— Quando eu comecei a ouvir uns estouros que pareciam tiros, saltei de onde eu estava olhando televisão e abri a porta. Fui atropelada por aquelas meninas e meninos, que entraram na casa tentando se proteger e eu, desesperada, só pensava na minha filha e no meu filho e não encontrava eles. Foi o terror. O verdadeiro Rio de Janeiro que a gente vê na televisão.
O relato é da dona de casa de 45 anos, que prefere não ser identificada, que sediava a festa interrompida pelo ataque a tiros por volta das 2h30min deste domingo (22). Àquela altura, a filha, que comemorava 25 anos e organizava a festa, já estava ferida, com um disparo no ombro esquerdo. O filho, de 18, escondeu-se em um canto da garagem.
— Pensei que eu tinha que achar um jeito das balas não me pegarem. Achei que iriam matar todo mundo. Abri uma geladeira velha e fiquei atrás da porta — conta o rapaz.
Pelas ruas da Morada do Vale II, em Gravataí, não há esquina em que se pare e o assunto não seja o crime da madrugada. E, em cada roda de conversa, alguém conhece pelo menos um dos baleados.
Foi isso o que aconteceu, por exemplo, com um menino de 14 anos, atingido de raspão na cabeça. Ele é primo de Thaís Pires da Silveira, 24 anos, que morreu no ataque. Até momentos antes da invasão de pelo menos seis criminosos, o adolescente participava de uma festa de 15 anos no salão da igreja que fica a cerca de 150 metros de onde ocorria a social (festa a céu aberto).
— Eu não sabia que ele tinha saído da festinha para ir na social. Quando ouvi os tiros, comecei a correr para todos os lados em busca de informações do meu filho. Na igreja, já não tinha ninguém. E lá onde atiraram na gurizada, ele também não estava. Só quando liguei para o hospital eu soube o que aconteceu — diz o pai do menino, de 55 anos, que prefere não ser identificado.
Um amigo dele, de 15 anos, que o acompanhava, foi ferido com uma coronhada na cabeça.
— Eles (os atiradores) pararam um casal e mandaram deitar. Acertaram a perna dela e, de raspão, a cabeça dele — conta um adolescente de 17 anos.
Uma moradora da Rua Eurico Lara, que foi acordada pelos disparos, lembra que o cenário em toda a rua se transformou em cena de filme.
— Todas aquelas crianças que estavam na festa da igreja começaram a correr para todos os lados. E os vizinhos, desesperados, procuravam os seus filhos. Não tem como descrever. Estamos vivendo meses de muita violência. Mas, desse jeito, eu nunca imaginei — desabafa a moradora de 60 anos, que há mais de 30 vive no bairro.