Joel Lavinsky (*) e Luiz Lavinsky (**)
Antes de falar sobre surdez, vale explicar como ouvimos.
Vibrações sonoras são captadas pelo pavilhão auricular, conduzidas pelo canal auditivo, amplificadas pelo tímpano e ossículos (martelo, bigorna e estribo). Essas vibrações chegam na cóclea e serão transformadas em impulsos elétricos, conduzidos pelo nervo auditivo até os centros cerebrais da audição para compreender o som.
Qualquer distúrbio neste trajeto pode resultar em surdez de diferentes tipos e graus.
Quais são os motivos para a surdez?
A identificação do motivo contribui para o tratamento, a prevenção e como alerta de alguma doença subjacente. As principais causas são genéticas, medicamentos ototóxicos, otites, exposição ao ruído, otosclerose, envelhecimento, doenças clínicas e infecções.
É frequente?
É o mais comum déficit sensorial. Em recém-nascidos, de cada 1 mil crianças, duas a três nascem com perda auditiva. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 25% dos indivíduos acima dos 60 anos apresentam uma surdez incapacitante. Pelo aumento da longevidade, teremos cada vez mais casos de surdez na população.
É muito grande. Em crianças, causa atraso no desenvolvimento da fala com prejuízo no desenvolvimento intelectual e rendimento escolar. Quando de início tardio, a surdez pode provocar isolamento, baixa autoestima, depressão e repercussões na vida profissional. Na terceira idade, vem sendo fortemente associada a um risco aumentado de desenvolver demência, como a doença de Alzheimer.
Todas as perdas auditivas são iguais?
Não. Temos dois tipos principais: as formas condutivas e neurossensoriais. O tipo condutivo está relacionado a transmissão mecânica da vibração sonora. Por exemplo, canal auditivo obstruído por cerúmen, perfurações no tímpano, descontinuidade dos ossículos e a calcificação do estribo (otosclerose). A maior parte desses problemas podem ser revertidos com medicamentos e/ou cirurgia. Por outro lado, a surdez neurossensorial pode ocorrer por distúrbios na cóclea, nervo da audição e/ou sistema nervoso central. E o grau da surdez pode variar desde um nível leve até profundo, em um ou nos dois ouvidos.
Como investigar?
Inicia pela avaliação médica otorrinolaringológica com exames auditivos que esclarecem o tipo, grau e localização da surdez. Para descobrir a causa, podem ser necessários exames complementares, como laboratoriais e de imagem.
Podemos restituir a audição?
Hoje, podemos reverter praticamente todos os casos de surdez. Pode ocorrer com a remoção de cerúmen, medicamentos para otite e até remédios aplicados através do tímpano. Muitas cirurgias restauram a audição, como restauração de um tímpano rompido, o conserto de ossículos, malformações e a colocação de implantes auditivos (implantes cocleares e próteses implantáveis), porém, isso depende do motivo da surdez. A audição pode ser reabilitada com aparelhos auditivos. Atualmente, são discretos e altamente eficientes. A indicação deve ser realizada pelo médico. A seleção, adaptação e reabilitação auditiva e da fala deve ser tratada com o profissional da fonoaudiologia.
O que é o implante coclear?
Representa uma das maiores revoluções na história da medicina. É a primeira interface bem-sucedida de um sentido com o sistema nervoso central. Substitui a cóclea através de eletrodos cirurgicamente implantados, gerando um estímulo elétrico. Pode ser indicado para adultos e crianças. É indicado quando não existe resposta satisfatória através de aparelho auditivo convencional. Em crianças pequenas que nunca escutaram, se indicado, deve ser realizado precocemente. Em indivíduos que já escutavam e perderam a audição mais tardiamente pode ser também indicado. Nessas situações o implante coclear costuma apresentar ótimos resultados. Permite que a criança desenvolva a fala e seja inserida no mundo auditivo. É disponibilizado através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Seis aspectos relevantes
- Surdez é extremamente prevalente e muito limitante.
- Na avaliação da surdez, é necessário investigar se está relacionada com alguma doença subjacente.
- Surdez neurosensorial em somente um ouvido pode ser causado por um tumor craniano.
- Em praticamente todos os tipos e graus de surdez, existe um tratamento efetivo.
- A surdez profunda bilateral em bebês pode ter solução completa através do implante coclear.
- O implante coclear rompe uma das últimas fronteiras da surdez, ou seja, a reabilitação do surdo profundo.
(*) Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Livre-docente em Otorrinolaringologia pela Universidade de São Paulo
(**) Professor Titular de Otorrinolaringologia da UFRGS, Presidente da ASRM
Parceria com a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
Este artigo faz parte da parceria firmada entre ZH e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM). A estreia foi em março, com a reportagem “Câncer: do diagnóstico ao tratamento”. Em abril, publicamos artigo sobre depressão e bipolaridade. Uma vez por mês, até dezembro, o caderno vai publicar conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos integrantes da entidade, que completou 30 anos em 2020 e atualmente conta com cerca de 90 membros e é presidida pelo otorrinolaringologista Luiz Lavinsky. De diversas especialidades - oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia etc -, esses profissionais fazem parte do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação de Rogério Sarmento Leite e no qual são acompanhados por um tutor com larga experiência na área.