O mês de julho é dedicado a conscientizar sobre o diagnóstico precoce e o tratamento do câncer de bexiga, que, entre 2019 e 2022, causou a morte de mais de 800 mil pessoas no mundo. É o 10º tipo de tumor mais comum globalmente. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que, neste ano, serão registrados 11.370 novos casos, com um risco de 7,45 incidências a cada 100 mil homens e 3,14 a cada 100 mil mulheres.
A diretora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Urologia, Karin Jaeger Anzolch, esclarece que os tumores de bexiga ocorrem inicialmente no urotélio, a camada mais interna do órgão, e podem evoluir para as outras duas camadas: a intermediária, que é a muscular, e a mais externa, uma membrana com uma camada de gordura que reveste o órgão externamente.
— Quando o paciente desenvolve a doença, ocorre uma transformação maligna nas células, que pode levar à formação de nódulos tumorais ou à transformação das células de uma forma plana, resultando no chamado carcinoma in situ. Esses são tumores que se iniciam na mucosa interna que reveste todo o aparelho urinário, mas são mais comuns na bexiga, porque é onde a urina, com as toxinas e agentes cancerígenos, fica mais tempo em contato. A partir dali, vão se aprofundando para as demais camadas, aumentando em muito o risco de invadir não somente os órgãos ao redor, mas de se espalharem pelo sangue e vasos linfáticos para outros lugares, o que chamamos de metástases — explica Karin, que é mestre e doutora em Ciências Cirúrgicas e especialista em Urologia.
O tumor
A bexiga é um órgão oco em forma de balão, composto principalmente por músculos, cuja função é armazenar a urina produzida pelos rins até que seja o momento de ser eliminada. A urina chega à bexiga através dos ureteres e depois é expelida pela uretra durante a micção. O músculo da bexiga se contrai para ajudar na expulsão da urina. O interior da bexiga é revestido por uma fina camada de células chamada urotélio.
O câncer de bexiga, assim como outros tipos de câncer, ocorre devido a alterações no DNA das células do órgão, fazendo com que elas se comportem de maneira diferente das demais. Essas células passam a se renovar e multiplicar mais rapidamente do que o normal e não morrem no tempo esperado, resultando em sua acumulação e na formação de um tumor, que também não respeita os limites daquele tecido ou órgão, tendendo à invadir e se espalhar para outros locais.
O carcinoma urotelial é o tipo mais frequente de câncer de bexiga, responsável por mais de 90% dos casos. Este tipo de câncer afeta o revestimento interno da bexiga e geralmente se manifesta como um tumor superficial, permanecendo na mucosa e submucosa do órgão.
— Inicialmente, esse tumor é limitado ao revestimento superficial da bexiga. Nessa fase, uma simples raspagem da lesão por via endoscopia através da uretra, já é capaz de curar a doença. Mesmo se forem múltiplos, em vários locais da bexiga, mas de caráter superficial, esse tumor é curável com o tratamento chamado de ressecção endoscópica, ou RTU de bexiga — conta a médica Karin.
Nos casos de lesões iniciais, após removido o tumor, pode ser necessário administrar a vacina BCG ou algum quimioterápico dentro da bexiga a fim de evitar recidiva da doença.
Essas lesões podem ser benignas, tendendo a permanecer no local onde surgiram, mas é mais frequente o aparecimento de tumores malignos, o que torna essencial um diagnóstico precoce.
Fatores de risco
O tabagismo é um dos principais fatores de risco para o câncer de bexiga, incluindo o fumo passivo. Estima-se que mais de 50% dos casos estejam relacionados ao hábito de fumar.
As substâncias nocivas inaladas com a fumaça do cigarro são eliminadas pela urina. Quando permanecem na bexiga, entram em contato com as células do órgão, provocando, ao longo do tempo, alterações celulares que podem levar ao câncer.
— Estas células, assim como outros tumores, não respondem aos mecanismos normais de duplicação, replicação, formando as neoplasias. Chamadas de transicionais, quando transformadas em malignas começam superficiais e, com o tempo, podem invadir profundamente a bexiga, inclusive as camadas musculares e fora da camada muscular, podendo entrar em vasos sanguíneos, linfáticos, invadir outros órgãos e até se disseminar para pulmão, fígado e gânglios, por exemplo — detalha Karin.
Sinais de alerta
Embora o câncer de bexiga geralmente seja silencioso em seus estágios iniciais, na maioria das vezes o sangue na urina é o primeiro sinal de alerta. Em alguns casos, a quantidade de sangue pode não ser suficiente para alterar a cor da urina, que pode aparecer alaranjada forte ou mesmo vermelha, ou marrom escura. Portanto, mesmo que o sintoma desapareça, é crucial investigar a causa.
— Como o sangramento não é contínuo e, muitas vezes, é indolor, as pessoas acabam não dando a devida importância. Pensam logo que, como já passou, foi só algum alimento ingerido ou alguma pedrinha urinária que saiu. Atribuem a outras coisas e vão deixando de lado, e é aí que mora o perigo, onde muitas vezes a doença acaba avançando — adverte a médica.
