– Fruta pequena ninguém quer, não. Só graúda. Mas o gosto é o mesmo, né? – lamenta um feirante de Porto Alegre, atrás de um balcão cheio de maçãs mirradas por causa de um problema na safra.
Se as menores são rejeitadas na hora da escolha, as “feias” – batidas, com manchas ou assimétricas – muitas vezes não chegam sequer a passar pelas mãos dos clientes. Mesmo estando próprias para consumo, são descartadas por não atender aos padrões estéticos do mercado.
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Um terço dos alimentos vão para o lixo
Enquanto milhões ainda passam fome, o mundo perde ou desperdiça um terço de sua produção de alimentos a cada ano, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
A escala funciona também em cada residência: um terço do que as famílias compram acaba tendo o lixo como destino, afirma o Instituto Akatu, organização não-governamental que trabalha há 15 anos pelo consumo consciente. Conforme cálculos da ONG, o brasileiro desperdiça 41 mil toneladas de alimentos por dia, quantidade suficiente para alimentar 13% da população do país.
– Não é pouco. Se prestarmos atenção no que jogamos fora porque estraga ou não consumimos, como cascas e talos, esse dado de um terço faz sentido – afirma a gerente de comunicação da ONG, Gabriela Yamaguchi.
Consumir os alimentos antes que eles estraguem, aproveitar todas as partes e perder o preconceito com as sobras de comida são algumas dicas valiosas para reduzir o desperdício.
Menores, mas sem agrotóxicos
Uma forma de evitar o desperdício é escolher frutas e vegetais feios, aqueles que os feirantes enfrentam dificuldades para vender. A nutricionista Fernanda Bortolon explica que, apesar de não haver diferença nutricional entre os alimentos, as frutas menos valorizadas podem oferecer uma vantagem:
– Os alimentos orgânicos costumam ser menores ou não tão bonitos, mas isso ocorre justamente porque não contêm agrotóxicos e, portanto, são mais saudáveis.
Vice-presidente da Associação dos Feirantes das Feiras Modelo de Porto Alegre, Giovani Oliveira conta que muitos vendedores fazem promoções com os alimentos com imperfeições estéticas, para tentar reduzir o desperdício. Depois das feiras, também é comum a entrega do excedente aos voluntários que limpam as ruas.
Na busca pelos “feios”, Gabriela completa que é preciso diferenciar as frutas e verduras batidas das machucadas na hora da compra. Batidos são aqueles amassados, enquanto os machucados têm a casca partida, com possibilidade de contaminação da polpa, o que pode estragar o alimento:
– Existe uma orientação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que os alimentos com possibilidade de contaminação não sejam vendidos, mas, quando isso acontece em casa, basta cortar a parte do miolo exposto e comer.
Perdas e dificuldades para reaproveitar
O professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Walter Belik explica que é preciso diferenciar perda de desperdício quando falamos em alimentos. Perda, segundo o especialista, é algo não intencional, que ocorre por causa de um problema climático na produção ou do transporte inadequado, por exemplo. Já o desperdício é intencional, aquilo que é jogado fora por causa do preço, da aparência ou do excesso.
– Nos países pobres, o problema é a perda. Nos ricos, o desperdício – completa o professor.
Murillo Freire, pesquisador da Embrapa na área de tecnologia pós-colheita, explica que, no Brasil, perde-se muito da produção por causa de desconhecimento, erro no preparo do solo ou manuseio e uso de tecnologia inadequada em colheita, armazenamento e transporte.
Quanto ao desperdício, um dos problemas é o tamanho das embalagens, como a do pão de forma. Quem mora sozinho dificilmente consegue dar conta de todas as fatias antes que algumas estraguem. Outros gargalos são as datas de validade e as condições de conservação mal explicadas nos rótulos. No Brasil, ainda há uma barreira legal para o reaproveitamento de alimentos. A lei que responsabiliza criminalmente os doadores por eventuais malefícios que a comida fará ao receptor leva muitos restaurantes a jogar fora o excedente preparado.
– Isso é um problema até para os bancos de alimentos, pois, mesmo que eles assumam essa responsabilidade legal, em última análise, a legislação leva em conta o doador – afirma Belik.
Freire acrescenta que o projeto de lei apelidado de “lei do bom samaritano”, que isenta de responsabilidade civil ou penal o doador de alimentos em eventual caso de malefício causado pela comida, está há mais de 10 anos tramitando no Congresso sem nunca ter sido aprovado.