Destinadas a receber casos graves de saúde mental, as emergências psiquiátricas do Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul (PACS) e IAPI, em Porto Alegre, enfrentam o aumento expressivo de pacientes e a falta de estrutura adequada para dar conta da superlotação. O problema se agravou no pós-enchente.
Conforme o painel de monitoramento da prefeitura e os relatos de funcionários, não é raro os locais operarem com lotações de 300%, precisando acomodar os pacientes em poltronas ou em macas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Na terça-feira (12), o sistema municipal aponta que o Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul atende 30 pacientes adultos com capacidade para 12 leitos, e o IAPI 37 pessoas em um espaço preparado para 12 vagas.
No dia 20 de outubro, o PACS chegou a receber 44 pacientes, o triplo da capacidade, se ainda forem somadas as duas vagas disponíveis para menores de idade (14 leitos no total).
— Nós encontramos diariamente essa superlotação. Ela se tornou já uma situação crônica. Acaba acarretando o aumento de riscos, não só para o paciente que chega muitas vezes em agitação psicomotora, como também para os próprios servidores, que ficam expostos a risco de agressão, por exemplo. O setor que deveria conter 14 pacientes, via de regra, acaba acomodando 30, 40. Até 47 pacientes já permaneceram em sala de observação, sem que haja uma estrutura física adequada — constata o enfermeiro do plantão de emergência em saúde mental do Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, Armando Teixeira Júnior.
Gerenciada pela iniciativa privada desde 2020 e com cerca de mil atendimentos por mês, a emergência do IAPI tem um cenário parecido. Segundo o coordenador médico do Serviço de Saúde Mental da Associação Hospitalar Vila Nova, Tomás da Cunha Recuero, a média tem variado de 30 a 40 pacientes por dia, com situações em que o total chegou a 48, três vezes acima da capacidade.
Demanda crescente
O psiquiatra analisa que esse crescimento tem relação com eventos traumáticos como guerras, pandemia e enchente, que podem afetar a saúde mental da população, se não houver um acompanhamento adequado.
— O acesso ao atendimento básico às vezes pode demorar e aí é uma coisa que sai um pouquinho do nosso controle de saber se esses pacientes estão tendo, ou não, acesso à rede para atendimento — avalia Recuero.
O enfermeiro Armando Teixeira Júnior faz uma associação semelhante com relação à unidade da Zona Sul, com crescimento exponencial da demanda por estes atendimentos na Capital.
— O nosso setor já não está conseguindo mais dar conta — lamenta o funcionário, que integra uma equipe formada por dois médicos psiquiatras, um enfermeiro e quatro técnicos.
Recuero conta que foram alocadas mais 14 macas para conforto dos usuários no IAPI, além de poltronas e cadeiras. Essa maior quantidade de internados no local, que recebe cerca de 48% da demanda na Capital, porém, compromete a atuação da equipe.
— A gente tem equipe estruturada para 25 a 30 pacientes, mais que isso a gente não consegue dar conta da forma ideal — salienta.
Longa espera por leitos
Na emergência da Zona Norte, o tempo médio de transferência para a rede hospitalar ou serviço especializado é de dois a três dias. No entanto, Recuero admite que há casos que podem chegar a 15 dias.
De acordo com o médico, os leitos para crianças e adolescentes são os que demoram mais, por serem difíceis de localizar. Essa espera preocupa o enfermeiro Armando:
— (Existem) riscos a que os pacientes acabam sendo submetidos, porque muitas vezes eles precisam ser contidos quimicamente através de medicação e também através da contenção mecânica protetiva, então, no caso, não deixando o leito, o paciente muitas vezes permanece em cadeiras, em poltronas, em macas pelos corredores — afirma.
A longa espera também atinge adultos. O enfermeiro do Cruzeiro do Sul cita o caso de um idoso no PACS aguardando encaminhamento há mais de um ano.
Prefeitura afirma que busca reforçar ações anteriores à emergência
Questionado pela reportagem, o Secretário Municipal de Saúde de Porto Alegre, Fernando Ritter, reconheceu que a situação precisa ser solucionada e afirmou que a prefeitura busca medidas efetivas no atendimento que antecede à chegada na emergência.
— É inadmissível que a gente tenha essa quantidade, nós não gostaríamos de estar nessa situação, por óbvio. A gente vê isso como um grande problema, mas para poder atacar esse problema, temos que melhorar a estrutura e melhorar o processo para ter resultado — admite.
De acordo com ele, houve um aumento de procura nas urgências desde agosto, também reflexo dos casos de atingidos pela tragédia da enchente.
Uma ampliação de serviços em saúde mental está prevista para 2025, com a abertura de um edital para cinco novos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), gerando 50 leitos. Hoje, são 15 Caps ativos, sendo três infantis, cinco adultos e oito para usuários de álcool e drogas.
Com serviço especializado, os Caps acompanham pacientes de média e alta complexidade, inclusive quem foi encaminhado das emergências para dar prosseguimento aos tratamentos.
De acordo com a prefeitura, três novos Caps serão construídos, por meio de editais do Ministério da Saúde, sendo dois infantis, na Restinga e na Lomba do Pinheiro, um para adultos no Morro Santana, e os outros dois que ainda não têm o local definido.
Também está prevista nesse processo a retomada de duas unidades que foram afetadas pela inundação (Caps 3 e 4) e que eram administradas pelo Hospital Mãe de Deus, no bairro Humaitá.
Com relação à quantidade de profissionais, o setor possui 17 equipes de saúde mental, com nove para atendimento pediátrico (15 psicólogos e 14 psiquiatras) e oito equipes para adultos (nove psicólogos e 15 psiquiatras), conforme a Secretaria Municipal de Saúde.
Obstáculos além da estrutura
Para o vice-presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e coordenador do núcleo de psiquiatria da entidade, Fernando Uberti, é necessária uma expansão e qualificação da rede de assistência em psiquiatria em Porto Alegre, mas há um obstáculo: motivar os médicos a quererem trabalhar na rede pública.
Ele reconhece que é preciso haver mais Caps, ambulatórios leitos e profissionais, e que existe um descompasso entre o que é oferecido e a demanda existente.
— Com as poucas unidades que nós temos em Porto Alegre, aquém ao número necessário, já existe uma dificuldade de contratar profissionais, porque não existe uma carreira pública na prefeitura de Porto Alegre que atraia o médico de uma forma geral, especialmente o médico psiquiatra — observa Uberti.