Um estudo de médicos do Hospital Ernesto Dornelles, em Porto Alegre, detalha que o consumo de alimentos ultraprocessados está associado a uma maior incidência de câncer no aparelho digestivo na população. Esse tipo de tumor é a principal causa de morte na capital em 2024, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
Os ultraprocessados são produtos industrializados que passam por modificações químicas, processos de retirada de nutrientes integrais, assim como de adição de gorduras, açúcar, conservantes e corantes, de acordo com a classificação NOVA, proposta pelo pesquisador Carlos Augusto Monteiro. Entre os principais exemplos estão refrigerantes, salgadinhos e macarrão instantâneo.
A pesquisa identificou que o risco de câncer gástrico não cárdia – que é a válvula localizada entre o esôfago e o estômago – é 43% maior em comparação com aqueles que ingerem menos esse tipo de produto. Já a incidência de câncer colorretal (entre um trecho do intestino grosso e o reto) é 11% superior.
Dois estudos anteriores que discutiram o tema não tinham chegado estatisticamente a uma conclusão. No entanto, a partir de dados comparados, os pesquisadores alcançaram informações que comprovaram a relação, segundo o coordenador da pesquisa, o médico Guilherme Sander.
O trabalho foi apresentado em maio deste ano no congresso de doenças do aparelho digestivo Digestive Diseases Week 2024. A pesquisa resultou em um artigo publicado em junho na revista científica American Journal of Gastroenterology.
Método de pesquisa
O trabalho realizado pelos pesquisadores é de revisão sistemática e meta-análise. Nessa linha, os cientistas mapeiam e integram dados de outras pesquisas já realizadas anteriormente.
Os cientistas da capital usaram como base cinco estudos realizados na América do Norte e na Europa, onde 1.128.243 participantes foram analisados por um tempo médio de 5,4 a 28 anos. Esse tipo de avaliação é conhecida como prospectiva.
— No caso do câncer gástrico, este foi o primeiro estudo com dados prospectivos a mostrar essa associação — afirma o médico Guilherme Sander.
Esses trabalhos anteriores, concluídos entre 2018 e 2023, comparavam pessoas que consumiam mais alimentos ultraprocessados com outras que ingeriam menos. Eles também consideravam fatores de risco para câncer no sistema digestório, como idade, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas e obesidade.
Principal causa de morte em Porto Alegre
O painel de mortalidade da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre confirma que o câncer gastrointestinal é a maior causa de morte na capital em 2024, com 403 óbitos a mais recente atualização. Doenças degenerativas do sistema nervoso e doenças cerebrovasculares são as outras duas, somando, juntas, 708 mortes.
— Em Porto Alegre, o câncer gastrointestinal é a principal causa de morte e, mais importante, é a principal causa de morte precoce (abaixo da mediana de idade esperada). Portanto, políticas de saúde pública devem focar na promoção de uma alimentação saudável — afirma o médico.
A pesquisa leva em consideração dados mapeados no exterior. Isso, para o coordenador, levanta a hipótese de que a situação no país e no estado pode ser ainda pior, pois alimentos ultraprocessados são mais baratos e, por isso, mais presentes na realidade de países subdesenvolvidos, como o Brasil.
— A nossa opinião é que no Brasil, mas também falando do Rio Grande do Sul, é pior, porque o objetivo da industrialização de alimentos é normalmente tornar o produto mais barato, aumentar o prazo de validade, deixar ele hiper-palatável, tempo de prateleira maior. Então, sendo um país de menor renda, a gente acredita que a situação seja ainda pior — revela.
Para ele, é necessário reafirmar a conscientização sobre a ingestão de ultraprocessados e reforçar a importância de consumir mais alimentos integrais.
Além dos dados locais, o câncer colorretal e o câncer gástrico são, respectivamente, o primeiro e o segundo tipo de câncer mais comum do sistema digestivo. Juntos, os tumores são responsáveis por 17% de todas as mortes por câncer no mundo, segundo a Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC).