Recentemente divulgadas pela Sociedade Europeia de Cardiologia, as novas diretrizes para o manejo da hipertensão no continente europeu apresentam uma série de mudanças. A principal delas se refere à adição de uma categoria, que passa a classificar a pressão arterial acima de 120 por 70 (12 por 7) como “elevada”, já demandando acompanhamento médico.
As atualizações apresentadas no documento, publicado em agosto deste ano no European Heart Journal, não são, no entanto, consenso entre especialistas. No Brasil, as medidas inferiores a 13 por 8 são classificadas como “ótimas” ou “normais”. Há uma tendência de que esse padrão seja alterado em 2025 seguindo os parâmetros europeus.
De acordo com o Ministério da Saúde, a pressão arterial diz respeito à força que o sangue faz sobre as artérias para conseguir circular pelo organismo e se divide em dois tipos: sistólica e diastólica. A sistólica é aquela exercida sobre os vasos sanguíneos no momento de contração dos músculos do coração, enquanto a diastólica é exercida durante o relaxamento do coração.
Já a hipertensão pode ser definida como uma doença crônica, que ocorre quando a pressão sanguínea nas artérias está constantemente elevada. O diagnóstico ocorre quando os valores das pressões são iguais ou superiores a 140 por 90 (14 por 9) — o que significa que o coração está fazendo um esforço excessivo para que o sangue chegue em todo o corpo.
Desenvolvidas pela força-tarefa de gerenciamento de pressão arterial elevada e hipertensão da Sociedade Europeia de Cardiologia, as novas diretrizes mantêm o diagnóstico de hipertensão apenas com medidas iguais ou superiores a 14 por 9, mas adicionam a categoria “pressão arterial elevada”, que é estabelecida a partir dos valores de 120 a 139 por 70 a 89. Trata-se de uma classe intermediária, que indica a necessidade de maior atenção dos especialistas.
O atual padrão brasileiro estabelece a categoria “pré-hipertensão”, que considera as medidas de 130 a 139 por 85 a 89. Já a hipertensão é diagnosticada com valores acima de 14 por 9 e classificada nos estágios 1, 2 e 3.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) lançou as novas Diretrizes Brasileiras de Medidas da Pressão Arterial Dentro e Fora do Consultório, em abril deste ano. O documento estabeleceu que o diagnóstico definitivo de hipertensão arterial não deve considerar apenas os resultados obtidos nos dados de consultórios, mas deve levar em conta também as verificações na casa do paciente.
Na época, houve uma mudança nos resultados considerados alterados: as medidas em casa passaram a ser classificadas como altas acima de 130 por 80 (13 por 8) — no consultório, é chamada da mesma forma apenas quando passa de 14 por 9.
Audes Feitosa, ex-presidente do Departamento de Hipertensão Arterial da SBC e coordenador da Diretriz Brasileira de Medidas de Pressão Arterial 2023, explica que a entidade possui duas diretrizes relacionadas à doença. Uma delas refere-se aos diagnósticos e medidas (lançada neste ano), enquanto outra aborda também questões sobre o tratamento (publicada em 2020). A atualização dessa segunda deve ser divulgada no primeiro semestre de 2025.
Possível mudança no Brasil
Para essa atualização, há uma tendência de que os padrões brasileiros sigam as mudanças estabelecidas pela Sociedade Europeia de Cardiologia, afirma Fábio Argenta, diretor do Comitê de Comunicação e da Comissão de Ética Profissional da SBC, que está participando da elaboração da nova diretriz junto a cerca de 60 especialistas:
— A Sociedade Brasileira de Cardiologia costuma trabalhar de forma muito alinhada com as sociedades Europeia e Americana, que são as maiores a nível mundial. Óbvio que tem algumas questões mais específicas de população, e eu não posso afirmar 100% (que seguirão os padrões europeus), porque a diretriz ainda está sendo elaborada, mas há uma tendência de seguir.
No entanto, as mudanças europeias — e a possível implementação no Brasil — não são um consenso entre os especialistas. Feitosa argumenta que as diretrizes brasileiras não são iguais as da Europa e dos Estados Unidos e garante que vai defender que a categoria “pressão elevada” não seja adotada no lugar do termo “pré-hipertensão”.
— São valores que acredito que nós, no Brasil, não vamos utilizar. Até porque o leigo chama hipertensão de pressão alta. Então, imagina chamar a pré-hipertensão de pressão elevada. Fica muito parecido. Para o português, para o nosso uso, é melhor pré-hipertensão, que é uma condição que, se você não cuidar e não mudar o estilo de vida, com dieta, atividade física e controle de peso, vai se tornar hipertensão — explica o ex-presidente do Departamento de Hipertensão Arterial da SBC.
O médico cardiologista Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor) da Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), concorda que o termo “pressão elevada” traz uma certa preocupação, já que pode confundir. Para o especialista, que também é professor do Departamento de Cardiologia da instituição, “pré-hipertensão” faz muito mais sentido para dar uma ideia da questão evolutiva da doença.
