecadado, a União repasse 30% aos Estados e 30% aos municípios, com obrigatoriedade de uso nas áreas de segurança pública, saúde, educação, previdência e assistência social. As destinações de multas eventuais também são previstas para a segurança. A maior parcela dos recursos viria das apostas por meio eletrônico.
O que diz o projeto
— Legaliza os "jogos de fortuna" no Brasil, retirando essas modalidades da lei de contravenções penais.
— Entram na lei: jogo do bicho, vídeo-bingo online ou presencial, bingo, cassinos em complexos de lazer, jogos de apostas esportivas e não-esportivas online ou presencial, cassino online.
— A União regulamentará todos os jogos e fiscalizará as modalidades online, enquanto os Estados e municípios fiscalizarão os jogos que aconteçam em seus territórios.
— Os estabelecimentos repassarão ao poder executivo federal cadastros com os dados de todos os jogadores premiados a partir de R$ 10 mil.
— Jogos do bicho, bingo e eletrônicos deverão repassar para premiação entre 50% e 70% do arrecadado.
— As alíquotas de tributação previstas sobre o bruto arrecadado com os jogos serão de 10% para o módulo presencial e 15% para os eletrônicos.
— Do que for arrecadado, a União repassará 30% aos Estados e 30% aos municípios, com obrigatoriedade de investir em segurança pública, educação básica, saúde, previdência e assistência social.
— Quem explorar jogos sem credenciamento terá, no máximo, um ano de detenção.
Fonte: PL 186/2014 do Senado