A distonia, de maneira geral, é uma doença que provoca contrações musculares involuntárias que geram movimentos ou posturas anormais. A patologia, que pode acometer qualquer parte do corpo, é considerada rara e sem cura. Além disso, a distonia pode surgir em qualquer idade, desde a infância até a velhice.
De acordo com a neurologista especialista em distúrbios do movimento, toxina botulínica terapêutica e estimulação cerebral profunda Joyce Yamamoto as contrações da distonia são provocadas por problemas no circuito cerebral.
— A gente entende o cérebro como uma rede de circuitos. Para funcionar, ele manda mensagens para diversos pontos. Entre, eles existe o circuito do movimento. Quando essa rede, apesar de intacta, está doente e mal funcionante, acontece a distonia — explica Joyce.
Existem diferentes tipos de distonias que são classificadas de acordo com a sua distribuição no corpo humano. A distonia focal atinge apenas uma parte isolada e específica do corpo, a segmentar acontece quando duas ou mais regiões próximas são afetadas, já a multifocal também acomete duas ou mais partes mas elas não precisam estar ligadas.
Ainda há a distonia generalizada, definida por afetar o tronco e mais duas regiões, e a distonia hemidistonia que acontece quando a doença é restrita a um lado do corpo apenas. Apesar do panorama inicial, as distonias podem progredir, especialmente as que iniciam ainda na infância. Portanto, existe a possibilidade de quadros focais se tornarem generalizados.
A socióloga aposentada Virgínia Cassel, 69 anos, convive com distonia cervical e laríngea desde 2013. As duas são consideradas focais, mas por estarem presentes concomitantemente são classificadas como uma distonia segmentar. A distonia cervical, apontada como a mais comum em adultos, afeta a região do pescoço, e a laríngea compromete o funcionamento das cordas vocais.
Segundo a neurologista do Hospital São Lucas da PUCRS Sheila Trentin, de cinco a 20 pessoas em cada 100 mil que recebem o diagnóstico de distonia cervical no mundo. Esse número é ainda menor na distonia laríngea: a variação é de um a seis pacientes em cada 100 mil pessoas.
Causas da distonia
A maioria dos casos de distonia são idiopáticos, portanto, não há respostas sobre o que causa os distúrbios. Entretanto, a patologia pode pode ser causada por alteração genética hereditária, mas apenas cerca de 10% dos pacientes apresentam um histórico de distonia na família. Existe ainda a possibilidade das distonias serem adquiridas por consequência de outra doença.
— Teoricamente qualquer doença que machuque o cérebro, pode ser um acidente vascular cerebral, uma infecção, um tumor ou uma intoxicação, pode causar uma distonia. Então são diferentes agressões ao cérebro por diferentes mecanismos que podem finalizar em um quadro de distonia — detalha Sheila.
Quais são os sintomas?
É possível suspeitar de distonia toda vez que vemos uma contração muscular involuntária que cause uma postura “estranha”. Na distonia cervical, o mais comum é acontecer uma torção lateral do pescoço, semelhante a um torcicolo. No entanto, podem existir casos de torções também para a frente e para trás. Essa postura pode ser tanto fixa quanto intermitente. Quando a posição é intervalada, provoca um movimento de vai e vem com o pescoço, o que pode ser interpretado como um simples tremor. Tremores isolados na cabeça também podem ser sinais da doença.
Os sintomas da distonia laríngea não são vistos a olho nu, mas sim ouvidos. O paciente com esse tipo da doença deve se atentar para a dificuldade na fala. Se a voz costuma sair tremulante, entrecortada ou estrangulada com recorrência — o que pode ser sinal de algum problema nas cordas vocais causado pelas contrações irregulares na região.
Foram esses sintomas que fizeram Virgínia perceber que havia algo errado. Ela convive com tremores no pescoço e rosto e começou a sentir dificuldade para falar uma vez que as palavras saiam cortadas involuntariamente. Outro fator importante para observar é o estado emocional do paciente, já que abalos sentimentais podem gerar agravamento destas ocorrências. Após o falecimento da mãe, em 2015, a socióloga apresentou uma piora considerável em seu quadro clínico.
— Eu costumo dizer para os meus pacientes que o quadro emocional agrava qualquer problema neurológico. Se a gente for ver o paciente que tem enxaqueca, se ele não está bem, ele tem mais crises. Quem tem epilepsia, se está estressado, vai ter mais convulsões. E não é diferente para os transtornos do movimento. A distonia piora muito quando o paciente está emocionalmente alterado — pontua a neurologista do São Lucas da PUCRS.
Como funciona o diagnóstico?
A similaridade com outras doenças, como Parkinson e, principalmente, Tremor Essencial, faz com que o diagnóstico de distonia demore a chegar. Como aconteceu com a socióloga Virgínia, que demorou sete anos para descobrir a doença que causava seus tremores. Antes disso, ela foi diagnosticada duas vezes, por profissionais diferentes, com Tremor Essencial. Não existem exames capazes de detectar a distonia cervical, portanto, o diagnóstico é feito de maneira clínica ao examinar o paciente. Em razão disso, as neurologistas reforçam a importância de se atentar a todos os sinais.
Na distonia laríngea, o diagnóstico é mais delicado, já que é necessária a avaliação de um especialista. Neste caso, um otorrinolaringologista precisa identificar se as anormalidades no funcionamento das cordas vocais são decorrentes das contrações involuntárias da distonia ou por outros motivos.
Como é o tratamento?
Por não haver cura, o tratamento das distonias envolve amenizar os sintomas. Para isso, pode ser recomendado o uso de medicamentos tanto para dor quanto para o relaxamento muscular, a fisioterapia para ajudar nos movimentos e a fonoaudiologia para problemas que envolvam a voz.
Entretanto, o principal tratamento, tanto para distonia cervical quanto para a laríngea, é feito com a aplicação de toxina botulínica, como o botox. O objetivo, neste caso, também é causar um relaxamento muscular que alivia os sintomas. A frequência de aplicações da toxina vai depender de cada paciente, mas, em geral, a média de intervalo é de três meses. Antes deste tempo, a aplicação não pode ser refeita por riscos de sobreposição da toxina e desenvolvimento de resistência ao fármaco.
— O efeito da toxina botulínica começa em torno do quinto dia após a aplicação, e o auge do é por volta de um mês a seis semanas (depois da aplicação). Depois desse período, atinge um platô e, lentamente, vai perdendo o relaxamento muscular — detalha Sheila.
Em casos extremos, em que as contrações não respondem às aplicações, é recomendada uma cirurgia de estimulação cerebral.
Existe vida com distonia
Depois de cerca de 10 anos convivendo com os tremores e dificuldade para se comunicar, Virgínia garante que aprendeu a lidar com a doença.
— Aprendi a falar devagar, sílaba por sílaba. Atualmente, faço terapia, que ajuda bastante a aprender a manejar e aceitar a situação, e estou fazendo dança, o que tem sido muito produtivo — conta.
Apesar de não ter tido muitos avanços com o tratamento, o que pode acontecer em casos específicos, Virgínia salienta que é possível levar uma vida normal.
— Eu saio, viajo, encontro amigas, leio, interajo com familiares, tudo que sempre fiz. Claro que, às vezes, me entristeço quando percebo que alguém não compreende o que eu falo. Tenho muita dificuldade, por exemplo, ao falar no telefone, mas a vida segue — afirma a socióloga.