Um dos rabinos da Congregação Israelita Paulista (CIP), Michel Schlesinger defende o diálogo em todas as esferas da vida: com a comunidade, com os pais, consigo mesmo. Representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) para o diálogo inter-religioso, ele é autor do livro Diálogos de um rabino: reflexões para um mundo de monólogos, em que propõe que todas as pessoas, independente da religião, reconheçam e valorizem as diferenças para, assim, construir uma sociedade melhor. Nesta entrevista, ele valoriza a busca pela espiritualidade em cada momento da vida, dos mais felizes aos mais difíceis.
Como a espiritualidade pode se fazer presente no dia a dia mesmo de quem não é religioso?
Um dos rabinos que me inspiram a responder essa pergunta se chama Heschel, que fala justamente sobre a capacidade de o ser humano se espantar com a vida. De admirá-la todos os dias de novo. Ele costumava fazer palestras que, quando eram no final da tarde, começavam assim: “Acabou de acontecer um milagre!”. E qual era? “O sol se pôs.” A espiritualidade está nessa capacidade de ver na natureza, no ser humano, algo extraordinário. E isso extrapola a questão religiosa. Porque você não necessariamente precisa ter uma filiação religiosa específica para admirar a beleza que existe na vida. Quem, por exemplo, teve a oportunidade de ter filhos sabe que o nascimento é um momento de extrema espiritualidade. Mesmo que você não tenha uma religião, ou não acredite em Deus, é o momento em que você sente a vida chegando, com uma força extraordinária, e não tem como não se emocionar com isso. Acho que a espiritualidade está em poder reconhecer a maravilha que é a vida, a beleza que existe na natureza, e não se acomodar, não transformar isso em algo comum, porque não é. E o caminho da espiritualidade é você poder admirar o extraordinário que existe na vida. A espiritualidade parece aflorar diante de problemas de saúde – envolvendo doença, velhice, luto.
Por que isso acontece?
A impressão que tenho é que a espiritualidade é mais visível nos momentos radicais da vida. Sejam ruins ou bons. Acho que as pessoas, quando estão vivendo momentos extremos, de felicidade – como a constituição de uma nova família, a conquista de um novo trabalho, o nascimento de um filho ou uma filha –, se aproximam de Deus. E isso faz com que vivam uma busca por espiritualidade, porque dar conta da felicidade também não é algo simples. É desafiador. E, na outra ponta, estão os momentos duros, tristes – de uma doença grave, uma perda. Sem dúvida são momentos em que as pessoas se aproximam da espiritualidade, da religião. Então, nesses momentos radicais da vida, nesses momentos extremos, existe uma tendência maior de as pessoas buscarem espiritualidade. Talvez nas fases mais mornas isso fique um pouco mais latente, mais distante. E a vida é muito mais marcada por momentos comuns. Mas é nos momentos radicais em que a conexão pode nascer, e se ela é bem amarrada, permanece nos outros momentos da vida.
É importante, de alguma forma, praticar a religiosidade mesmo nas escolas?
Ainda são poucas as escolas que estão sensíveis a isso. Mas o caminho é esse. Porque o conteúdo, cada vez mais, estará disponível. Se eu quero saber de alguma coisa, eu posso, da minha casa, do meu celular, dar um Google, abrir a Wikipédia e descobrir a informação de que preciso. A escola cada vez menos vai ser um lugar de informação e cada vez mais vai ser um lugar de formação. E a formação passa por isso, pela capacidade de a gente desenvolver laços duradouros, profundos. De ter um permanente debate ético, algo que falta no nosso país. E as religiões têm muita coisa para contribuir. Porque a religião, no final das contas, é um conjunto de regramentos éticos milenares que ajuda as pessoas a enfrentarem os dilemas da vida. Então, acredito que, na medida em que nós pudermos, nas escolas, em casa, nas comunidades, fortalecer laços e debater ética, temos a possibilidade de trazer a sociedade para um patamar melhor, mais evoluído.
Espiritualidade tem idade?
Ao longo de toda vida isso é possível. O importante é a gente compreender que isso não é algo constante. Que vamos viver altos e baixos. E tudo bem. Lidar bem com isso é importante, porque a gente exigir ser a mesma coisa o tempo todo não é algo normal. Às vezes eu creio mais, às vezes eu creio menos. Ao longo da vida, as circunstâncias que a rodeiam levam a um momento de maior ou menor conexão, espiritualidade. Conviver com isso de uma forma mais tranquila deixa a vida mais fácil. Às vezes, a gente se cobra demais. Ninguém vive altamente espiritualizado o tempo todo. Isso não é real, não é humano: o normal é que a gente tenha fases. Às vezes estão acontecendo coisas à minha volta que me tornam um pouco mais descrente ou mais crente. Ser humano é lidar com ciclos, com fases, com momentos. A espiritualidade é mais acessível quando diminuímos nossa cobrança de nós mesmos.