Podemos fazer um paralelo com o pré-diabetes, que todo mundo sabe hoje que é aquela situação em que se precisa fazer um controle mais adequado, com acompanhamento e, às vezes, até usar medicação. Agora, chamar esse valor intermediário de pressão elevada, isso confunde a cabeça de todo mundo. Por isso que é melhor falar pré-hipertensão
LUIZ BORTOLOTTO
Diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor) da Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP),
Na visão de Argenta, o termo “pré-hipertensão” já está ultrapassado. Portanto, considera bastante provável que o documento brasileiro também adote a categoria “pressão elevada”. Contudo, enquanto as alterações não forem formalizadas por novas diretrizes no Brasil, as medidas menores que 13 por 8 seguem sendo consideradas normais e, abaixo de 12 por 8, ótimas.
Redução dos parâmetros
Além do termo “pressão elevada”, as novas diretrizes europeias também reduzem as medidas classificadas como normais para 12 por 7 — no lugar do conhecido 12 por 8. O diretor do Comitê de Comunicação da SBC lembra que a mudança leva em conta “evidências científicas recentes” que mostram o paciente com valores de pressão acima dessa marca com desfecho cardiovascular.
— A hipertensão é o principal fator de risco para complicações ou desfechos cardiovasculares. E, a partir desse valor (12 por 7), já começa a ter alterações que podem levar à insuficiência renal, insuficiência cardíaca, derrame (acidente vascular cerebral), infarto e alterações cognitivas — destaca Argenta.
Bortolotto aponta, contudo, que a redução de 8 para 7 também vem sendo alvo de críticas:
— Não existe nenhuma evidência robusta de que acima de 7 o paciente terá mais risco. Temos um trabalho de 22 anos atrás que mostra aumento de risco a partir de 75, que é o 7,5, que até poderia ser colocado. Mas esse 7 incomoda, porque não tem evidência.
Na avaliação de Luis Beck da Silva, presidente da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul (Socergs), as diretrizes europeias “encurtam o lençol” para que os profissionais comecem a se movimentar para indicar iniciativas de cuidados não farmacológicos aos pacientes. Como exemplo, o cardiologista cita estímulos à atividade física, ao controle da dieta, à diminuição da quantidade de sal e à moderação do consumo de álcool.
— As diretrizes vêm em uma tendência de que quanto mais baixa a pressão arterial, melhor. Na verdade, toda população adulta deveria ter uma pressão arterial preferivelmente abaixo de 130 ou, idealmente, abaixo de 120. Mas isso certamente é extremamente longe da realidade. No Brasil, menos da metade das pessoas que têm hipertensão sabem que são hipertensas — comenta Silva.
Alterações no diagnóstico e tratamento
Assim como previsto pelas Diretrizes Brasileiras de Medidas da Pressão Arterial Dentro e Fora do Consultório, as novas orientações europeias estabelecem que o diagnóstico de hipertensão precisa ser confirmado com medidas realizadas na casa do paciente. Para isso, são utilizadas metodologias como a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA), a monitorização residencial da pressão arterial (MRPA) e a automedida da pressão arterial (AMPA) — elas consideram anormais valores diferentes de pressão (veja tabela abaixo).
— No Brasil, com a MRPA, o normal é abaixo de 130 por 80. O padrão europeu considera abaixo de 135 por 85. Mas nós vamos manter o nosso 130 por 80, porque considera estudos baseados na população brasileira — afirma Argenta.
Outra alteração estabelecida pela Sociedade Europeia de Cardiologia indica que indivíduos que tiverem a pressão acima de 120 por 70 e menor que 140 por 90 e forem considerados de alto risco devem passar por uma tentativa de mudanças no estilo de vida. Após três meses, mantido o cenário, a recomendação é iniciar tratamento medicamentoso.
De acordo com Feitosa, no Brasil, a medicação anti-hipertensiva também é utilizada para tratar pacientes com valores de pré-hipertensão que já tiveram infarto ou têm insuficiência cardíaca ou outra doença cardiovascular:
— Valores de pré-hipertensão em quem não tem outra doença cardíaca, vamos tratar com mudança do estilo de vida: controle de peso, dieta saudável, combate do estresse, do cigarro e do excesso de álcool. Isso tudo tem que ser controlado, mas medicação é usada, em geral, a partir de 140 por 90.
O diretor da Unidade de Hipertensão do Incor acrescenta que, no Brasil, apenas 30% dos pacientes hipertensos têm a doença controlada.
— É importante chamar a atenção para essa questão da pressão elevada (pré-hipertensão), mas temos que focar em quem já é hipertenso, porque não estamos conseguindo controlar bem a pressão deles. Temos uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Hipertensão, que lançamos em agosto, para atingir o controle de 70% dos hipertensos até 2030, porque esse é um foco importante — salienta Bortolotto, acrescentando que 30% da população adulta é hipertensa no Brasil.