Nesta sexta-feira (19), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu, de forma unânime, manter a proibição da fabricação, importação e comercialização dos dispositivos, também chamados de vapes. A nova resolução sobre cigarros eletrônicos causou manifestações favoráveis e contrárias de especialistas da saúde e profissionais ligados à indústria.
Na prática, a situação segue a mesma, já que desde 2009 o órgão criou regras para restringir o uso dos dispositivos no país. A novidade deste ano é uma consulta pública e o planejamento para reduzir o consumo dos produtos.
As opiniões sobre a decisão são antagônicas. Os que elogiam o posicionamento da Anvisa dizem que não há provas de que o dispositivo seja menos prejudicial à saúde do que o cigarro tradicional. Quem é contrário à postura afirma que vapes são menos nocivos e que uma regulamentação eficiente poderia ser mais clara quanto às substâncias inaladas pelos consumidores.
— Há muitos anos estamos lutando para reduzir o número de pessoas que fumam e que são dependentes. Facilitar o acesso a cigarros eletrônicos atrapalharia esse processo. As sociedades médicas são contrárias à liberação e ao uso do cigarro eletrônico. Manter a proibição é importante — afirma Marli Knorst, chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
A diretoria da Anvisa anunciou a criação de novas medidas para frear o consumo do produto no país, como campanhas educativas em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e reforço em ações para impedir o comércio dos produtos.
— Não podemos permitir que a fiscalização continue como está, com a venda de cigarros eletrônicos em qualquer lugar, até em shoppings. Precisamos impedir que crianças e adolescentes tenham acesso (aos vapes), para proteger principalmente as novas gerações e minimizar o risco — acrescenta a chefe do Serviço de Pneumologia do HCPA.
Não se sabe o que há dentro (dos vapes), qual é o efeito que causa. É uma loteria, uma roleta-russa
LEANDRO MINOZZO
Professor de Medicina da Universidade Feevale
Leandro Minozzo, professor do curso de Medicina da Universidade Feevale, afirma que se sentiria surpreso caso a Anvisa mudasse o posicionamento no tema.
— Não teria por que expor a população, principalmente os jovens, a um teste populacional, porque as evidências atuais já apontam que não tem benefício nenhum na substituição dos cigarros tradicionais. Somado a isso, não se sabe o que há dentro (dos vapes), qual é o efeito que causa. É uma loteria, uma roleta-russa — pontua Minozzo.
O professor defende que as instituições de ensino devam ser engajadas no combate ao uso dos cigarros eletrônicos.
— Temos de ter uma repreensão educativa, trabalho com essa temática dos cigarros eletrônicos em sala de aula. O grande público usuário desses produtos é de jovens. O poder público precisa atuar, porque atualmente são vendidos na rua, em bares, de maneira clandestina. O posicionamento da Anvisa é extremamente correto, condizente com o que a ciência sabe sobre o assunto — diz.
Indústria trata decisão como erro histórico
Alessandra Bastos Soares, consultora da BAT Brasil (antiga Souza Cruz) e ex-diretora da Anvisa, disse lamentar a manutenção do posicionamento da agência reguladora:
— A Anvisa está sendo omissa e cometendo um erro histórico. Ela regulamenta o cigarro convencional e outros produtos que oferecem risco à saúde, por que não decidiu fazer o mesmo com os cigarros eletrônicos, já que são comprovadamente produtos que oferecem menor risco àqueles que consomem nicotina?
A Anvisa dá calço para que a ilegalidade continue abastecendo um mercado que poderia entregar ao cidadão um produto vigiado sanitariamente.
ALESSANDRA BASTOS SOARES
Consultora da BAT Brasil e ex-diretora da Anvisa
Alessandra argumenta que os vapes servem para a redução de riscos de danos, ou seja, são uma opção ao cigarro tradicional. Além disso, a farmacêutica acrescenta que a decisão prejudica a economia do país – que não poderá arrecadar impostos dos dispositivos – e o consumidor, que seguirá sem ter detalhes sobre o conteúdo inalado.
— A proibição existe há 15 anos e não funciona. Os brasileiros têm acesso a produtos que oferecem um risco incalculável à saúde. A Anvisa dá calço para que a ilegalidade continue abastecendo um mercado que poderia entregar ao cidadão um produto vigiado sanitariamente — pontua.
Para Lauro Anhezini Junior, representante da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), o posicionamento da Anvisa também contraria o resultado da consulta pública realizada pela própria agência. O levantamento indica que 37% dos participantes foram favoráveis à proibição, mas 59% assinalaram “Tenho outra opinião”; não havia a opção “Não”. Além disso, 58% disseram que a proibição trazia impactos negativos.
— A agência não escutou a vontade popular. Arbitrariamente, escolheu quais evidências levariam em consideração e quais não levariam. Uma série de questões não foram levadas para o debate em um tema socialmente tão sensível — argumenta.
Ao manter a postura, segundo o integrante da Abifumo, a agência “ignora o aprendizado de mais de 80 países que já autorizaram a venda” dos cigarros eletrônicos que têm “regras claras para controle fitossanitário, restrição de pontos de venda e tributação dos fabricantes”. Ele cita Canadá, Japão e Reino Unido como exemplos dessa postura em relação aos produtos.
— É uma decisão que não está em linha com o que os outros países têm adotado, pelo contrário: coloca o Brasil na contramão do mundo. Mesmo proibido desde 2009, não impediu o avanço do consumo: há 3 milhões de consumidores adultos regulares e 6 milhões afirmam ter experimentado o produto — acrescenta Lauro Anhezini Junior, ao usar um levantamento da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec).