As dietas detox, utilizadas com a intenção de eliminar toxinas do corpo, são bastante populares na internet. É comum vê-las relacionadas à promessa milagrosa de perda de peso em poucos dias e, até mesmo, de cura para algum problema de saúde.
Uma das receitas que circulam nas redes — conhecida como "protocolo de limpeza do fígado e da vesícula" — garante eliminar cálculos biliares por meio das fezes, de forma indolor, após sete dias de restrição alimentar, grandes períodos de jejum e ingestão de suco de maçã, sulfato de magnésio, azeite de oliva e limão. Para os praticantes, existem grupos de WhatsApp onde as instruções são repassadas. Sites e blogs reafirmam sua eficácia.
O método é divulgado há anos e foi retirado de um livro do autor alemão Andreas Moritz. Mas, conforme especialistas ouvidos por GZH, não funciona.
Nutianne Camargo, médica gastroenterologista do Hospital Mãe de Deus, explica que o fígado é o órgão responsável pela produção da bile — fluido que ajuda na digestão dos alimentos —, e a vesícula é como um reservatório de onde a bile é liberada depois que comemos. Os cálculos biliares, também chamados de pedras na vesícula, se formam em decorrência de uma alteração nesse processo de armazenamento do fluído, geralmente relacionada às dietas ricas em gordura.
— Quando uma pessoa ingere muita gordura, ela tem a tendência de produzir mais bile para digestão, predispondo a formação dos cálculos, que geralmente são de colesterol e de sais biliares. Alterações significativas de peso, histórico familiar do problema, diabetes e sedentarismo são outros fatores que podem influenciar a formação de pedras — aponta Nutianne.
Entretanto, a médica afirma que não existe tratamento, seja com medicamento oral, suco ou dieta, para desmanchar ou retirar as pedras do órgão. Quando o paciente tem cálculos e apresenta os sintomas — dor abdominal, principalmente após refeições, náusea e vômitos — a única solução é a retirada da vesícula.
Deslocamento só atrapalha
Segundo o chefe do serviço de gastroenterologia do Hospital Moinhos de Vento, Fernando Herz Wolff, a tentativa de desmanchar e retirar a pedra com medicação ou choque pode aumentar o risco do cálculo sair do lugar e causar problemas. Por isso, não há nenhum método que deva ser utilizado com a intenção de dissolve-los.
— Os cálculos só atrapalham quando se deslocam, porque podem obstruir o canal que comunica a vesícula ao colédoco (principal canal que conduz a bile do fígado ao intestino), o próprio colédoco ou o local onde se juntam o canal biliar com o canal que drena o pâncreas, sendo, nesses casos, causa de pancreatite (inflamação do pâncreas). Infelizmente, os tratamentos desenvolvidos até hoje para desmanchar os cálculos mostraram aumento do risco dessas complicações — afirma Wolff.
O especialista acrescenta ainda que muitas pessoas vivem com as pedras sem precisar fazer qualquer tratamento. Além disso, aponta que não se faz cirurgia em toda pessoa que tenha cálculo, somente em que apresenta algum sintoma ou fator de risco para complicações por esses cálculos.
Em 2005, a revista científica The Lancet publicou um artigo esclarecendo o que são os supostos cálculos eliminados pelas fezes dos adeptos dessa dieta. O texto conclui que o material analisado não apresenta a mesma composição das pedras de colesterol, ou seja, não são cálculos biliares, e sim resíduos dos alimentos ingeridos durante a dieta. "Mostramos que esses regimes para expelir cálculos biliares são um mito e que as alegações feitas por alguns são enganosas", diz um trecho da publicação.
— As pessoas querem um resultado imediato e milagroso para os problemas. Isso não existe. Para evitar os cálculos, a recomendação é manter uma alimentação saudável, controlar o peso, fazer exercícios e diminuir carboidratos e gorduras — orienta Nutianne.
Os profissionais salientam que, apesar da receita não fazer mal, também não há comprovação de que esse método traga algum outro benefício à saúde. Em relação às dietas detox em geral, a nutricionista Bruna Souza, também do Hospital Mãe de Deus, ressalta que não existem evidências científicas de que as mesmas ajudem na desintoxicação ou sejam benéficas às pessoas:
— O nosso corpo trabalha para eliminar as toxinas, e uma alimentação saudável contribui para isso. Essas dietas detox têm sido utilizadas para efeito de marketing e isso pode até ser perigoso para algumas pessoas. O ideal é que cada um tenha um plano nutricional individualizado baseado em condutas cientificamente comprovadas.
*Produção: Jhully Costa