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Se, a exemplo do dono, o seu intestino ficou mais preguiçoso durante o período de distanciamento social, fique tranquilo: você não está sozinho. A constipação, problema bastante comum na população, tem sido mais reportada nos últimos meses, dizem especialistas.
Em condições normais – sem pandemia, sem isolamento nem toda a situação que enfrentamos –, a popular prisão de ventre pode ocorrer por diversas causas, que vão desde a vergonha de evacuar em banheiros públicos até o uso de determinados medicamentos. No entanto, diante de uma nova rotina, que inclui trabalho em casa e redução nos exercícios físicos, outros fatores podem contribuir para a dificuldade.
— Muitos colegas têm percebido mais casos de constipação neste período. Parte da população que está em casa tem mais de 65 anos, e esses são os mais suscetíveis, pois, naturalmente, se movem menos e têm a musculatura mais atrofiada — afirma Henrique Fillmann, membro titular e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia.
De acordo com o médico, o quadro afeta cerca de 25% da população, com incidência de até 40% nas pessoas acima de 65 anos. Mulheres, negros e pessoas de classe social mais baixa também são bastante atingidos.
Saiba mais sobre o problema, como minimizá-lo e quando buscar ajuda médica é fundamental.
O que é a constipação?
Resumidamente, a constipação é caracterizada pela infrequência na evacuação (menos de três vezes por semana), necessidade de esforço para ir ao banheiro e fezes mais endurecidas que o habitual.
— Frequência é importante, mas não é o único fator — pontua o coloproctologista Henrique Fillmann.
Em 2019, uma pesquisa feita pelo King's College, de Londres, mostrou que a forma como o problema é detectado varia muito: autodiagnóstico, diagnóstico pragmático ou com uso de critérios pré-estabelecidos. Por isso, pesquisadores reuniram os sinais mais frequentes entre os dados analisados. Os mais citados foram: desconforto abdominal, dor e distensão, desconforto retal, movimentos intestinais infrequentes e fezes duras, disfunção sensorial, flatulência e inchaço e incontinência fecal.
Por que ocorre?
As principais causas, diz Fillmann, são as chamadas comportamentais. Dentre elas, o sedentarismo, a má alimentação e a baixa ingestão de líquidos lideram a lista.
— As causas comportamentais são, sem dúvida, as mais comuns — diz o médico.
Estresse e ansiedade, bastante reportados durante este período de isolamento, também podem provocar alterações no hábito intestinal, complementa Vivian Winter Koch, gastroenterologista da Santa Casa de Porto Alegre.
Além dessas questões, o uso de medicamentos antidepressivos, analgésicos à base de ópio, drogas para Parkinson e suplementação de cálcio também podem agravar o problema. Pessoas que perceberam que o uso de determinados medicamentos interferiu nas idas ao banheiro devem entrar em contato com o médico para avaliar uma mudança na dieta ou mesmo na própria droga, diz Vivian.
— Quem já tem constipação e vai usar alguma dessas substâncias deve falar com o médico — sugere a médica da Santa Casa.
Quais alimentos amenizam o problema?
A alimentação desempenha papel fundamental na melhora do quadro de constipação. Para isso, é preciso ingerir alimentos ricos em fibras. Elas são divididas entre as solúveis e as insolúveis. Ambas são importantes para a manutenção da saúde intestinal, explica a nutricionista Tatiana Galdino, mestre em gerontologia biomédica. No entanto, uma delas se destaca.
— Falando em constipação, é preciso aumentar o aporte de fibras solúveis, que têm a função de ajudar a formar o bolo fecal. É preciso lançar mão de mais fibras solúveis com aumento do consumo de água — explica Tatiana.
Alimentos que contêm essas substâncias são aveia, fibra da casca do maracujá, linhaça, chia, mamão, ameixa seca, laranja e bergamota – essas duas últimas devem ser consumidas com a parte esbranquiçada.
Qual é o papel dos líquidos?
Promover mudanças na dieta através da inclusão de fibras é o ponto de partida para melhorar o problema. Porém, de nada adianta ingerir alimentos fibrosos sem aumentar a ingestão de água também.
— Se aumentar o consumo de fibras, precisa aumentar o de água. Só um não vai adiantar —diz Tatiana.
Geralmente, a recomendação é para que as pessoas bebam 35 mililitros para cada quilo de peso – uma pessoa de 60 quilos, por exemplo, deveria ingerir 2,1 litros de água por dia.
Quais exercícios podem favorecer o trânsito intestinal?
A regra é movimentar o corpo: seja com uma caminhada leve ou até atividades mais intensas.
— Quanto mais imobilizado, mais constipado o indivíduo fica— afirma Vivian.
Henrique Fillmann completa indicando pelo menos 30 minutos de caminhada por dia. Quem não está saindo de casa, pode optar por mais atividades em menos tempo. Pessoas que moram em casa, podem aproveitar o pátio para se movimentar.
Quando procurar o médico?
Sangramento, muco e perda de peso são indicativos importantes de que se deve procurar um especialista. Isso vale para a população em geral, mas especialmente para quem tem histórico familiar de câncer de intestino.
Outro sinal que não deve ser ignorado é justamente a mudança do hábito intestinal, como explica Fillmann:
— Se a pessoa sempre foi constipada e continua, ela pode esperar para buscar auxílio. Agora, se ela tinha um intestino que funcionava bem e ele ficou diferente com o isolamento, é melhor procurar atendimento. A covid-19 está aí, mas as outras doenças também estão.
Tire mais dúvidas
Precisa ir ao banheiro todo o dia?
A gastroenterologista Vivian Winter Koch afirma que isso depende de cada pessoa. Há quem vá em períodos mais espaçados sem prejuízos ao bem-estar:
— Estaria fora da curva ir menos de três vezes por semana.
Minhas fezes são pequenas bolinhas. Isso é normal?
Se as fezes se apresentarem ressecadas, em formato de pequenas bolinhas, há um indicativo de constipação.
Posso usar laxante?
O mais indicado é procurar um médico para receber a melhor orientação. O coloproctologista garante que o uso desses medicamentos não é ruim, quando bem prescrito. No entanto, o laxante pode, apenas, mascarar o problema.
Demoro muito tempo para evacuar. Isso é problema?
Sim. Isso também é um indicativo de constipação, afirma o coloproctologista.
Deixar a vontade "passar" pode trazer prejuízo?
Fillmann diz que se isso for um hábito continuado pode, sim, acarretar problemas:
— Evacuação é reflexo. Se bloquear sempre, pode-se perder esse reflexo. É preciso respeitá-lo.