André Reiriz (*) e Darcy Ribeiro Pinto Filho (**)
O câncer, historicamente, simboliza uma doença que amedronta pelo estigma de sofrimento, dor, desesperança, tratamentos agressivos, pouco efetivos e ameaça da morte. Felizmente, a última década nos aproximou de uma nova realidade, uma verdadeira revolução nos tratamentos, incluindo cirurgias com auxílio de robôs, equipamentos de radioterapia cada vez mais precisos e medicamentos que transformaram doenças inevitavelmente mortais em processos com os quais os pacientes convivem de forma crônica, qualificada e atingindo cada vez mais a cura. Isso inclui medicamentos como a imunoterapia, que reforça e treina nosso sistema imunológico para que ele combata de forma mais ativa o câncer. Outros atuam contra defeitos específicos do tumor e assim silenciam a doença.
Porém, nosso cotidiano de atendimento a pacientes com câncer, ao longo de 20 anos, tem demonstrado de forma muito nítida que a grande ferramenta que dispomos para confortar os pacientes e confrontar a doença é a palavra e comunicação médica. Nosso maior compromisso enquanto médico é entregar um paciente ao final de uma consulta melhor do que quando chegou. Esse tem sido nosso maior alvo de ensino enquanto professores do curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
E como podemos confortar através da palavra pacientes que chegam com diagnósticos tão graves, como o câncer? A primeira percepção que devemos ter é de que nossos pacientes que chegam portando uma doença grave, são mutilados pela desinformação e estão com pensamentos frequentemente desorganizados e amedrontados pela ausência de escolta e apoio especializado. Por isso, um atendimento, mesmo breve, que proponha atenção, olhar, escuta, compreensão do significado da doença, caminhos imediatos e planos futuros, costuma resultar em pacientes gratos, reconfortados e motivados, pelo simples fato de que demos circunstância ao problema, limitamos pensamentos irreais, mostramos engajamento e cumplicidade no enfrentamento ao problema.
A vida costuma ser assim, nas diferentes ameaças que nos apresenta: quando nos perdemos de nossos pais, quando vamos ao primeiro dia na escola ou assistimos a um filme de terror, a melhor lembrança que carregamos é da mão que se estendeu, da palavra da professora ou do braço que apertamos na cena mais terrível. Portanto, é preciso celebrar a tecnologia e os avanços, porém sem negligenciar a relevância da comunicação médica, nossas escolas precisam atentar e treinar nossos futuros colegas, dando a dimensão do tema e desenvolvendo tais habilidades. O avanço entregue de forma distante e desatenta não conforta, e devemos reconhecer que, infelizmente, nem todos as tecnologias e medicamentos estão disponíveis a todos os pacientes. Assim, o instrumento de cuidado médico que está ao nosso alcance, de forma democrática, no SUS, em convênios ou nos atendimentos privados, é a comunicação médica, que, exercida de forma qualificada, ecoa em pacientes e famílias serenas, equipes reconhecidas e gratificadas, mesmo quando a tecnologia e os medicamentos ainda não chegaram. A revolução no cuidado ao câncer chegou, e isso deve ser celebrado, o acesso a tais avanços precisa ser expandido, porém nós, profissionais da saúde, precisamos perceber que tal revolução ainda começa pela palavra.
(*) Oncologista clínico no Hospital Geral de Caxias do Sul, coordenador médico da Pesquisa em Oncologia do Instituto Tacchini de Pesquisa em Saúde e professor adjunto do curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS)
(**) Professor de cirurgia torácica na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e membro titular da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
Parceria renovada
Este artigo faz parte da parceria firmada entre ZH, GZH e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM). A estreia foi em março de 2022, com a reportagem "Câncer: do diagnóstico ao tratamento", e agora foi renovada para mais uma temporada. Uma vez por mês, o caderno Vida vai publicar conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos integrantes da entidade, que completou 30 anos em 2020 e atualmente conta com cerca de 90 membros e é presidida pelo otorrinolaringologista Luiz Lavinsky. De diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia etc), esses profissionais fazem parte do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação de Rogério Sarmento Leite e no qual são acompanhados por um tutor com larga experiência na área.