Pequenos e silenciosos, os rins exercem funções fundamentais para o bom funcionamento do organismo humano. Além de servirem como grandes filtros, eliminando resíduos da atividade corporal, ainda respondem pela regulação da pressão arterial e pela produção de hormônios relacionados à saúde óssea e ao combate da anemia.
Justamente por seu papel relevante na manutenção do equilíbrio interno do corpo, é que no dia 11 de março é lembrado o Dia Mundial do Rim. Neste ano, a campanha global tem como tema Vivendo bem com a doença renal, que busca engajar pacientes com doença renal crônica na melhoria da sua qualidade de vida e de sua reinserção na família, no trabalho e na sociedade.
— O intuito é chamar a atenção: esse paciente pode continuar trabalhando, mantendo suas atividades rotineiras. Deve participar junto com sua equipe médica sobre o que é melhor para ele — diz Franklin Corrêa Barcellos, médico nefrologista e responsável pelo setor de Nefrologia do Hospital Universitário São Francisco de Paula, Universidade Católica de Pelotas (UCPel).
O papel dos órgãos
Embora não tenham uma atividade perceptível, os rins exercem papel fundamental na regulação do meio interno. Através da urina, eliminam todos os resíduos do metabolismo, explica Dirceu Reis da Silva, diretor do Departamento de Diálise da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e presidente da Sociedade Gaúcha de Nefrologia (SGN). Isso é: eles mandam embora todas as toxinas do sangue.
Outra função de suma importância é na regulação da pressão arterial, conforme explica Barcellos, nefrologista do Hospital Universitário São Francisco de Paula:
— Manter a pressão depende do controle de sal e água no organismo. Não havendo controle, pode levar à hipertensão arterial. Com isso, o paciente renal tem mais risco de doenças cardiovasculares.
Cabe a eles também a produção de alguns hormônios importantes para a saúde dos ossos e para evitar a anemia.
— Tem um leque de funções que eles executam de forma silenciosa. Quando o rim adoece, o impacto é na falha dessas funções — observa Silva.
A relação com a covid-19
Prejudicial para os pulmões, o coronavírus também tem se mostrado perigoso para os rins. Embora o vírus tenha efeito ainda não definido nos rins, o desenvolvimento da tempestade imunológica afeta várias partes do organismo, como a circulação, o coração, o cérebro e os rins.
Infelizmente, alguns pacientes que fazem quadro agudo se recuperam da covid-19, mas persistem na lesão renal, que, às vezes, é irreversível. Os pacientes com doença renal são de alto risco para o coronavírus, mais do que a população em geral.
FRANKLIN CORRÊA BARCELLOS
Médico nefrologista
Hoje se conhece mais da infecção pela covid e percebe-se que metade dos pacientes que internam têm envolvimento renal reconhecível, sendo que parte deles (20% a 30%) vai necessitar de diálise em algum momento. O prejuízo dos rins piora as chances dos pacientes acometidos, e parte dos sobreviventes manterão deficiências renais em graus variados.
Para além das complicações pulmonares, a covid-19 pode trazer grandes prejuízos para as funções renais, completa Barcellos:
— Infelizmente, alguns pacientes que fazem quadro agudo se recuperam da covid-19, mas persistem na lesão renal, que, às vezes, é irreversível. Os pacientes com doença renal são de alto risco para o coronavírus, mais do que a população em geral.
As doenças
Doenças genéticas, infecções urinárias, nefrites e problemas de obstrução – cálculo e de próstata – são algumas das enfermidades que podem acometer os rins. Entretanto, o diabetes e a hipertensão correm na frente quando se fala em problemas que podem ocasionar a doença renal crônica.
— A doença renal crônica é o acometimento dos órgãos por mais de três meses. São alterações de proteína ou sangue na urina, por exemplo. Ao longo do tempo, o rim perde a função e o paciente chega na insuficiência renal crônica — explica Silva.
Essa doença evolui com o passar dos anos sem que a pessoa perceba, portanto, é fundamental manter a rotina de exames de sangue e urina a fim de detectar precocemente qualquer alteração.
— Não se deve esperar ter sintoma para fazer a prevenção — enfatiza Barcellos.
Como podem ter origens diversas, as doenças renais ocorrem em qualquer faixa etária, inclusive na infância, quando o quadro pode ser provocado por questões hereditárias ou por malformações. Contudo, por ter uma relação íntima com o diabetes, a tendência da doença renal é aparecer mais em adultos e idosos.
— Como regra, se diz que até 10% da população em geral pode ter alteração renal. Cabe ao médico avaliar se esses indivíduos têm maior ou menor potencial para piora do quadro. Entre os diabéticos, sabe-se que de 20% a 30% dos pacientes vão desenvolver doença renal — lembra o presidente da SGN.
Para se ter uma ideia, as organizações que colaboram com o Dia Mundial do Rim estimam que, em 2030, 5,4 milhões de pessoas no mundo vão ter insuficiência renal, necessitando de diálise ou transplante. Outro dado preocupante dessas entidades projeta, para 2040, a doença renal crônica como a quinta principal causa de anos de vida perdidos.
