Os corredores longos, as paredes em cores neutras, o cheiro característico e os sons nem sempre agradáveis são alguns dos ingredientes que fazem o ambiente hospitalar ser considerado hostil. Ainda mais que raramente alguém vai lá porque quer: é a doença, a necessidade de realizar um exame ou a visita a um parente internado, por exemplo, que levam uma pessoa às casas de saúde. A maternidade parece ser o único espaço alegre. Mas, de uns tempos para cá, ações de humanização buscam oferecer conforto aos pacientes e acompanhantes, tornando a passagem pelo hospital menos dolorida e traumática.
De visita pet a práticas de escrita, as instituições mobilizam-se para ampliar seu leque de atividades, acelerando a cura e proporcionando bem-estar.
— Existe toda uma política de humanização desde o acolhimento até a finalização de tratamentos. Hoje, já se reconhece a importância do desenvolvimento da espiritualidade e outras questões que trazem conforto pleno como adjuvante da cura — enfatiza Francisco Paz, diretor técnico do Grupo Hospitalar Conceição.
Veja, a seguir e neste link, exemplos de projetos consolidados e outros ainda incipientes nos hospitais de Porto Alegre.
A pet-terapia
Sentado em uma cadeira, o tímido Miguel, três anos, só observa o que está a sua frente. Aos poucos, deixa a cerimônia de lado e vai para o meio da sala do Ambulatório de Oncologia Infantil do Hospital da Criança Conceição (HCC), em Porto Alegre. Quando pedem para ele ceder a vez a outro amiguinho, sai correndo, chateado, para as pernas da mãe, Débora Silva de Paula.
— Eu quero minha vez — reclama.
Grudado na guia do pet terapeuta Buzz, ele se recusava a largar o cãozinho. Em tratamento contra uma leucemia, o menino frequenta a casa de saúde a cada 15 dias para fazer quimioterapia ou realizar exames. Em algumas oportunidades, presenciou a apresentação dos peludos, mas nunca havia interagido tanto com eles.
— Hoje, foi a primeira vez que ele brincou com os cachorros. Ele sempre fica olhando, mas hoje interagiu bastante. Ele ama cães. Fica comentando que quer um Buzz — conta Débora.
Parte de um projeto de voluntariado, fruto de uma parceria com o Instituto do Câncer Infantil e patrocinada pela marca Hercosul, a pet terapia é realizada no HCC há quatro anos. Em uma quarta-feira de cada mês, Buzz, de 11 anos, e seu “estagiário”, Billy, de um ano e meio, adentram o ambulatório em sua caixa de transporte para alegrar e entreter pacientes internados ou em tratamento na instituição. Além de amenizarem o clima hostil do hospital, os peludos arrancam risos da criançada com seus truques.
— Billy, quanto é um mais um? — pergunta Jone Batista Cardoso, adestrador e responsável pela duplinha.
Irrequieto, o filhote late duas vezes, mostrando suas “habilidades” com matemática. Fora isso, o peludo atende aos comandos de “pipoca”, saltando sem parar em frente às crianças. Embora a juventude do estagiário chame a atenção, a grande estrela das visitas é mesmo seu monitor: o experiente Buzz é a inspiração para desenhos, recebe cartas com declarações de afeto e tem o nome repetido pelas crianças em casa ou no hospital, comemora Cardoso.
— Temos retorno de que conseguimos atingir nosso objetivo, que é tirar um pouco o hospital de dentro das crianças. Já ouvi relatos de pacientes que saíram do estado de tristeza por conta da pet-terapia, outros tiveram redução dos efeitos colaterais das medicações. Os pais e mães me “atropelam” no corredor para dizer que os filhos estão melhores e choramos abraçados – relata, emocionado, o adestrador.
A oncologista pediátrica Daniela Roth Benincasa, do Serviço de Oncohematologia Pediátrica do HCC, destaca que a visita dos animais faz parte de uma estratégia de humanização da saúde, para diminuir o estresse, amenizar o sofrimento psicológico e associar o ambiente hospitalar a algo positivo:
— As crianças têm uma expectativa muito grande pela visita. Vemos pacientes mais introspectivos interagindo com os animais. Muitas nos perguntam: já é quarta-feira? Eles são superesperados até pela equipe.
Projeto de lei aprovado
Foi aprovado, no começo do mês, um projeto de lei (PL) estadual que autoriza que pessoas internadas em hospitais possam receber a visita dos seus animais de estimação. O PL 10/2019 prevê que os pets ingressem em casas de saúde privadas, públicas, contratadas, conveniadas e cadastradas no Sistema Único de Saúde (SUS), desde que respeitados os critérios definidos por cada uma delas. Para que possam entrar nos locais, os bichos devem ter um laudo veterinário que ateste suas boas condições de saúde e carteira de vacinação em dia. Agora, o projeto precisa ser sancionado pelo governador, Eduardo Leite.
