Mario Casales Shorr*
A relação médico-paciente sofreu mudanças abruptas e indesejadas na pandemia de coronavírus, pois a nova etiqueta social que restringe o contato prejudica o exame físico e a observação dos pacientes. Outro impacto do distanciamento ocorre na dimensão afetiva: apertar a mão ou mesmo abraçar são atos que acolhem e estabelecem a confiança, pilar para enfrentar-se o medo. Tradicionalmente, o paciente teme o diagnóstico e os procedimentos dolorosos. A confiança no profissional suaviza essa sensação. Agora, o médico também teme.
O atendimento a distância, ou virtual, é uma alternativa. Não é um procedimento inédito e é alvo de críticas e controvérsias. A despeito das suas insuficiências, pode ser uma ferramenta útil para resolver problemas de saúde não emergenciais: a avaliação clínica depende das perguntas do médico e das respostas do paciente. O desafio é fica alheio a detalhes como a postura corporal e expressões faciais, ou o modo de caminhar e sentar dos pacientes.
Mesmo sendo um serviço essencial, o receio dos pacientes reduziu as visitas médicas e hospitalares. Isso pode atrasar o diagnóstico de doenças sérias e agravar problemas crônicos. Mas a pandemia trouxe um temor inédito: a alta transmissibilidade da covid-19 faz com que o profissional e o paciente sejam, em condições de igualdade, vetores recíprocos da doença. E a situação se torna ainda mais inusitada quando é o médico o sujeito mais amedrontado dessa relação.
Esses obstáculos precisam ser superados da melhor forma possível. As consultas a distância começam a ser viabilizadas. Infelizmente, para muitos essa tecnologia pode não ser adequada ou acessível. Mas o encontro presencial também pode ter sua segurança otimizada e já há protocolos para os tempos de covid-19. Essas medidas incluem o aumento do intervalo entre as consultas para evitar encontros desnecessários e o uso de equipamentos de proteção individual durante o exame físico.
Embora aguarde-se ansiosamente a volta daquele mundo confortável e reconhecível, muitas coisas vieram para ficar. A medicina que conhecíamos talvez não exista mais. Aos médicos, cabe o grande desafio de colaborar com o estabelecimento de um novo cenário das relações humanas, em geral, mantendo a essência ancestral da relação médico-paciente, em particular.
*Chefe do Serviço de Mastologia e da residência médica no Hospital Ernesto Dornelles e chefe da residência em mastologia do Hospital Conceição