Wyllians Borelli (*) e Sheila Martins (**)
Não é de hoje que a pirâmide etária da população mundial está se invertendo. A base, representada por crianças e jovens, está se estreitando, enquanto o topo, reservado às pessoas com mais idade, se alarga ano após ano. No contexto brasileiro, a tendência é a mesma, com grande destaque para o Rio Grande do Sul. Por aqui, o aumento da população acima de 60 anos aconteceu em ritmo acelerado na última década, passando de 1,5 milhão em 2012 para 2,2 milhões em 2022. Boa parte desses números se deve aos avanços da medicina, que têm possibilitado viver mais. A vida mais longa, no entanto, nem sempre vem acompanhada de qualidade.
O simples fato de envelhecer já nos impõe um risco aumentado de desenvolver demência, doença neurológica que afeta número significativo de idosos pelo mundo. A síndrome demencial, por muito tempo, foi usada como similar ao "mal de Alzheimer" ou doença de Alzheimer. Por definição, a demência é uma patologia cerebral que leva à perda cognitiva e que impacta na independência do indivíduo. Na prática, é aquele indivíduo que não apresentava problemas de memória e, gradualmente, começa a esquecer das coisas. Atividades corriqueiras, como sair de casa para pagar contas, planejar o dia e executar tarefas, se tornam cada vez mais difíceis. A doença de Alzheimer é um tipo de demência, o mais frequente, acumulando entre 60% e 70% dos casos.
Apesar de ser muito comum, a demência ainda é considerada por muitas pessoas como algo "normal" para a idade. O pensamento de "esquece porque está idoso" pode deixar passar um diagnóstico importante, além de atrasar o tratamento para reduzir a progressão da doença e o controle de fatores de risco. Estima-se que, em todo o mundo, o subdiagnóstico da enfermidade ocorra em 75% dos casos. No Brasil, esse índice chega a 77%.
Identificar o problema é importante não apenas para o paciente, mas também para as famílias, que têm a possibilidade de fazer planejamentos e estratégias de prevenção. E mais: quando descoberta no início, a doença pode ter sua evolução desacelerada por meio de medidas preventivas de controle de fatores de risco. Nem todo mundo sabe, mas os mesmos problemas de saúde que aumentam o risco de doenças circulatórias, como acidente vascular cerebral e infarto, têm íntima relação com risco de demência. Diabetes, hipertensão, tabagismo e alcoolismo, por exemplo, quando identificados precocemente, podem reduzir em 50% a chance de desenvolver demência.
Porto Alegre é um polo de estudos
Apesar da importância da investigação precoce, essa identificação ainda esbarra em alguns obstáculos. Primeiro, porque nas fases iniciais a demência pode ser de difícil reconhecimento até mesmo para profissionais da saúde. Depois, porque depara com a resistência das famílias que, com receio de receber um diagnóstico positivo, acabam protelando a busca por ajuda. É nesse cenário que iniciativas de educação, focadas no paciente, familiares e cuidadores, ganham força. Essas famílias precisam saber que não estão desassistidas e que têm apoio de especialistas capazes de desenvolver métodos de reduzir o estresse e melhorar o cuidado.
Somam-se a esses esforços as ações voltadas à assistência especializada. Atualmente, além de neurologistas cognitivos e neuropsicólogos, já dispomos de exames de ponta — uns mais e outros menos invasivos — capazes de identificar biomarcadores da doença de Alzheimer. Essa possibilidade é um divisor de águas, uma vez que a enfermidade começa a se desenvolver no cérebro de 20 a 30 anos antes do surgimento dos primeiros sintomas. Isso quer dizer que o histórico de cada indivíduo vai nos dizer quais são os caminhos que devemos seguir e, em caso positivo para a doença, como podemos reduzir o ritmo da progressão.
Como pilar base dessa construção de rede de apoio e de atenção ao paciente com demência, encontra-se a pesquisa. Atividade fundamental para o desenvolvimento de novas técnicas de diagnóstico e também de tratamento para essas enfermidades. E nesse quesito, nós, de Porto Alegre, estamos muito bem assistidos. A Capital abriga um polo grande e reconhecido internacionalmente de pesquisadores do tema, em especial de Alzheimer. Aqui, se investiga e se produz muito a respeito do assunto. Tudo para que possamos envelhecer com tranquilidade e qualidade.
(*) Médico neurologista e coordenador de pesquisa do Centro da Memória do Hospital Moinhos de Vento (HMV)
(**) Médica neurologista e chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do HMV