Para retardar a fadiga e ter mais força durante um treino puxado, frequentadores de academias da Capital estão consumindo, sem medir os riscos à saúde, produtos proibidos no Brasil. O público-alvo deles não são fisiculturistas, mas jovens anônimos dispostos a gastar mais de R$ 150 para turbinar perigosamente a malhação.
Diferentemente dos anabolizantes e esteroides, sabidamente nocivos, os novos produtos são comercializados como se fossem apenas suplementos alimentares. E muitos consumidores podem desconhecer os efeitos colaterais, entre eles, a possibilidade de morrer durante uma série de levantamento de peso.
- O que os usuários devem entender é que muitos produtos estão sendo lançados no mercado sem ao menos terem passado por testes de eficácia e segurança - esclarece o nutricionista e doutorando em Bioquímica da UFRGS, Rafael Longhi de Barros.
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Por mais de um mês, ZH investigou o comércio da febre das academias, o Jack3d, com venda proibida no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e considerado doping pelo Comitê Olímpico Internacional.
Veja as imagens dos flagrantes feitos pela reportagem:
- A moda agora são esses suplementos "pré-treino", que prometem melhor concentração, "queima de gordura", nos treinos. O problema é que muito possuem substâncias ainda não bem testadas. As pessoas pensam estar consumindo algo inofensivo, mas não é bem assim - esclarece a nutricionista Mariana Escobar, especialista em Fisiologia do Exercício, mestre em Bioquímica.
A investida jornalística revelou que a venda clandestina do Jack3d, produzido pela norte-americana USP LABS, não é feita clandestinamente em vestiários, mas em lojas de suplementos com alvarás fixados na parede e instaladas em avenidas movimentadas de Porto Alegre.
Com o uso de uma câmera escondida, a reportagem visitou, entre os meses de março e abril, 10 lojas. Em duas, o produto foi encontrado sem maiores problemas. Bastou pedi-lo. Em pelo menos outras duas, o repórter foi questionado sobre como chegou à loja e quem a recomendara. Ficou claro que, sem indicação de um conhecido, o produto não é ofertado.
As duas lojas que confirmaram ter o produto, ambas localizadas na Zona Norte, foram visitadas uma segunda vez no dia 16 de abril. ZH voltou às lojas para comprar o Jack3d e, assim, confirmar a venda ilegal.
O frasco com 45 doses foi comprado na filial da ProSport Suplementos, na Avenida Assis Brasil. Na primeira visita, em 19 de março, uma jovem vendedora havia mostrado ao repórter onde estava o produto: nos fundos, dentro de um mostruário fechado a chave.
Cerca de um mês depois, no dia 16 do mês passado, a reportagem voltou ao estabelecimento. Uma segunda atendente confirmou ter o produto e concedeu desconto de 10% no pagamento em dinheiro, sem nota fiscal. O pote saiu por R$ 180. Questionada sobre as reações adversas, a vendedora fala sem constrangimento:
- Ele pode dar uma sensação de boca seca. Dar um sensação de taquicardia, porque acelera o batimento cardíaco, coisas que podem vir a acontecer em decorrência do produto.
A outra loja flagrada pela reportagem, a Nutri House, na Avenida Benjamin Constant, foi visitada pela primeira vez na segunda quinzena de março. No estabelecimento, o Jack3d saía pela bagatela de R$140. O produto não era exposto na prateleira, mas guardado sob o balcão.
- Só não é bom tomar à noite porque te acelera muito! E não é bom misturar com outro produto porque é muito forte - disse o vendedor ao ser questionado sobre os efeitos do suplemento ilegal.
Ao retornar à loja no dia 16 de abril, o produto estava "em falta, devendo levar duas semanas para chegar, dependendo do importador", nas palavras do mesmo vendedor. Questionado sobre a oferta de algum produto similar, o vendedor ofereceu o 1-MR, igualmente proibido no Brasil. Sacando o produto também sob o balcão, ele comenta:
- É igual ao Jack. Ele vai te dar uma "pilhadeira", pode te atrapalhar o sono.
Orientação é sempre necessária
Com a maioria deles vendida regularmente no Brasil, os suplementos são úteis para atletas de alto nível em momentos em que é preciso complementar a alimentação com proteínas, carboidratos, vitaminas e sais minerais. Outros, como o Jack3d, se tornam perigosos ao misturar drogas estimulantes em sua composição.
- Responsável por vários casos de resultados analíticos adversos em atletas do Brasil e do mundo, o Jack3d contém um vasoconstritor e estimulante do sistema nervoso central, a metilhexaneamina (dimethylamylamine), que consta entre as substâncias proibidas da Agência Mundial Antidoping. Este estimulante possui efeito similar a anfetamina e a efedrina, o que motiva a sua proibição - explica o médico Eduardo de Rose, membro da Comissão Médica do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) desde 1979, e do Conselho de Fundação da Agência Mundial Antidoping.
A médio prazo o efeito pode ser, inclusive, o inverso do esperado por quem malha pesado, conforme a nutricionista Mariana Escobar:
- Alguns desses suplementos causam dependência e sem a sua utilização, muitas vezes, o indivíduo "viciado" sente preguiça, fraqueza e falta de vontade para treinar.
Mesmo com produtos feitos no Brasil ou importados legalmente, o cuidado na sua administração é essencial. O nutricionista Rafael Longhi explica que a ingestão sem orientação pode intoxicar o organismo:
- A utilização de qualquer recurso para aumentar performance sem supervisão especializada pode trazer riscos à saúde. A lactoalbumina, por exemplo, está presente em suplementos e é uma excelente fonte de proteínas quando bem empregado. Mas, como qualquer proteína em excesso no organismo, pode tornar-se tóxica, prejudicando funções renais e hepáticas.
Por meio de sua assessoria de comunicação, a Agência Nacional de Vigilância (Anvisa) informa que, no Brasil, os produtos são classificados como alimentos para atletas ou suplementos vitamínicos e de minerais. Não há uma categoria para "suplementos alimentares".
Sobre o Jack3d, a agência esclarece que o produto contém uma mistura de compostos não autorizados para uso em suplementos no Brasil "por não possuírem segurança de uso demonstrada".