Em torno de 40% dos brasileiros apresentam níveis elevados do maior fator de risco para a doença arterial coronariana: o colesterol LDL, popularmente chamado de colesterol ruim. Tendo o infarto agudo do miocárdio como principal manifestação, essa enfermidade, juntamente com outras doenças cardiovasculares, é a que mais causa morte e incapacidade no Brasil e em todo o mundo.
De acordo com Otávio Berwanger, diretor da Academic Research Organization (ARO) do Hospital Israelita Albert Einstein, o Brasil tem uma das maiores mortalidades por doença cardiovascular do mundo, justamente por ter grande prevalência dos fatores de risco. O especialista afirma que há diversos pacientes com múltiplas condições que favorecem essas enfermidades — o que ocorre por uma série de fatores, como características populacionais e questões de acesso à saúde.
Entre as doenças que afetam o coração e os vasos sanguíneos, Berwanger aponta que o infarto (ataque cardíaco) é o que mais mata homens e mulheres:
— E qual é a principal causa de infarto? O aumento do LDL. Existem outros fatores muito importantes, como tabagismo, pressão alta e diabetes. Mas, para doença coronária, cuja manifestação principal é o infarto, sabemos que cerca da metade dos casos no Brasil são explicados pelo aumento do LDL.
Gordura presente na estrutura das células e em alguns hormônios e vitaminas, o colesterol é essencial para o bom funcionamento do organismo. Cerca de 70% é produzido no corpo humano, e o restante é resultado da alimentação. Há dois tipos de colesterol: LDL e HDL, chamados de ruim e bom, respectivamente. Quando em excesso, o LDL pode se acumular nas paredes das artérias, formando placas que aumentam o risco de obstrução do fluxo sanguíneo, podendo causar infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e isquemias. Já o HDL é considerado bom por ajudar a evitar essa obstrução.
Para dimensionar o tamanho do problema, o especialista cita a pandemia de coronavírus:
— A covid-19, que é uma tragédia sem precedentes, matou quase 700 mil pessoas no Brasil. No mesmo período, tivemos 800 mil mortes por doenças cardiovasculares. Temos, todos os anos, cerca de 400 mil mortes por doenças cardiovasculares no Brasil, e o infarto é o que mais está matando as pessoas, tendo como grande vilão o colesterol elevado.
Mas, por ser um fator de risco silencioso, que não traz sintomas, as pessoas acabam não dando a devida importância para o colesterol, destaca o professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde José Rocha Faria Neto. Isso também está associado ao diagnóstico, que só é possível com a dosagem, por meio do exame de sangue.
Entretanto, há grupos de pessoas que têm uma chance maior de ter colesterol alto, como filhos de pais que têm essa condição ou pessoas que tenham outros familiares com colesterol alto e histórico de infarto e outras doenças vasculares em idade precoce.
— Acho que o grande problema é o fato de que o colesterol alto é algo silencioso e que você não tem como diagnosticar sem a dosagem. E, infelizmente, um percentual significativo da população adulta no Brasil nunca fez um exame de sangue para saber se tinha colesterol alto — comenta Faria.
A recomendação dos especialistas é que ninguém chegue à vida adulta sem ter feito pelo menos um exame de colesterol. Mas a frequência com que o teste deve ser repetido depende de cada paciente, afirma o professor da PUCPR. Uma criança com histórico familiar de colesterol alto (no pai e na mãe) e de problemas de coração em idade precoce (em outras pessoas da família), por exemplo, deve fazer a dosagem a partir dos dois anos.
Tratamento e mudança de hábitos
Há terapias medicamentosas que conseguem reduzir os níveis de colesterol LDL, diminuindo os riscos de infarto e morte. Segundo Berwanger, elas são extremamente seguras, bem toleradas e eficazes, mas não são suficientes sozinhas: as mudanças de hábitos são fundamentais em todos os casos para o controle do problema.
— A base do tratamento de quem tem colesterol alto é sempre a modificação do estilo de vida. Não se fala em tratamento de colesterol sem falar em dieta e prática de atividade física. Esses continuam sendo os pontos mais importantes. Então, o que fazemos muitas vezes com as pessoas que não têm risco tão alto é, antes de entrar com a medicação, tentar só a dieta por seis meses — acrescenta Faria.
