Nada de bala de hortelã. Nem guaraná. A partir de hoje, a hora do recreio vai ter um sabor diferente no Monteiro Lobato, escola particular do bairro Boa Vista, em Porto Alegre. Por uma decisão da direção, o bar não venderá bala nem refrigerante. A medida, no entanto, traz novos sabores aos alunos - o principal é estudar em um dos colégios pioneiros de um movimento crescente ao redor do mundo.
Por sugestão da nutricionista Karina Frantzeski, a escola decidiu aderir ao Food Revolution Day, ação global capitaneada pelo chef inglês Jamie Oliver para tornar obrigatória a educação alimentar em escolas. A iniciativa vem acompanhada de uma tentativa de glamourizar alimentos naturais, frescos e orgânicos e torná-los imunes à resistência da gurizada.
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Mesmo que já houvesse a cultura de oferecer frutas e verduras no cardápio dos lanches e servir alimentos integrais nas refeições, a escola resolveu radicalizar. Além de excluir a venda dos itens no bar, foram traçadas ações para aproximar alunos das maçãs e das bergamotas, como distribuir frutas da época e reativar a horta orgânica. A estratégia é semeada em terreno fértil. Um grupinho de adolescentes que lanchava próximo à cantina às 16h desta quinta-feira mostrou não estar ligando muito para a abolição do refri. Por questões estéticas e de saúde, a maioria disse não consumir a bebida mesmo antes da censura. Já quanto às balas, o sentimento é diferente.
- Sentiremos falta. Agora, vamos ter de trazer de casa - brinca a estudante Manoela Lobato, 15 anos.
A explicação da nutricionista para a consciência de parte dessa geração é que ela nasceu sabendo que uma boa alimentação tem suas vantagens. Segunda Karina, os estudantes aprendem desde pequenos que combater doenças começa pela boca.
- Eles têm muita informação, e os pais controlam o que comem. Não vão sentir uma mudança drástica - afirma.
Nutrólogo e coordenador da Política de Alimentação e Nutrição da Secretaria Estadual da Saúde, o médico Paulo Henkin considera a decisão da escola polêmica. Ele acredita mais em educação do que proibição alimentar - cortar o açúcar das escolas seria algo discutível, já que o ingrediente pode ser importante.
- Estratégia de primeiro mundo para um país em que há bolsões de pobreza nem sempre cai bem. O ideal é oferecer frutas e opções saudáveis, porque a criança vai sair da escola e encontrar refrigerante ali na esquina.
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Henkin observa ainda que demonizar o fast food e manter impune o consumo de alimentos ricos em gordura trans, como pães de queijo, croissant e biscoitos, por exemplo, pode ser um grande equívoco.
O Rio Grande do Sul está a frente da lista de obesidade infantil, segundo dados do IBGE. Combater os alarmantes índices também está no escopo de escolas como a La Salle Santo Antônio, na zona leste. Há três anos, tiraram frituras e guloseimas do cardápio como parte do projeto Cantina Saudável. Segundo a nutricionista Maria Cristina Furtado da Silva, a medida surgiu para cumprir a uma lei municipal que cobra qualidade e orienta que a educação nutricional deve começar pelo bar.
- Chega uma idade em que as crianças não levam lanches de casa e eles escolhem. Para isso, temos de dar opções variadas, mais nutritivas. No início houve resistência, mas trabalhamos com palestras dentro e fora de sala de aula, e o resultado foi bom - afirma a nutricionista.
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No Monteiro Lobato, as balas de hortelã deixarão saudades. No último dia de venda, cinco em cada cinco crianças que compraram no bar gastaram seus centavos com elas. Raras foram as que pediram fruta - sinal de que pais e professores terão muito trabalho pela frente.