Foi concluída nesta quinta-feira (23) a sindicância interna do Hospital Dom João Becker , em Gravataí, que apurava supostas agressões ao acompanhante de uma paciente, após ele ter sido apontado como autor do furto do celular de uma funcionária. O procedimento concluiu que o vigilante Everaldo da Silva Fonseca, 62 anos, não foi agredido pelos seguranças do hospital e que o episódio não teve qualquer tipo de motivação racial. Apesar disso, três funcionários foram demitidos pela casa de saúde.
Fonseca acompanhava a esposa, Maria de Fátima Lopes Gonçalves, internada por problemas no fígado. Na madrugada de sábado (18), houve o extravio do telefone de uma funcionária. Segundo nota do hospital, ao ligar, ouvia-se uma vibração próximo ao vigilante. Ainda conforme a instituição de saúde, um segurança levou Fonseca para conversar de forma voluntária, em área do hospital que possui câmeras de segurança, e não houve agressão, conforme a sindicância. De acordo com a nota, Fonseca mostrou seus pertences e constatou-se que a filha estava ligando, o que explicaria a vibração. O telefone extraviado foi encontrado logo depois e, segundo o hospital, houve um pedido de desculpas a Fonseca.
Segundo o hospital, a morte da esposa do vigilante não teve nenhuma relação com o episódio e sim, com a gravidade do quadro. Ainda conforme a nota, três funcionários foram desligados por terem se comportado de “em desacordo com o Código de Conduta”.
A versão de Fonseca difere do que foi concluído na sindicância.
— Foi um sábado de horror. Estava sentado na beira da cama, com minha esposa. Os seguranças chegaram com outros funcionários e começaram a dizer que eu havia roubado um celular. Fui escolhido a dedo por eles — relata.
Investigação policial
Conforme o vigilante, a esposa presenciou as agressões. Depois, ela teria passado mal, morrendo no local. Fonseca também afirma que os funcionários disseram palavras racistas:
— Ela viu e ouviu tudo. Ficou muito nervosa. Depois eles me revistaram e levaram para um corredor escuro. Tomei soco nas costas e pisadas no pé. Eu gritava, pedia ajuda, para me largar e não me largavam.
Fonseca registrou ocorrência na Polícia Civil ainda no sábado. Ele prestou um novo depoimento na tarde de quarta-feira (22). Segundo o delegado Márcio Zachello, o vigilante afirmou que, após as agressões, o celular foi localizado em outra sala.
— Estamos aguardando as imagens de câmeras de segurança — comentou o delegado.
De acordo com Zachello, um exame de corpo de delito foi feito e o inquérito policial foi aberto. Os crimes que serão investigados são de constrangimento ilegal, injúria racial e lesões corporais.
Confira a nota do hospital na íntegra:
A direção do Hospital Dom João Becker concluiu, nesta quinta-feira, a sindicância interna encarregada de averiguar os fatos ocorridos nas dependências do Hospital Dom João Becker na madrugada do último sábado, 18/04, envolvendo familiar de paciente.
A sindicância, conduzida por uma equipe multiprofissional da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, teve como base o Código de Conduta vigente em todos os hospitais da instituição.
Assim, apresentamos a seguir as principais conclusões e as providências encaminhadas:
1. Conforme já informado, a paciente M.A.R. foi levada ao hospital Dom João Becker pela SAMU na manhã do dia 17/4, em estado grave em razão de doença pré-existente – cirrose hepática, desnutrição, desidratação, rebaixamento sensório, estado caquético, conforme laudo da SAMU. Na admissão da paciente, no setor de Emergência, a família foi comunicada pelo médico sobre a gravidade do quadro e da possível evolução para o óbito. Foi disponibilizado todo atendimento médico e assistencial necessário ao quadro clínico.
2. Por volta de 4h00 do dia 18/4, houve um episódio de extravio do celular de uma funcionária do setor onde a paciente encontrava-se. Coincidentemente, ao ser procurado, por ligação de colegas de trabalho ao número do telefone extraviado, percebeu-se a vibração de um celular próximo ao familiar da referida paciente, circunstância esta que desencadeou todo o lamentável fato que se sucedeu. Um segurança foi chamado para verificação junto ao familiar, o qual foi convidado voluntariamente para conversar em um corredor contíguo, local onde há o monitoramento de câmeras de segurança, nas quais todas as imagens foram registradas. Verifica-se que, na abordagem, não há qualquer tipo de agressão física ou reação exacerbada do segurança que pudesse representar qualquer indício de ameaça física. Encerrada a abordagem, quando o próprio familiar retirou seus pertences de uma bolsa e mostrou ao segurança, nada foi encontrado, apenas a constatação de que sua filha estava tentando contatar com ele, razão pela qual o seu celular havia vibrado. Este episódio (extravio do telefone) logo veio a ser esclarecido, com a localização do aparelho em outro ambiente do hospital, havendo então pedidos de desculpas ao familiar por parte da funcionária envolvida, conforme atestam diversos outros funcionários presentes.
3. O episódio não teve qualquer tipo de motivação racial, e tampouco houve injúria desta natureza, conforme especulado indevidamente em redes sociais.
4. O óbito da paciente ocorreu por volta de 9h50 por causas naturais, portanto mais de 5 horas após o primeiro episódio, devido à gravidade de doença crônica pré-existente, não havendo qualquer nexo de causalidade plausível entre os eventos, até mesmo porque a paciente não tinha quaisquer condições clínicas de percepção do seu entorno, conforme atestam todos os documentos de registro assistencial.
5. Foram ouvidos pela sindicância interna integrantes do corpo funcional do hospital, envolvidos ou não no episódio, que estavam trabalhando no setor onde se deu o evento, empregado de empresa terceirizada e acompanhantes de pacientes que estavam no mesmo ambiente em que se deram os fatos.
6. Diante do exposto, a Direção do Hospital Dom João Becker definiu pela rescisão unilateral do contrato de trabalho de três funcionários, cujo comportamento no episódio esteve em desacordo com o Código de Conduta da Instituição.
7. A íntegra do relatório da sindicância interna foi entregue e protocolada ao Gestor Municipal da Saúde, ao Conselho Municipal da Saúde e à Polícia Civil. Também será entregue ao Ministério Público, tão logo este órgão esteja disponível para receber. Para os dois últimos, são entregues também DVDs com as imagens das câmeras do circuito interno de TV.
A Direção do Hospital Dom João Becker, uma vez mais, lamenta o ocorrido, na convicção de que fez seu papel na ágil apuração dos fatos e certa de que as investigações das autoridades irão corroborar as informações ora disponibilizadas.
Hospital Dom João Becker
Gravataí, 23 de abril de 2020