Debilitante, limitante, incapacitante. Quem sofre de dor crônica conhece bem o impacto do desconforto permanente, que pode mobilizar atenção e esforços durante o dia todo, comprometendo não apenas a saúde física, mas também a psicológica.
Por definição, dor crônica é a que se apresenta de forma constante ou recorrente por pelo menos três meses, na maioria dos dias. Pode ser localizada, começar em um ponto e irradiar para outro, ser generalizada. É capaz de provocar alteração na sensibilidade, queimação, formigamento. Tem causas diversas, o que impede que se apresente uma receita única para lidar com o problema. Para quem a sente, basta resumi-la como um tormento de difícil ou impossível solução.
Evelise Mileski do Amaral Berlet, reumatologista do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que há três grandes grupos de origem para essa condição: dor mecânica (articulações, lesões), inflamatória (relacionada a mecanismos autoimunes, de defesa do organismo) e de sensibilização central (com aspecto neuropsíquico associado, caso da fibromialgia). O momento de procurar ajuda é quando há percepção da perda da qualidade de vida.
— A dor passa a ter uma importância grande, vai roubando espaço. Você vai mudando hábitos, deixa de fazer coisas por causa da dor. Há comprometimento de funcionalidade — define Evelise.
A escolha quanto a quem recorrer pode ser baseada na região do corpo afetada, mas um especialista em tratamento de dor também pode ajudar.
— É preciso prestar atenção aos sinais. A dor tem um padrão mais noturno? Então seria bom fazer avaliação com um reumatologista. O médico da dor consegue olhar de forma mais ampla, o reumatologista, também. O tratamento para dor crônica nunca será algo isolado, mas multidisciplinar. Cada dor é única. Precisamos encontrar a chave daquela pessoa — afirma a médica.
Períodos de descanso, como férias ou feriados prolongados, podem proporcionar alívio, uma vez que a dor crônica é sensível ao ambiente e aos estímulos recebidos. Quem trabalha muito tempo sentado, em uma posição incorreta, sob pressão, por exemplo, pode perceber uma melhora provisória durante o afastamento das atividades. O paciente com dor crônica corre o risco de começar a apresentar outros comprometimentos: sono, humor (ansiedade, depressão), atenção, memória e concentração.
— A dor crônica é tão complexa que vai causando distúrbios cognitivos. A pessoa sente fadiga, indisposição, irritabilidade — acrescenta Evelise.
O desafio da medicação
Atividade física, bem orientada e respeitando as condições de cada um, mostra-se extremamente benéfica. Descobrir um exercício que seja prazeroso e manter a regularidade na prática são iniciativas indispensáveis.
O médico de referência e um profissional de educação física podem auxiliar o paciente na avaliação das opções mais indicadas — determinados movimentos, posições e cargas são contraindicados, conforme a patologia — e na adesão a um cronograma viável.
A dor crônica é tão complexa que vai causando distúrbios cognitivos. A pessoa sente fadiga, indisposição, irritabilidade.
EVELISE MILESKI DO AMARAL BERLET
Reumatologista do Hospital São Lucas da PUCRS
Administrar a medicação é outro desafio. Marcelo Valadares, neurocirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que o mais importante é tentar encontrar o medicamento que traga a melhor resposta para o controle dos sintomas com a menor quantidade possível de efeitos colaterais, ou, se possível, sem esses efeitos.
— Se estamos diante de um paciente que usa seis, oito medicamentos por dia, isso dificulta a adesão. Ele acaba esquecendo, não tomando, e os melhores medicamentos, muitas vezes, têm preços muitos elevados. Alguns pacientes com fibromialgia usam dois ou três medicamentos contínuos, mas não podemos depender da medicação. Sobrecarregar, associar muitos é um erro — avalia Valadares.
Com o tempo, os remédios podem ter redução ou perda de ação, além de outros inconvenientes, segundo o neurocirurgião:
— Alguns medicamentos acabam gerando tolerância. A pessoa vai precisando de doses maiores para ter o mesmo efeito. Com um monte de remédio, uma hora terá náusea, vômito, constipação.
Técnicas como a neuroestimulação podem mudar a vida de pessoas que sofrem com dores crônicas. A energia é aplicada diretamente na medula óssea, uma das maiores responsáveis pelo processamento da informação de dor. Essa energia influencia a forma como a dor é processada, com o intuito de diminuí-la. A técnica, entretanto, não é indicada para todo e qualquer caso. Trata-se de uma ferramenta poderosa, diz Valadares, mas não a primeira opção terapêutica:
— A maioria das pessoas viverá muito bem com medicamento, às vezes alguma infiltração. O neuroestimulador vem para casos em que tratamentos mais simples não ajudaram o suficiente.
