A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou pela primeira vez um relatório que detalha o impacto global da hipertensão arterial, com dados sobre a incidência da doença em cada país. De acordo com o estudo, um a cada três adultos em todo o mundo sofre de pressão alta e o Brasil está acima da média, com 50,7 milhões de hipertensos entre 30 e 79 anos (ou seja, 45% da população) .
A OMS chamou a doença de "assassina silenciosa" e seu impacto de "devastador". Isso porque a hipertensão geralmente não provoca sintomas — motivo pelo qual há uma baixa adesão da população ao tratamento —, mas pode levar à morte ao provocar acidente vascular cerebral (AVC), ataque cardíaco, danos renais, entre outros problemas graves de saúde.
Quatro em cada cinco pessoas com hipertensão não são tratadas corretamente em todo o mundo, aponta a pesquisa. Mas, se os países aumentarem a cobertura do tratamento, aproximadamente 76 milhões de mortes, 120 milhões de AVCs, 17 milhões de casos de insuficiência cardíaca e 79 milhões de ataques cardíacos e podem ser evitados até 2050, diz a OMS, cobrando a atenção dos governos.
No Brasil, o levantamento mostra que a probabilidade de uma pessoa com hipertensão morrer precocemente é de 15%. Em 2019, ano em que os dados da pesquisa foram coletados, 381 mil morreram por doenças cardiovasculares e 54% deles tinham quadros de pressão alta.
A expectativa da OMS é de que 365 mil vidas sejam poupadas até 2040 se o país ultrapassar a marca de 40% dos casos de hipertensão controlados — hoje, apenas 33% têm a doença sob controle.
Estilo de vida é principal fator
O relatório mostra que o número de indivíduos que vivem com hipertensão (quando a pressão arterial é igual ou superior a 140/90 mmHg ou há uso de medicamentos para hipertensão) duplicou entre 1990 e 2019, passando de 650 milhões para 1,3 bilhões. Além disso, atualmente, quase metade das pessoas com pressão alta em todo o mundo desconhece a sua condição.
De acordo com a OMS, a idade avançada e a genética podem aumentar o risco de desenvolvimento da doença, mas fatores de risco modificáveis, como uma dieta rica em sal, falta de exercícios físicos e consumo elevado de álcool, também favorecem o surgimento da hipertensão.
Para a cardiologista Lucélia Magalhães, presidente do departamento de hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o consumo exagerado de sal é o maior culpado pela alta incidência de hipertensão entre a nossa população.
— Consumimos quase duas vezes mais que o recomendado. Temos uma cultura de comida salgada — afirma.
Para ter ideia, a recomendação atual da OMS é que o consumo máximo de sal seja de 5 gramas ao dia (o que dá algo em torno de 2 gramas de sódio, principal mineral presente no ingrediente). E há dados apontando que o brasileiro ingere cerca de 12 gramas de sal. A questão é que, quando há excesso de sódio na circulação, o organismo começa a reter mais líquido no interior dos vasos — e isso eleva a pressão.
— Precisamos de uma política de saúde focada primeiramente na diminuição da ingestão de sal e, depois, no controle da obesidade — enfatiza a médica.
Para isso, seria preciso uma campanha focada na atenção primária, com uma equipe multiprofissional que vá desde o nutricionista e o educador físico, promovendo mudanças no estilo de vida, até o médico, que deve receitar o tratamento para quem já vive com a condição.
Também a favor de uma campanha centrada na atenção primária, a OMS diz que a prevenção, a detecção precoce e a gestão eficaz da hipertensão estão entre as intervenções com melhor relação custo-eficácia nos cuidados de saúde. Por isso, "devem ser priorizadas pelos países como parte do seu pacote nacional de benefícios de saúde".
Estudos anteriores mostraram que, além dos benefícios para a saúde das pessoas, há vantagens econômicas em investir nos cuidados de base: a cada unidade de moeda gasta na prevenção da hipertensão, é possível economizar 18 no tratamento de casos graves, quando o paciente chega ao hospital com AVC ou infarto.
— A hipertensão pode ser controlada eficazmente com regimes de medicação simples e de baixo custo e, no entanto, apenas uma em cada cinco pessoas com hipertensão a controlou — aponta Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
— Tratar a hipertensão através de cuidados de saúde primários salvará vidas, ao mesmo tempo que poupará milhares de milhões de dólares por ano — diz Michael R. Bloomberg, embaixador global da OMS de Doenças e Lesões Não Transmissíveis.
Por que tratamos tão pouco a hipertensão?
Segundo Lucélia, a baixa adesão ao tratamento da hipertensão acontece porque, na maioria dos casos, não há sintomas físicos até que o caso se torne grave, levando o paciente a um hospital por infarto ou AVC. Além disso, há pouca visibilidade sobre os ganhos reais que a redução do sal, do peso e do álcool pode trazer à saúde no longo prazo.
Sem sintomas aparentes e imersas em uma cultura de consumo de alimentos e bebidas que não são saudáveis, as pessoas não procuram um médico para fazer exames de rotina ou até normalizam a pressão alta, não dando a atenção necessária aos riscos que ela traz.
— É por isso que precisamos de uma campanha com foco na educação e no acompanhamento constante — diz Lucélia.
Cuidados essenciais
Como medida global de combate à hipertensão, o relatório da OMS recomenda aos governos a implementação de cinco cuidados essenciais:
- Implementação de protocolos práticos de tratamento, com especificação de etapas de ação, medicamentos e doses, para o manejo da pressão arterial não controlada, agilizando o atendimento e melhorando a adesão;
- Fornecimento de medicamentos e equipamentos de forma regular e ininterrupta para um tratamento eficaz da hipertensão (atualmente, os preços dos medicamentos anti-hipertensivos essenciais variam mais de dez vezes entre os países);
- Cuidados baseados em uma equipe colaborativa, que ajusta e intensifica os regimes de medicação para pressão arterial de acordo com as ordens e protocolos do médico;
- Serviços centrados no paciente, reduzindo as barreiras aos cuidados de saúde, fornecendo regimes de medicação fáceis de tomar, medicamentos gratuitos, visitas de acompanhamento perto de casa e monitorização da pressão arterial;
- Sistemas de informação simples e centrados no utilizador, facilitando o registo rápido de dados essenciais ao nível do paciente, reduzindo a carga de introdução de dados dos profissionais de saúde e apoiando a rápida expansão, mantendo ou melhorando a qualidade dos cuidados.