Assim, é fundamental estar atento a esses e a outros sintomas que também podem surgir, como o aumento da frequência urinária, a urgência e a dor ao urinar, que podem estar associados à presença de carcinoma.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico pode ser feito por exames de urina e métodos de imagem, como ultrassom, tomografia computadorizada e cistoscopia. A cistoscopia utiliza um cistoscópio, um instrumento com câmera, inserido pela uretra para examinar o interior da bexiga.
O tratamento do câncer de bexiga varia conforme o estágio da doença e pode incluir cirurgia, quimioterapia, imunoterapia e radioterapia. As opções cirúrgicas são: ressecção transuretral (remoção do tumor via uretra), cistectomia parcial (retirada de uma parte da bexiga, para casos muito específicos) e cistectomia radical (ou total, com a construção de um novo reservatório para armazenar a urina ou um conduto para eliminá-la).
Paciente hoje leva uma vida normal
Moradora de Porto Alegre, Lorisete de Freitas, de 58 anos, passou por uma cistectomia radical em janeiro de 2022. Sem histórico familiar de câncer de bexiga, ela enfrentava infecções urinárias recorrentes que nunca se curavam completamente. Os sintomas eram confundidos com cistite e infecção urinária, pois sentia vontade constante e desconforto para urinar, infecções urinárias e dor na região lombar. A situação piorou a ponto de precisar usar uma sonda para urinar.
Após consultar um urologista e realizar exames específicos, ela foi diagnosticada com carcinoma de alto grau, que acabou necessitando da cirurgia de cistectomia radical. A cirurgia, que durou nove horas, foi bem-sucedida, mas Lorisete não pôde ter uma neobexiga (derivação continente) devido a incompatibilidades físicas e anatômicas. Foi então realizada uma urostomia (com bolsa coletora definitiva).
Quando soube que precisaria utilizar a bolsa coletora, Lorisete chegou a um ponto de desespero. Contou para a família que desistiria, pois não aceitava a situação. Hoje, no entanto, isso é motivo de orgulho para ela.
Hoje vejo minha bolsa como um troféu, tanto que a nomeei de Vitória. Ela me permitiu viver.
LORISETE DE FREITAS
Gerente em uma concessionária de automóveis
— Foi ignorância, no sentido de desconhecimento. Hoje vejo minha bolsa como um troféu, tanto que a nomeei de Vitória. Ela me permitiu viver. Sirvo de inspiração para outras pessoas, para procurarem médicos quando tiverem infecção urinária ou sintomas parecidos, pois isso pode salvar as suas vidas — conta Lorisete.
A vida saudável que levava contribuiu para uma boa recuperação e a retomada das atividades cotidianas. Hoje, ela leva a vida normalmente, trabalha como gerente em uma concessionária de automóveis, pratica exercícios, namora, anda de bicicleta, usa biquíni e roupas justas sem problemas.
— O exemplo dela mostra que mesmo com os desafios de uma cirurgia como essa, ela conseguiu se recuperar bem, olhar positivamente para o futuro, mantendo uma ótima autoimagem e qualidade de vida. Como em outros casos semelhantes, hoje ela tem uma bolsinha definitiva, mas isso não a limita: vai à praia, namora, viaja e trabalha normalmente. Tem uma vida agradável, cheia de planos e desafios como qualquer um de nós, e sem grandes limitações — ressalta a médica Karin.
Conscientização
Além dos cuidados necessários, é essencial promover campanhas de conscientização para a detecção e prevenção do câncer de bexiga. Karin destaca a importância de campanhas semelhantes às de outros tipos de câncer, como as mensagens em maços de cigarro.
— Estamos discutindo com diversos órgãos e entidades para se incluir nos maços de cigarro um aviso sobre o risco de câncer de bexiga. Temos essa obrigação, por ser um tumor frequente e também causado pelo tabagismo, de informar sobre isso — afirma.
Ela também ressalta a necessidade de conscientizar os jovens sobre esse risco. Lembra que o Brasil teve sucesso na redução do número de fumantes após campanhas eficazes, mas que essas campanhas precisam ser retomadas:
— Essas campanhas precisam retornar, ganhar mais visibilidade e incluir os jovens. Embora não consumam tanto o cigarro tradicional como antes, estão fumando outros tipos, como cigarros eletrônicos e narguilés, que sabemos causar tanto mal quanto o cigarro convencional. Já pensamos no futuro, considerando o tempo de exposição que esses jovens terão.
Os prejuízos do cigarro eletrônico são semelhantes aos do cigarro com tabaco, mas há danos específicos. Como são oferecidos em dispositivos feitos de plástico e metal, acabam liberando, ao esquentar, substâncias tóxicas que não estão presentes no cigarro convencional, como cobre, níquel, latão e chumbo, entre outros.
*Produção: Murilo Rodrigues