Apesar de silenciosa, a doença renal pode dar alguns indicativos como inchaço das pernas ou do rosto, alterações urinárias (sangue ou ardência), anemia sem explicação aparente ou hipertensão mal controlada. Pacientes que já tenham o diagnóstico de diabetes ou pressão alta, devem ficar atentos ao controle dos problemas relacionados aos rins.
Tratamentos
Quando o paciente sofre com a insuficiência renal crônica, ou seja, quando o órgão para de executar as suas funções, há três tipos de tratamentos a serem feitos: diálise peritoneal, hemodiálise e transplante.
Inicialmente, conta Dirceu Reis da Silva, o tratamento começa com a diálise, que, em linhas gerais, promove apenas a filtragem do organismo. Outras funções renais devem ser proporcionadas por dietas e tratamentos medicamentosos. Na sequência, os pacientes têm sua capacidade de transplante avaliada.
Geralmente, só 30% dos pacientes em diálise conseguem ser eleitos para transplante, pois portadores de doenças cardíacas graves ou com câncer, por exemplo, não são elegíveis. E mesmo entre os que poderiam, nem todos serão transplantados: ainda temos carência de doadores.
DIRCEU REIS DA SILVA
Presidente da Sociedade Gaúcha de Nefrologia
— Geralmente, só 30% dos pacientes em diálise conseguem ser eleitos para transplante, pois portadores de doenças cardíacas graves ou com câncer, por exemplo, não são elegíveis. E mesmo entre os que poderiam, nem todos serão transplantados: ainda temos carência de doadores — diz Silva.
Quando possível, o transplante é a melhor opção de tratamento, por fazer o paciente ter uma vida normal ao recuperar todas as funções do órgão, e não só a filtragem. O procedimento tem taxa média de sucesso (deixar o paciente independente de diálise após um ano) de 95%.
Fora a opção da doação de órgãos de pessoas com morte encefálica confirmada – um doador pode beneficiar duas pessoas com seus rins –, é permitida a doação entre vivos. Para isso, no entanto, é preciso que doador e receptor tenham relações de parentesco e compatibilidade genética. Cônjuges de longa data também podem realizar o procedimento.
Outro tratamento que pode ser indicado é a hemodiálise, procedimento realizado em clínicas ou hospitais, no qual uma máquina bombeia o sangue do corpo, limpa as toxinas, e o devolve ao organismo. Esse processo dura de três a quatro horas e precisa ser feito, em geral, três vezes por semana.
Já a diálise peritoneal, é um procedimento diário, feito em casa pelo paciente. Embora seja diferente da hemodiálise, a diálise peritoneal tem o mesmo objetivo: remover as toxinas do sangue. No Brasil, existe um dos maiores programas de diálise do mundo e, conforme estimativas, há entre 130 mil e 135 mil pessoas usando esses recursos.
O Rio Grande do Sul tem 7 mil pacientes em diálise, sendo 93% hemodiálise e 7% diálise peritoneal, estima a Sociedade Gaúcha de Nefrologia.
Como manter os rins saudáveis
Manter a integridade dos órgãos passa, obrigatoriamente, pelos hábitos de vida saudável, como alimentação equilibrada e prática regular de exercícios físicos. Pela relação com diabetes e hipertensão, as recomendações são: aumentar o consumo de fibras através de frutas, vegetais e alimentos integrais; diminuir a ingestão de industrializados (ricos em sal, conservantes e gorduras); reduzir o açúcar e controlar as gorduras e o álcool, enumera Elana Stein, nutricionista clínica assistencial da Santa Casa que atua no atendimento aos pacientes da internação, do ambulatório Sistema Único de Saúde e da hemodiálise.
O consumo inadvertido de medicamentos, sobretudo anti-inflamatórios, também pode levar a desenvolver doença renal crônica.
— Alimentação é importante, mas a automedicação também é bem comum, principalmente nos mais idosos. Eles tomam medicamentos frequentemente sem orientação médica — comenta Silva.
De modo geral, as recomendações são de controlar a ingestão de alimentos ricos em fósforo e potássio, pois o excesso desses nutrientes acarreta aumento (acima dos níveis normais) deles no sangue, que pode resultar em problemas para a saúde.
ELANA STEIN
Nutricionista
Para quem já tem o diagnóstico, os cuidados com a alimentação devem ser seguidos à risca. Elana lembra que um cardápio adequado pode contribuir para retardar a progressão da doença e ameniza os sintomas decorrentes do acúmulo de resíduos.
— Há diferenças nas recomendações alimentares para pacientes com doença renal crônica em tratamento conservador ou que realizam diálise. Mas, de modo geral, as recomendações são de controlar a ingestão de alimentos ricos em fósforo e potássio, pois o excesso desses nutrientes acarreta aumento (acima dos níveis normais) deles no sangue, que pode resultar em problemas para a saúde – justifica a nutricionista.
Elana destaca que todos os alimentos podem ser consumidos com moderação e respeitando os resultados dos exames de sangue. Mas há um item proibido:
— A carambola tem uma substância tóxica para este grupo de pessoas e, em casos graves, pode levar à morte.