Sentir-se solitário na velhice aumenta em 31% o risco de desenvolver demências e eleva em 15% a probabilidade de comprometimento das funções cognitivas, caso da memória e da concentração. É o que constata uma revisão de estudos que analisou autorrelatos de solidão e saúde neurológica de mais de 600 mil pessoas. Os resultados foram publicados em outubro na revista Nature Mental Health.
Cada vez mais, a solidão vem sendo estudada como um problema de saúde pública. Isso porque crescem as evidências de que a falta de conexão social está associada a várias doenças. Na nova pesquisa — liderada por cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual da Flórida, nos Estados Unidos — esse foi um fator de risco para demências por todas as causas, incluindo Alzheimer e demência vascular.
A associação persistiu mesmo quando foram feitos ajustes para controlar a depressão, o isolamento social e outros fatores de risco modificáveis para essas condições. "Esses resultados ressaltam a importância de examinar mais profundamente o tipo de solidão e os sintomas cognitivos para desenvolver intervenções eficazes que reduzam o risco de demência”, escrevem os autores no artigo.
Solidão x isolamento social
Solidão e isolamento social são coisas diferentes. O isolamento social acontece quando a pessoa não tem uma rede de suporte: mora sozinha, não tem família, não tem amigos, nem uma comunidade próxima com quem ela possa interagir e socializar. A solidão, por sua vez, é um sentimento que pode surgir mesmo que o indivíduo tenha uma convivência social.
— A pessoa pode viver em uma casa de repouso cheia de idosos e rodeada de profissionais, mas sentir solidão porque não está sendo amparada ou por entender que não recebe o suporte emocional de que precisa. Ou ela pode morar em uma casa com seus familiares, mas sentir solidão porque não recebe atenção — explica a geriatra Thaís Ioshimoto, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Também existem diferenças entre comprometimento cognitivo e demência. Segundo Thaís, o comprometimento cognitivo acontece quando uma pessoa passa a ter problemas envolvendo suas funções cerebrais: a memória começa a falhar, ela tem dificuldade de executar uma tarefa do dia a dia, não consegue lembrar palavras, tem problemas de linguagem ou compreensão
— Com a idade, todos vão ter algum grau de comprometimento cognitivo, mas são comprometimentos leves e não devem impactar nas atividades do dia a dia.
Quando esse comprometimento começa a impactar nas atividades cotidianas, pode ser indício de um quadro de demência. Seria o caso, por exemplo, de uma pessoa que não consegue mais ir sozinha ao banco ou não se lembra de tomar seus remédios. Segundo a geriatra, a interação social estimula diferentes regiões do cérebro.
— Muito provavelmente, a solidão piora o comprometimento cognitivo devido à não interação com outras pessoas, além do sentimento de não se sentir amparada — diz Thaís Ioshimoto.
Cuidado e inclusão
A boa notícia é que esse é um fator de risco modificável e, por isso, existem várias ações que podem ser trabalhadas para reduzir o risco de demência. O mais importante é a velha fórmula conhecida: ter uma dieta saudável, praticar atividade física regularmente e manter interações sociais. Mas existem outros comportamentos que também são preventivos: reduzir a exposição à poluição, prevenir o déficit auditivo, ter escolarização e não fumar são alguns deles.
Na avaliação da geriatra do Einstein, os resultados do novo estudo são importantes porque a população mundial está envelhecendo. É preciso criar estratégias de cuidado e inclusão social das pessoas mais velhas como forma de evitar o etarismo (que é o preconceito baseado na idade de um indivíduo) e prevenir o desenvolvimento de demências.
— Vivemos em uma sociedade que não valoriza o idoso e o deixa marginalizado. Precisamos trabalhar a cultura da inclusão — completa Thaís Ioshimoto.