O consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes é um tema que mobiliza pais e gera muita dúvida. Mas os especialistas são claros: a bebida é extremamente prejudicial até por volta dos 20 anos de idade devido ao prejuízo que pode causar ao cérebro, que ainda está em desenvolvimento nessa fase da vida. A mesma recomendação vale para outras drogas, não apenas para o álcool.
— A regra é clara: não pode. O impacto tende a ser muito maior e mais permanente do que mais tardiamente. Não tem negociação — assegura a psiquiatra Lisia von Diemen, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Coordenador do Ambulatório de Dependências Químicas do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Pedro Eugênio Ferreira fala sobre o mito do álcool como facilitador de relações sociais. A bebida prejudica a atividade do córtex pré-frontal, onde têm origem os processos inibitórios, de julgamento crítico e de planejamento de ações necessárias para sobrevivência. A desinibição provocada pelo etanol, sustenta Ferreira, é um fator de risco para o jovem, uma vez que a inibição tem ação protetiva contra ações que podem colocá-lo em perigo, como o comportamento beligerante, as relações sexuais sem proteção e o consumo de drogas.
— A pessoa fica mais desinibida, mas é como você tirar as defesas contra um processo infeccioso — compara o psiquiatra.
Experimentar álcool antes dos 14 anos aumenta muito a chance de o adolescente se tornar dependente e de beber pelas quatro décadas seguintes. A ingestão deve ser evitada até a faixa dos 18-20 anos, mas, abaixo dos 14, quanto mais precoce for o contato com bebida, piores serão os prejuízos, acarretando dependências de difícil controle. Um dos fatores que induzem o vício, explica Ferreira, é a chamada poda neuronal.
No processo de desenvolvimento cerebral, as células que se multiplicam e se mantêm são aquelas que são recrutadas para alguma atividade mental específica. O cérebro analisa todas as conexões que pouco ou nunca utiliza e as elimina. A poda é fundamental, permitindo que algumas atitudes da infância, de repente, desapareçam. Se esses circuitos neuronais ligados ao sistema cerebral de recompensa são ativados precocemente com álcool ou drogas, o cérebro intui que são essas as células a serem preservadas e "poda" aquelas que desenvolveriam a capacidade de atrasar a recompensa. Os circuitos neuronais a serem podados ou desativados serão os que não estão gerando nenhum prazer imediato, como os responsáveis pelas atividades intelectual e inibitória, necessárias para o desenvolvimento.
— Comportamentos do tipo "tenho que estudar, ser honesto, me proteger" são desativados, e essas células frequentemente são mortas — explica o professor da PUCRS, acrescentando que estudos comprovam que quem começa a beber na adolescência está sob um risco maior de desenvolver outras doenças mentais e de cometer suicídio.
Há situações em que os adultos liberam uma pequena quantidade de bebida em celebrações familiares, crentes de que tão pouco não é capaz de causar danos.
— Não é questão do "golinho", é da permissão. Acho que os pais não podem dar permissão para beber. Eles têm que deixar claro que aquilo é uma coisa com que eles não concordam, que nessa idade pode ter um prejuízo grande. Concordar é que é o problema, você está dizendo que aquilo ali está certo — reforça Lisia.
O exemplo dado pelos pais em relação a condutas de risco também é fundamental na formação dos filhos.
— Se os pais bebem e dirigem, podem até falar que não se deve fazer isso, mas não vai ter o efeito de os filhos verem que os pais não beberam e dirigiram — diz a médica.
Consumo da gravidez pode gerar alterações congênitas no bebê
A ingestão de álcool costuma ser desaconselhada por obstetras e pediatras durante todo o período da gestação e da amamentação. Não há uma dose suficientemente segura, destaca o psiquiatra Pedro Eugênio Ferreira. Mesmo pequenas quantidades, ao longo da gravidez, podem ter efeitos teratogênicos (desenvolvimento de malformações) no feto, que é muito vulnerável. Gestantes que bebem moderadamente aumentam o risco de a criança sofrer de síndrome alcoólica fetal, capaz de gerar alterações congênitas, problemas no sistema nervoso central, atraso no crescimento e retardo no desenvolvimento cognitivo e comportamental.
Muitas mulheres em fase de lactação já ouviram falar que a ingestão de cerveja escura auxilia na produção de leite — um mito, segundo o médico. Existem mães que tentam criar esquemas, muitas vezes orientadas pelos médicos, que as permitam beber pelo menos poucas doses. Elas retiram leite do seio com a máquina para o momento em que o filho tiver fome. Depois bebem vinho, cerveja ou um drink, aguardando algumas horas para que o organismo metabolize aquela quantidade e ela possa voltar a amamentar.
— Acho temerário. Ela pode não estar passando diretamente o etanol para dentro da circulação do lactente, mas pode estar alterando sua relação com ele. Sob efeito do álcool, com muita probabilidade, ela se torna uma cuidadora um pouco mais relapsa, menos "presente". Serão modificados o modo de olhar, sorrir, acariciar e proferir palavras carinhosas, estímulos vitais para a formação de sinapses no cérebro. Ninguém que esteja nessa função tão importante pode não estar física e emocionalmente presente. A relação mãe-bebê, mesmo com doses moderadas de bebida, pode se alterar. Não se pode correr risco nenhum em nome de um pequeno prazer — comenta Ferreira.