Contagiados pela risoterapia
Não é necessário nem pegar o elevador e desembarcar em um dos andares do Hospital da Criança Santo Antônio, no complexo da Santa Casa, para ser contagiado pela energia dos palhaços da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Doutorzinhos, criada em 2006 e que diverte e ameniza a internação de cerca de 100 mil pessoas a cada ano. Já na recepção, o trio de narizes vermelhos e sapatos enormes começa a arrancar risos e a despertar curiosidade de muitos, que não demoram para sacar os celulares e começar a filmar as estripulias.
Ao som de Jaleco Leco, uma paródia da música Lepo Lepo, e do refrão “Fazer sorrisos é meu lema”, que imita o hit Você Partiu meu Coração, eles arrancam gargalhadas de quem aguarda a chamada para atendimento.
Brincando com qualquer um que cruze seu caminho – o que inclui o repórter fotográfico de GaúchaZH –, o trio não para um minuto. Entra nos quartos, tira selfies com uma microcâmera de brinquedo, canta sem parar.
Então internada há dois meses na instituição, Rhiana Lopes Souza, cinco anos, exibe a caneta brilhosa de unicórnio para os palhaços, que adentram o espaço já querendo saber se a menina canta como sua homônima. Agitando cada metro quadrado do quarto, os Doutorzinhos posam para fotos com a paciente e tiram pequenos sorrisos dela.
— Eles sempre passam aqui e deixam ela bem alegre — relata Andréia Lopes de Moura, a mãe de Rhiana, que recentemente recebeu alta e voltou para casa.
Dia das Crianças
Com uma programação que se estende por todo o mês, o Hospital da Criança Santo Antônio contará, neste ano, com a tradicional descida de rapel dos heróis pelas janelas da instituição. A ação será neste sábado.
Entre linhas e lãs
Com a mão esquerda bem aberta, Walter Werle, 41 anos, trança a lã cinza por entre os dedos. Aos poucos, as tramas vão dando forma a uma manta fininha e comprida. Depois de um punhado de minutos de muita paciência e atenção, o técnico agrícola de Três Passos finalmente acaba o trabalho. Enrola a lã novamente ao redor dos dedos, pega um pedaço de linha e dá dois nós bem apertados. Com a tesoura, corta as pontas e dá forma a um pompom, que servirá de arremate para um item recém terminado.
— Gostei do resultado. Achei que era difícil, mas fazer a parte do meio é tranquilo. Vou fazer uma para minha filha. Essa foi para deixar aqui — afirma.
A cena descrita acima não ocorreu em uma aula de artesanato ou de trabalhos manuais. O cenário era uma sala ampla e bem iluminada localizada no oitavo andar do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Realizada dentro da Sala de Recreação de Adultos e Adolescentes, a oficina de tricô, crochê e bordado é ministrada diariamente, das 9h às 11h30min, por uma voluntária. Dona Élida, como é carinhosamente conhecida pelos funcionários da casa de saúde, já dedica cerca de 30 dos seus
85 anos ao voluntariado. Todas as manhãs, aparece na sala, acomoda mantas, panos de prato bordados em cima de uma mesa e aguarda a chegada dos pacientes e acompanhantes dispostos a se entreter entre agulhas e linhas. Para além da ideia de “mudar de ares” dentro do hospital, a professora aposentada objetiva ensinar um ofício que garanta renda às famílias.
— Dou o caniço e o anzol — diz.
Sem cobrar nada, nem mesmo o material usado, Élida só tem um pedido em troca dos ensinamentos:
— Que essas pessoas cheguem nas suas cidades, procurem uma associação de mães e repassem o que aprenderam.
Mesmo antes de retornar à terra natal, Tiele Duarte Kubiake, 30 anos, já seguiu as instruções da ex-professora. Sentou-se ao lado de familiares de um paciente que adentraram a sala e começou a ensiná-los como trançar a manta de dedos. A jovem, que se trata há anos no Clínicas, é frequentadora assídua da sala de recreação. Tão frequente que, no ano passado, mesmo sem estar internada, foi convidada para a festa de Halloween.
— Participo de tudo — conta a aposentada, que recebeu um transplante de rim há pouco mais de um ano.
— É um entretenimento (as aulas de artes manuais). Descansa a mente e anima mais a gente — completa.
A cargo da equipe de Educação Física e Terapia Ocupacional, o serviço de recreação do HCPA existe há 40 anos e atende a mais de 10 setores da casa de saúde. Aberta de segunda a sábado, a sala de recreação é um alento para pacientes e acompanhantes que precisam ficar dias a fio na instituição: tem jogos, videogame, mesa de sinuca, livros e atividades recreativas. Fora isso, é um ambiente que propicia a socialização.
— Nosso trabalho busca amenizar esse período, tornando-o um pouco mais leve. Temos pacientes adolescentes, por exemplo, com internações bem longas, nas quais os familiares têm que ficar aqui 24 horas por dia. Utilizando esse espaço, eles acabam conhecendo outras famílias, trocando ideias e histórias de vida – destaca Thais Chiapinoto dos Santos, profissional de Educação Física responsável pela sala de recreação de adultos e adolescentes.