O tratamento deve ser encarado como uma escada a ser subida, degrau a degrau. Nesta escalada, testa-se o que funciona e o que não funciona, e vão se incorporando e substituindo terapias de acordo com as necessidades.
— A abordagem ideal da dor crônica é avaliar se aquele paciente realmente não tem um problema passível de cura que está sendo postergado. Se houver a possibilidade de cura, é o ideal. Caso não haja, se for mesmo uma patologia crônica, vamos da abordagem mais simples até a mais complexa, e isso leva tempo — conclui Valadares.
Saiba mais
- A dor crônica dura e se repete por meses ou anos. Em geral, uma dor é considerada crônica quando se verifica um dos seguintes fatores: persiste por mais de três meses; dura mais de um mês após a resolução da lesão ou do problema que originalmente a causou; aparece e desaparece ao longo de meses ou anos; está associada a uma doença crônica (câncer, artrite, diabetes, fibromialgia, condições da coluna) ou ferida que não cicatriza.
- Ansiedade, depressão e outros fatores de origem psicológica podem ajudar a explicar por que a dor sentida por algumas pessoas é mais desagradável do que para outras e por que é mais limitante para a execução das tarefas cotidianas.
- O motivo da dor pode ser óbvio, como no caso de uma lesão que acarretou dor crônica nas costas. Em outras situações, a causa é desconhecida até que se faça investigação detalhada.
- Procure um especialista na área do problema que você tem (ortopedista, reumatologista, neurologista). Se tiver dificuldade em saber a quem recorrer, consulte um clínico geral ou um médico de confiança para receber orientação. O médico especialista em tratamento de dor também poderá ajudar — profissionais com diferentes formações se concentram nesse campo específico de atuação.
Tire suas dúvidas
Tenho dor crônica e não gosto de praticar exercícios. O que fazer?
O segredo é testar e analisar diversas possibilidades e ter persistência. A atividade física não se resume ao ambiente de uma academia, que não é atraente para muita gente. Treino funcional e pilates são recomendados por muitos médicos e podem ser realizados em ambientes mais tranquilos e com menor número de alunos, por exemplo.
— Não existe um exercício contraindicado. Contraindicada talvez seja a forma de executá-lo. O mais importante é a constância, é isso que trata o paciente com dor — diz a reumatologista Evelise Mileski do Amaral Berlet.
Meditação e ioga, entre outras práticas, promovem a conexão corpo-mente, necessária para modular a dor crônica, e podem dar a sensação de bem-estar para quem gostar e se adaptar.
— É preciso entender o seu próprio corpo — ressalta a reumatologista do Hospital São Lucas.
Quando os benefícios do exercício começam a ser sentidos?
Varia bastante. Para quem está começando ou recomeçando depois de longo período de afastamento, é preciso ir devagar. O paciente recém-saído de um ciclo de dor pode ficar com bastante fadiga no começo. Em geral, a prática regular passa a evidenciar as vantagens a partir de três meses.
Posso parar de tomar remédios se praticar atividades físicas?
É possível reduzir a medicação conforme avança o processo de melhora, segundo Evelise. O foco é a reabilitação do paciente com a diminuição da quantidade de medicamentos.
Quem sofre de dor crônica pode ter um dia de "dor zero" ou isso é impossível?
É possível desfrutar de um dia sem dor, sentindo-se ótimo. A dor é cíclica, explica Evelise. Quando a pessoa se sente superbem, não pensa naquilo. Vale a regra da constância e da vigilância: não passar da conta com postura, movimentos, excesso de atividades em um dia sem dor. Trata-se de uma jornada de autoconhecimento, entender-se, reconhecer os seus limites. O gerenciamento do estresse é fundamental para prevenir gatilhos.
Dor crônica é para sempre?
Não necessariamente, afirma Evelise. O problema pode entrar em remissão, o que significa ausência ou controle da dor na maioria dos dias. Mas o paciente terá de se manter sempre em tratamento — praticando exercícios, por exemplo — e vigilante. Poderão ocorrer crises eventuais mesmo com o quadro sob controle.
Fontes: Clínica Mayo/Manual MSD, Evelise Mileski do Amaral Berlet, reumatologista, e Marcelo Valadares, neurocirurgião