Presidente da Federação Afro Umbandista e Espiritualista do Rio Grande do Sul (Fauers), Everton Alfonsin fala sobre o preconceito religioso e sobre a importância da espiritualidade no contexto atual e na busca pela paz.
É possível ter espiritualidade sem religião?
Assisti a uma palestra de um médico na qual ele mostrou uma pesquisa sobre pessoas que entravam na mesa de cirurgia e tinham fé. As que estavam em uma lista de orações tinham melhor recuperação. Acredito que não é preciso acreditar em religião, mas em alguma maneira filosófica ou não de vida. Temos dia e hora para morrer? Ninguém sabe quando termina nossa missão na Terra – caso contrário, não morreriam crianças e adolescentes, todos nós morreríamos velhos, concorda? As pessoas estão descrentes da religião porque estão vendendo a religiosidade de uma forma que perde o sentido da religação com o sagrado. Isso não se comercializa, isso se pratica diariamente. Quando se vende a religião, as pessoas vão ao terreiro, à igreja, em busca de uma falsa promessa de bens materiais, sendo que não é nesses espaços que iremos alcançar isso. Quando não dá certo, elas se revoltam e ficam trocando suas crenças até encontrar um local em que se sintam bem. Isso só vai acabar quando as pessoas acreditarem que religião e financeiro não existem.
Qual a importância da religião no nosso atual contexto?
A pessoa que acredita em qualquer religião consegue se religar com o lado espiritual. Hoje, não temos tempo para nada. Nosso mundo é de correria. Se não nos apegarmos a algo, fraquejamos. Estamos tão descrentes do ser humano que só a religião para dar suporte e nos fazer melhorar todos os dias. Quando estamos em situações de emergência, dizemos "Ai, meu Deus!". Isso é o subconsciente pedindo ajuda para alguém maior. Somos águas de rios que vão por diferentes lugares, mas vão acabar em um grande rio lá na frente. As pessoas só têm fé quando alguém morre ou está perto de morrer.
Como mudar isso?
É preciso olhar para dentro de si, para a família. O problema é tempo, que ninguém tem. Só perdem tempo para arrumar dinheiro, mas há doenças que dinheiro nenhum paga. A fé, ela, sim, vai te equilibrar.
Quando devemos ser apresentados às religiões?
Entendo que as crianças não deveriam ser batizadas quando bebês, mas, sim, quando já entendem o que é a religião, para que pudessem escolher. O melhor é quando a criança entende que, naquele espaço, ela se sente bem. As religiões, hoje, funcionam como cipós: quando tu não resolves teus problemas materiais em uma, pula para outra. Isso é errado. Todas as religiões são verdadeiras.
Como exercitar a espiritualidade fora dos ambientes religiosos?
Quando tu ajudas alguém e não espera nada em troca. Esse é o primeiro exercício. A religião é a prática do bem.
As religiões afro ainda sofrem muito preconceito?
A umbanda é uma religião cristã 100% brasileira e foi fundada em 1908. De lá para cá, vem em uma crescente e hoje, no Rio Grande do Sul, temos 69 mil terreiros. Estamos crescendo de forma social, mostrando a importância da ajuda espiritual e material para nossos irmãos. No entanto, ainda há intolerância religiosa. As religiões de matriz africana são perseguidas. Por desconhecimento, comparam a religião ao demônio. Nos acusam de inverdades: não jogamos bichos mortos nas esquinas. Isso são outros segmentos, não a matriz africana nem a umbanda. Não fazemos qualquer tipo de oferenda que agrida o ambiente. As oferendas, dentro das religiões de matriz 100% africana, devem servir de alimento para humanos e animais. Para que o "pré-conceito" acabe, estamos trabalhando diuturnamente de uma forma orientadora. Criamos oferendas ecológicas, como barcos biodegradáveis. Alimentamos as pessoas em vez de colocar doces nas esquinas. Trabalhamos muito a questão social.
Como vocês combatem o preconceito?
Temos cartilhas explicativas para orientar as pessoas. Trabalhamos a questão social: temos lar de idosos e de crianças em situação de vulnerabilidade mostrando que a religião ajuda as pessoas. Temos distribuição de peças de roupas para comunidades carentes, campanha de Natal, trabalhamos a questão LGBT nos terreiros e a inclusão dentro de todos os segmentos. Somos todos iguais.