Adriano Scavoni, 35 anos, fez redução de estômago em 2003, quando pesava 134 quilos. Em questão de meses, perdeu 43 quilos, e durante anos manteve-se abaixo do índice de obesidade. Naquele início do processo de emagrecimento, há 14 anos, não teve muito conhecimento das importantes mudanças internas pelas quais passava seu corpo. O procedimento foi feito, relembra, "às pressas". Mas teve resultado.
Os anos que se seguiram à cirurgia bariátrica foram marcados por altos e baixos. E extremos. Em 2006, enquanto fazia estágio e estudava Gestão de Recursos Humanos, passando os dias ocupado em diferentes atividades, negligenciou a ingestão de vitaminas. Não as associava às dificuldades que vinha apresentando no trabalho e na faculdade: sonolência, fraqueza, desânimo. Não tinha a menor vontade de comer.
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– Passei três anos praticamente só comendo coisinhas leves, com poucas calorias. Não conseguia me acertar. E isso tudo, com a pressão do estágio e da faculdade, me levou à desnutrição – recorda.
Tempos depois, por volta de 2009, Adriano se recompôs. Passou a se alimentar melhor e, novamente, tinha energia para realizar as atividades do dia a dia. No ano passado, uma nova baixa:
– Perdi minha mãe, e foi um baque. Isso me afetou. Eu estava com 93 quilos em 2016. Agora, estou com 105 quilos.
Em meio aos turbilhões, Adriano, que hoje está desempregado, conta que passou a ter perda de memória, dificilmente mantinha a concentração. Começou a tomar sulfato ferroso, o que aliviou parte dos problemas. Desde a época da cirurgia, não conseguiu manter um acompanhamento regular com nutricionista, psicólogo, cirurgião, endocrinologista.
O fator financeiro também pesou para ele, afinal, cada consulta precisa ser paga separadamente, isso depois dos custos da redução de estômago.
Adriano confia que, passada a turbulência atual, poderá voltar a cuidar melhor da saúde:
– É preciso querer, estar disposto. Eu sei que consigo, mas isso é muito psicológico. É a mudança de hábitos que vai te fazer mudar.
Nova vida repleta de cuidados
Quando o órgão que tem papel central na digestão dos alimentos é severamente reduzido, como aconteceu com Adriano, não é só a vontade de comer que muda: o organismo passa por alterações que vão muito além da perda de peso e exige uma adaptação completa de estilo de vida dali para frente. Com o estômago muito menor do que o normal, os pacientes que passam por uma cirurgia bariátrica reduzem a ingestão de comida e passam a absorver menos vitaminas e minerais que antes. A mudança exige atenção constante e resulta em efeitos imediatos e de longo prazo que, se não observados, podem levar a graves problemas ósseos, fisiológicos e até neurológicos.
A possibilidade de se voltar a ganhar peso anos após a cirurgia, caso não haja comprometimento do operado e acompanhamento profissional adequado, é apenas uma das questões que preocupam médicos e pacientes. Devido à menor absorção de ferro, cálcio e vitaminas como B12 e D, muitas pessoas relatam cansaço, dificuldade de equilíbrio, ressecamento da pele, queda de cabelo, unhas quebradiças.
Menos comuns – e mais graves – são o surgimento de problemas como fragilidade nos ossos e osteoporose precoce, perda de dentes, anemia, amnésia e outras deficiências neurológicas.
– Sem os cuidados adequados, o paciente pode ter sequelas neurológicas, lesões graves. A má alimentação, associada ao sedentarismo e à menor absorção de nutrientes de quem passa por essa cirurgia, acaba levando a uma série de dificuldades – relata o cirurgião bariátrico Caetano Marchesini, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
Alguns efeitos colaterais, dependendo do tipo de cirurgia, são até comuns. Nos meses imediatamente posteriores à operação, relatos de perda leve de memória, irritação e insônia tornam-se habituais em hospitais e consultórios. Anos após a realização de uma cirurgia bariátrica, com a esperada readequação do estilo de vida, as dificuldades tendem a diminuir ao ponto de a pessoa ter um cotidiano normal.
Marchesini chama atenção para o fato de que uma minoria dos pacientes – algo estimado entre 10% e 15% – apresenta reincidência da obesidade e outras doenças associadas.
– Como fizemos 100 mil dessas cirurgias no ano passado no país, há cerca de 15 mil pessoas voltando a ganhar peso. Fora as que, mesmo que não estejam mais obesas, deixam de fazer exames para acompanhar a própria saúde e podem estar desenvolvendo outros problemas – afirma o cirurgião bariátrico.
Não adianta só perder peso
Recomenda-se aos pacientes um acompanhamento multidisciplinar bastante próximo no primeiro ano após a cirurgia. Nutricionista, psicólogo ou psiquiatra, endocrinologista e fisioterapeuta, além do próprio cirurgião, são alguns dos profissionais que devem ser consultados com regularidade até que ocorra a total readaptação alimentar, física e mental. Depois do primeiro ano, a recomendação é de que se continue fazendo exames regulares para detectar qualquer anomalia e se consulte um médico para manter as consultas.
– Não basta só fazer a cirurgia e ir embora. É preciso ter esse acompanhamento da equipe, até para a pessoa se conscientizar sobre como lidar com o novo corpo e ter bons resultados – explica Luiz Alberto De Carli, coordenador do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa.