O professor destaca que a indicação de medicamentos (usados de forma individual ou combinados) dependerá se a pessoa consegue atingir o nível adequado de LDL somente com a mudança de hábitos ou não. Também enfatiza que existe um nível para cada categoria de risco, ou seja, uma taxa que é boa para um paciente, pode ser alta para outra, porque se ela tiver um risco maior de ter problemas do coração, precisa de um LDL muito baixo:
— Aqueles que já tiveram infarto ou derrame precisam de reduções mais agressivas do colesterol, e aí precisamos de medicações. As medicações que tradicionalmente usamos são as chamadas estatinas. Mas uma parcela significativa das pessoas que precisa ficar com o colesterol bem baixo não consegue atingir esses níveis, às vezes por uma resposta inadequada ao remédio ou porque não toleram medicações em doses altas.
Para esses pacientes, há alternativas, como o remédio ezitimiba e as drogas chamadas de inibidores de PCSK9, que são anticorpos monoclonais, administrados pro injeções a cada duas semanas. Ambos ainda não estão disponíveis para a população pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme o professor Faria, também há perspectiva sobre a chegada de novas medicações injetáveis, com um mecanismo um pouco diferente, que agem impedindo a produção de uma proteína que está envolvida no metabolismo do colesterol e que tem uma ação mais duradoura, de até seis meses.
— Então, mudaríamos o tratamento de injeções a cada duas semanas para uma injeção a cada seis meses. O alvo é exatamente o mesmo, mas permite uma redução adicional do colesterol ruim de pelo menos 50% em cima do que o paciente já tem com o uso das estatinas — explica o especialista, enfatizando que a medicação está passando por estudos clínicos e que o processo de aprovação pode ser longo.
O que começar e o que deixar de fazer
Para evitar a elevação dos níveis de colesterol LDL, o cardiologista e diretor médico do Hospital Mãe de Deus Euler Manenti recomenda a manutenção de uma dieta saudável, sem a ingestão de gorduras saturadas, que são encontradas em produtos de origem animal, e de gorduras trans, presentes especialmente em alimentos superprocessados. Acrescenta também que o excesso de açúcar e farináceos pode contribuir para o aumento dos níveis de triglicerídeos, outra gordura presente no organismo humano, que eleva o risco de doenças cardíacas.
O especialista ainda ressalta um ponto importante sobre o tabagismo, que é outro fator de risco para doenças cardíacas:
— O cigarro lesa as paredes dos vasos, fazendo com que elas tenha mais facilidade de acumular depósito de gorduras. Ao contrário disso, cessar fumo leva a um aumento dos níveis de colesterol HDL (o bom), algo que é desejável.
Em relação aos exercícios físicos, Manenti destaca a relevância da redução do comportamento sedentário. Segundo o cardiologista, antes de recomendar a prática de atividade física regular, a Organização Mundial de Saúde (OMS) indica que é essencial reduzir os comportamentos sedentários, que são definidos como o tempo gasto sentado, deitado ou realizando atividades de baixo gasto energético.
— Esse tipo de prática geralmente está relacionada ao uso excessivo de telas (televisão, tablets, videogames, celulares, etc). E esses comportamentos estão associados ao ganho de gordura e de peso, à piora na saúde cardiovascular, à redução da qualidade do sono e à maior incidência de doenças, como diabetes e até câncer — alerta.
Manenti aponta que o Ministério da Saúde recomenda que, a cada hora de comportamento sedentário, a pessoa deve se levantar por cinco minutos e, neste período, pode ser benéfica a realização de alongamentos ou pequenas caminhadas para beber água ou simplesmente se mexer. Já para os exercícios, a orientação é uma prática de 150 minutos semanais de atividades moderadas, que promovem um aumento maior nos batimentos cardíacos e na frequência respiratória, quando comparado à intensidade leve.
Caso prefira, a pessoa pode realizar atividades mais intensas, durante 75 minutos semanais. Também é recomendado incluir exercícios de fortalecimento muscular em pelo menos dois dias da semana. A caminhada é outro tópico fundamental: conforme o cardiologista, o ideal seria que as pessoas dessem entre 7 mil e 10 mil passos por dia.