Débora Laks*
Psicóloga
Maria Eduarda poderia ser apenas mais uma menina irritada com sua irmã. Quantas Marias Eduardas me leem neste momento, já adultas? Quem nunca teve um ataque de raiva com sua irmã ou com seu irmão? Temos inclusive registros bíblicos, como a trágica história de Caim e Abel.
O caso de Maria Eduarda merece atenção. A tia das meninas gravou o momento em que Maria Eduarda agride Maria Antônia em seu aniversário de três anos. Ela tem um ataque de raiva, pois a irmã mais velha soprou suas velinhas. O vídeo viralizou e virou meme.
Você pode achar muito engraçado, pode seguir compartilhando o meme, sei que muitas vezes realmente tem graça. Compartilhar vídeos infantis tem sido um hábito.
Mas o documentário O Dilema das Redes está aí para assistirmos e buscarmos um melhor entendimento das consequências do uso indiscriminado das redes sociais. Lança luz sobre os possíveis danos que podemos ter em razão do excesso de consumo.
O ponto que levanto sobre o meme da Maria Eduarda é: haverá consequências no futuro desta menina por causa do compartilhamento indiscriminado da vida privada? Será que em sua escola e na comunidade ela não será sempre lembrada como a menina brava?
O quanto esta marca na sua história pode reverberar em seu amanhã ou na sua constituição? A Maria Eduarda, aquela menina irritada que teve um ataque de raiva no seu aniversário de três anos, sabe?!
O público e o privado
O contexto familiar é capaz de construir novas memórias. Pais, tios e avós, ligados pelo afeto, são capazes de dar risada do evento e não perpetuar o carimbo de menina brava. Mas e os demais?
Aí, entramos no terreno do que é público ou privado, conceitos que deixaram de ser óbvios hoje. Na era digital, as margens da privacidade talvez tenham sido relativizadas.
Vale lembrar sobre os cuidados relativos a crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) traz no Art. 4º: é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
O ECA enfatiza que as crianças e os adolescentes têm a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Esta afirmação dá conta da impermanência de algumas manifestações e da vulnerabilidade dos mesmos por estarem em formação.
Ouço de muitos adolescentes no consultório que eles criam um subgrupo dentro de suas redes sociais. Utilizam essa forma de categorizar os seguidores para não dividir com o grupo todo algumas informações. Como eles são nativos digitais, parece que já encontraram essa modalidade de exposição nas redes, mantendo certa reserva das informações postadas. Solução interessante da nova geração. Quem sabe possamos nos inspirar?
As redes sociais estão aí, e a era digital é uma realidade. Este universo tecnológico nos trouxe muitas facilidades, ainda mais se considerarmos a pandemia. Cabe desfrutarmos das possibilidades e ajuizarmos o uso, ponderando a exposição das nossas crianças sempre.