— Fora de forma!
O último comando do inspetor Alessandro Mocellin aos 15 policiais formados como tripulantes operacionais de helicóptero foi obedecido com entusiasmo. Ao lado do aeronave da Polícia Civil, dentro do hangar onde foi realizada a formatura, em Porto Alegre, 15 bonés laranjas voaram para o alto. Após cinco semanas de treinamento, o grupo considerado a elite das polícias finalmente pode descansar.
Desde o início do curso, sete ficaram para trás. Quase desmaiando ao correr 12 quilômetros no sol do meio-dia, ainda no primeiro dia, Amanda Mattos, 30 anos, pensou em desistir. O mesmo pensamento lhe passaria pela cabeça outras vezes. Mas só passaria. A inspetora natural de Giruá, no Noroeste, tornou-se nesta sexta-feira (6) a primeira mulher gaúcha a concluir o curso.
O dilema inicial de Amanda antes do começo do treinamento foi a escolha entre cortar os longos cabelos pretos ou correr o risco disso atrapalhar o grupo durante o curso. Se o cabelo desamarrasse, ela sabia que todo mundo "teria de pagar", com suor. Em um salão de Santa Rosa, município onde moram seus pais, a policial deixou 45 centímetros de cabelo. Não tinha mais volta, pensou. Foi o pai, Daniel de Mattos, quem ajudou a filha a preparar a mochila que a acompanharia no curso. Quando tentou levantar a mochila do chão, quase sem conseguir aguentar o peso, Amanda argumentou com o pai:
— Eles não vão fazer a gente carregar esse peso todo.
— Te prepara Amanda — alertou o comissário aposentado.
A inspetora não imaginava que as semanas seriam tão intensas. Quando os policiais chegaram a Porto Alegre, esperavam por alguns dias de aulas teóricas, até o início das práticas. Como lembrou o orador da turma, o policial Lucas de Jesus Paixão, dentro de um caminhão a caminho da área de campo, todos descobriram que tinham se enganado. Antes mesmo de chegarem perto de um helicóptero, a prática já tinha começado. Começava ali a semana zero, que se encerraria com quatro policiais a menos no curso.
— Todos os dias foram desafiadores. Nem sei qual foi o mais difícil — conta Amanda.
Durante cinco dias, os alunos permaneceram no meio do mato, sem banho, em treinamento exaustivo. O grupo era acordado durante a madrugada ao som de granadas. Para driblar a necessidade de se vestir rapidamente em meio aos colegas, a única mulher ali dormia de maiô. Durante uma corrida noturna, precisou carregar o tempo todo a mochila que o pai tinha ajudado a preparar. Pensou mais uma vez que não iria aguentar.
— Não pesei aquela mochila, mas devia ter uns 30 quilos. Tenho 55 quilos — lembra aos risos.
24 quilômetros, hipotermia e medo de desistir
No retorno da primeira semana, quando imaginaram que poderiam descansar, foram deixados na praia de Ipanema, na zona sul da Capital, de onde seguiram até o hangar da Polícia Civil, no outro extremo. Nos 24 quilômetros de marcha, Amanda precisou se apoiar na perna esquerda porque o pé direito dentro do coturno não suportava mais. A equipe médica observava a inspetora mancar e começava a cogitar que ela não completaria o trajeto. Após os primeiros dias, restaram 18 em curso, mas eles se enganaram quanto à inspetora.
— Toda vez que eu pensava em desistir, eu olhava para a Amanda — lembrou Paixão em seu discurso.
O curso seguiu com treinos de rapel de helicóptero, resgates terrestre, no mar e no Guaíba. Foi num desses treinos, em um tanque de água gelada que Amanda passou por um dos momentos mais difíceis. Viu um dos colegas, ao lado dela, ser obrigado a terminar o treinamento após quase sofrer hipotermia.
— Ele não desistiu, mas o corpo dele não aguentou. Quando vi ele sair assim, chorei.
Lágrimas que Amanda tentou a todo momento conter durante uma hora de formatura. Com sete colegas enfileirados de cada lado, ela manteve o semblante sisudo, como pedia o curso. Mas o rigor não resistiu ao momento em que o instrutor Mocellin substituiu por um distintivo o número 22, estampado no peito da policial. Ali, veio o abraço. Discretamente, a poucos metros do pai, da mãe Jane e da irmã Fernanda, que acompanhavam a cerimônia emocionados, Amanda sorriu e enxugou as lágrimas.
— As mulheres são fortes, são guerreiras. O cabelo curto cresce, mas o que vivi hoje aqui não vai passar nunca — comemorou.
Família de policiais
Na Polícia Civil desde 2014, Amanda seguiu os passos do pai e da irmã, ambos agentes. A jovem começou a carreira em Porto Alegre e está atualmente em Santa Rosa. Desde o ano passado, preparava-se para enfrentar o curso. A classificação incluiu testes físicos, como nadar 800 metros, prova de tiro e teste psicológico, entre outros.
— Para mim, ser policial é um orgulho. A inspiração da minha vida é meu pai — disse.
Orgulho na polícia
Responsável por instruir o grupo durante o curso, o inspetor Mocellin define os tripulantes como "ponta da lança da operação policial".
Os policiais civis, militares, bombeiros e rodoviários federais que concluíram o curso estão preparados para enfrentar resgates na terra e na água, operações, buscas e combates aéreos. Para o instrutor, ter uma formanda mulher é um avanço a ser comemorado.
— Há muito tempo já que as as mulheres se igualaram aos homens em qualquer profissão — afirmou.
O pioneirismo de Amanda foi citado diversas vezes durante a cerimônia de formatura. A delegada Elisangela Reghelin, diretora da Academia de Polícia Civil (Acadepol), lembrou que chegou a pensar em citar isso no início do curso, mas resolveu esperar até o fim.
— É, mais uma vez, um momento em que a Polícia Civil quebra mais um paradigma. Como mulher, sei que muitas vezes nos disseram que não era para nós, que não daria certo. E deu certo sim.