Com as duas emergências em saúde mental sobrecarregadas e chegando a operar com o triplo da capacidade em Porto Alegre, duas unidades de pronto atendimento serão adaptadas para receber esse tipo de urgência a partir do próximo ano, segundo a prefeitura. Ambas estão em obras.
— Todos os atendimentos de urgência em psiquiatria eram direcionados ou pro IAPI ou para o (Pronto-Atendimento) Cruzeiro do Sul (PACS) e isso faz com que a gente concentre demais e perca o controle. E isso, depois de uma tragédia (a enchente), aumenta mais — afirma o secretário municipal de saúde Fernando Ritter.
Segundo o titular da pasta, a reforma no prédio da Lomba do Pinheiro está 85% concluída. Na Bom Jesus, 60% dos trabalhos foram finalizados. A estimativa é de que em março tudo esteja pronto, com a emergência em saúde mental atendendo 24 horas por dia.
Para a psicóloga e professora da Unisinos Fátima Fischer, a situação das emergências está relacionada com outros fatores, como as lacunas no atendimento básico em um Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) que funcione 24 horas por dia, ou em uma unidade de acolhimento.
— Se tu tivesse uma rede capilarizada na cidade, o tensionamento das emergências seria muito menor. A emergência é o último recurso ou o recurso necessário (…). Se a porta de entrada for a emergência, ela vai estar sempre lotada — explica.
A inclusão de 10 equipes multiprofissionais nas unidades básicas de saúde, em 2025, pode contribuir neste sentido, avalia a prefeitura. Estes grupos são compostos por psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e fisioterapeutas, por exemplo.
Ao longo de 2024 foram distribuídos outros grupos, priorizando a zona leste da cidade (onde há maior demanda) e áreas atingidas pela enchente. Em março, foram inseridas 14 e, em setembro, outros 10. A ideia é prestar um atendimento prévio antes que seja necessário o encaminhamento para a urgência.
— Provavelmente a gente reduza os encaminhamentos para os especialistas e diminua a agudização, porque a grande demora para os especialistas faz com que as pessoas agudizem e procurem as emergências, então tem que pensar na origem desse paciente — avalia Ritter.
Para isso, o secretário afirma que as equipes multidisciplinares estão revendo casos que estão na fila de espera e verificando se podem ser solucionados dentro das unidades de saúde, buscando reduzir os encaminhamentos para especialistas.
Leitos vazios e emergências lotadas
Porto Alegre conta com 428 leitos psiquiátricos ativos em hospitais como Santa Ana, Vila Nova, Presidente Vargas, São Lucas da PUCRS e Conceição. Ritter afirma, no entanto, que nem todas as vagas são preenchidas em razão dos critérios de ocupação.
No dia 24 de outubro, eram 372 leitos preenchidos, o que equivale a 87% do total. Esses 13% vagos poderiam atender o público das emergências, mas o uso esbarra em algumas especificidades.
— O problema é que nós fomos nos especializando dentro dos leitos psiquiátricos, aí tem uns que só aceitam mulheres, crianças, uma faixa etária ou não pode ter comorbidade associada, então temos que conversar com os hospitais para mudar — salienta Ritter.
O vice-presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e coordenador do núcleo de psiquiatria da entidade, Fernando Uberti, não concorda. Para ele, a Capital precisa ter mais leitos de psiquiatria nos hospitais para desafogar as emergências.
— Porto Alegre tem 600 leitos psiquiátricos a menos do que o preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Então, não há uma assistência de acordo com balizadores de organizações internacionais, nem na atenção básica, nem na assistência ambulatorial, nem na assistência hospitalar. E, é claro, que o último degrau desse processo é a assistência hospitalar — pontua.
Com este quadro, Uberti afirma que estas demandas acabam sendo absorvidas por emergências como PACS e IAPI.
— Então, estoura lá, com superlotações constantes, com pacientes que acabam prolongando a sua permanência lá de uma forma indevida em relação à natureza daquela unidade — constata Fernando Uberti.
Sobre os critérios de cada leito apontados pela prefeitura, o vice-presidente do Simers alega que a questão é operacional e pode ser resolvida com ajustes de contratos com os hospitais e com a ampliação de vagas.