Meu avô definia os corajosos como aqueles que, tendo medo, correm para frente, mas abstraída esta escassa população dada a heroísmos, existe um contingente de valentes silenciosos, à espera que uma adversidade qualquer os ponha à prova. E eles, então, revelam-se. Fortes e inquebrantáveis.
Aprendi que é este tipo de coragem insuspeitada que explica a atitude estoica dos pacientes predestinados a calvários inimagináveis e que descobrem, no enfrentamento de sua sina, uma força interior que nem imaginavam que tinham, e que se exterioriza na racionalização do que é preciso fazer, no dia a dia, pela sobrevivência.
Não se produz bravura por nenhum manual conhecido, e alguém já disse que heróis são pessoas boas que, colocadas em circunstâncias excepcionais, permanecem fiéis ao seu caráter. Portanto, desistam de matricular os filhos em escolas formadoras de adultos corajosos. E desconfiem dos muito destemidos porque a maioria deles gasta toda a energia produtiva na encenação da coragem.
Como a doença é a ameaça mais comum e pungente, é dado ao médico a oportunidade de conviver com modelos humanos extremos, a partir de situações semelhantes. Alguns decidem por conta própria que são casos perdidos, deixam de ouvir qualquer ponderação de esperança, desabam consumidos em pena de si mesmos, bradam por protesto e socorro e levam no roldão do desespero a família atordoada. E ainda exigem toda a reserva do afeto por parentesco que muitas vezes negligenciaram em corresponder.
Como espernear é um reflexo muito primitivo porque é o que fazemos logo ao nascer, meu encanto foca no outro extremo. Sempre me impressionei com aqueles que diante de uma grande ameaça são capazes de manter o controle emocional para estabelecer prioridades e proteger a família de um sofrimento que cabe a eles, e só a eles administrar. Como atestado de grandeza, evitam disseminar ansiedade entre aqueles que até gostariam, mas não têm como ajudar. Considero esta atitude o sinal mais definitivo de maturidade.
A Maria Rita fumou por 40 anos e, de alguma maneira, se sentiu o tempo todo culpada por isso. Quando descobriu um nódulo de pulmão, marcou a consulta para ouvir o que sempre negou que pudesse acontecer. Não tentou conter a lágrima que acompanhou a notícia, mas depois de dois minutos estampou um sorriso lindo, como uma espécie de pedido de desculpas pelo curto tempo que se permitiu fraquejar.
Outra vez no comando, foi toda objetividade: "Preciso de duas semanas para me organizar, depois disso estarei pronta."
Antes de sair, um pedido revelador: "Meu marido não consegue nem trabalhar se tenho uma febre qualquer, então, preciso protegê-lo até às vésperas da internação. Esta conversa fica entre nós. Como aliado, tu és tudo o que preciso, e sei que vais cuidar de mim."
Quase senti pena do tumor que não sabia com quem se metera.