Acontece de um operado, vendo os efeitos da garantida perda de peso após uma redução do estômago, achar que, não estando mais obeso, tudo está bem: diminuem-se as chances de desenvolver ou sentir os efeitos da hipertensão, da diabetes; há mais disposição, menos dores. Em meio à alegria de uma "nova vida" e à sensação de bem-estar, há quem deixe de fazer os exames recomendados e, assim, ignore os resultados invisíveis da operação.
Mas emagrecer não é garantia de saúde. Não é preciso esperar que o corpo dê sinais, como fraqueza e desânimo, para o operado se dar conta de que precisa agir. Assim como a redução do próprio órgão, a necessidade de manter cuidados adequados é para toda a vida.
– Quando o corpo está dando sinais é porque já está faltando alguma coisa. O paciente precisa ter em mente que a cirurgia vai provocar uma importante alteração fisiológica: a partir dali, seu corpo vai funcionar de forma diferente – diz Carlos Frota Dillenburg, presidente da SBCBM no Estado.
Ele conta que costuma fazer a seguinte pergunta aos pacientes: "Você está preparado apenas para fazer a cirurgia ou também para mudar de vida?". A resposta de cada um costuma definir o sucesso da operação.
Bons resultados dependem de atenção e comprometimento
Para combater as adversidades que podem resultar da cirurgia, os pacientes costumam ter de repor microelementos que o corpo já não consegue mais absorver na mesma quantidade que antes. Na maioria dos casos, a ingestão de vitaminas – por vezes, em cápsulas; em alguns casos, por injeção – é suficiente para que o organismo trabalhe com os níveis adequados desses nutrientes, mesmo que a alimentação não consiga mais suprir essas necessidades sozinha.
Os médicos alertam que essa reposição deve estar associada à boa nutrição, à manutenção regular de exercícios físicos e à realização de exames, pelo menos, anualmente. Um estilo de vida saudável aliado à eventual ingestão de vitaminas concentradas, em quantidade e variedade que dependem de cada pessoa, basta para que a maioria dos pacientes obtenha bons resultados e evite os problemas apontados nesta reportagem.
– São poucos os que não seguem as orientações médicas e acabam abandonando o tratamento. A maioria dos pacientes segue o que é recomendado e obtém os resultados esperados – avalia a endocrinologista Grace Castro, integrante da equipe de cirurgia bariátrica do Hospital Moinhos de Vento.
Um dos principais desencadeadores dos problemas pós-operatórios é a má alimentação. O estômago menor ocasiona menos gula e maior saciedade aos pacientes, dificultando – impossibilitando, até – a ingestão de grandes pratos repletos de comida.
A desvantagem dessa mudança é que há quem se sinta inclinado a substituir uma boa refeição por salgadinhos, doces, bolachas recheadas, que satisfazem a fome de quem foi operado, mas não garantem as vitaminas e minerais de que o corpo precisa.
Para auxiliar na preparação de quem quer passar pela cirurgia e contribuir para o bom andamento dos operados, muitas clínicas e hospitais contam com grupos que realizam reuniões periódicas, geralmente mensais, em que exemplos, problemas e soluções são relatados por quem já passou por essa experiência e profissionais da saúde, o que auxilia na obtenção de bons resultados.
Grupos de apoio para problemas em comum
Simone Misturini estava com colesterol alto e hipertensão, pesando 122 quilos, quando decidiu passar por uma cirurgia bariátrica. Foi há três anos. De lá para cá, chegou a perder 52 quilos. Nos últimos meses voltou a ganhar peso depois de descobrir que tinha hipotireoidismo – um problema de saúde não associado à operação, mas que levou Simone a dar alguns passos para trás no tratamento que vinha seguindo com afinco.
Contente com os primeiros resultados, a estudante de Psicologia conta que parou de sofrer com apneia de sono e deixou de tomar medicamentos para combater a pressão alta, substituindo-os pelas vitaminas de que hoje precisa para manter o organismo em dia. Mas não sem antes passar por alguns problemas comuns aos recém-operados, como queda de cabelo, unhas quebradiças e algum desânimo.
– A gente precisa se fortalecer para encarar a nova vida – reflete.
Em meio à recaída, e também com o objetivo de trocar experiências com pacientes que passaram por dificuldades parecidas, Simone decidiu se unir à Associação Rio-grandense de Apoio ao Operado Bariátrico, onde participa de reuniões de apoio.
Operada há 11 anos, Sandra Pinto também participa desses encontros. Aos 62 anos, a aposentada conta que voltou a engordar quase uma década depois da cirurgia quando parou de fumar – um dos vícios que são uma espécie de compensação comum em pacientes bariátricos. Com problemas nos tendões e baixos níveis de ferro, ela passou a se alimentar mal após anos de refeições regradas e voltou a sentir os efeitos na saúde.
Sem conseguir ingerir alimentos que antes eram comuns no seu dia a dia, como batata frita e empanados, Sandra relata ainda outro problema frequente desses pacientes: ela regurgita a comida com frequência, especialmente quando come mais do que o estômago consegue aguentar, ou faz uma refeição com muita pressa, ou ainda quando está nervosa.