Um modelo que tornou mais equânime e racional a distribuição de recursos públicos para hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Assim é apresentado pelo governo do Estado o programa Assistir, lançado em agosto de 2021, com o objetivo de alterar a forma de destinar verba às instituições gaúchas. Essa mudança fez com que alguns municípios tivessem aumento de repasses para seus estabelecimentos de saúde e, outros, redução.
A implementação do programa afetou de forma negativa a Capital e cidades da Região Metropolitana, que desde então questionam a Secretaria Estadual de Saúde (SES) sobre os cortes. Nesta semana, Porto Alegre e Canoas tiveram reuniões com o governo do Estado e conseguiram ajustar os valores repassados pelo Assistir aos seus hospitais. Entretanto, seguem alertando para a possibilidade de suspender serviços caso a redução seja mantida.
De acordo com Lisiane Fagundes, diretora do Departamento de Gestão da Atenção Especializada da Secretaria Estadual da Saúde (SES), ametodologia do programa é alicerçada em quatro pilares indissociáveis: tipos de serviço (TS), unidade de referência (UR), unidade de incentivo hospitalar (UIH) e peso. A portaria 537 da SES, de 2021, apresenta todos os tipos de serviço que são incentivados e explica que o valor do incentivo anual para cada um deles é calculado para cada hospital, a partir da multiplicação da unidade de incentivo hospitalar, do peso e da unidade de referência.
O UIH é o valor monetário, medido em reais, fixado em decreto do governador do Estado, enquanto o peso é o número atribuído pela gestão estadual da saúde que pondera a distribuição do recurso, considerando a importância, a essencialidade e a qualificação de cada tipo de serviço. Já a UR é a base de cálculo do incentivo que considera critérios, como produção de serviços de internação e ambulatoriais, número de leitos SUS e complexidade e especificidade do serviço, para cada TS.
— O tipo de serviço porta de entrada, por exemplo, é remunerado pela complexidade. Eu tenho portas que estão em hospitais menores, que têm menos tecnologia e complexidade, e tenho portas de entrada que estão em hospitais mais complexos, que têm um arcabouço tecnológico maior. Então, eu não posso comparar a porta da Santa Casa de Porto Alegre com a do Hospital de Guaíba. Estamos falando de dois hospitais com capacidades tecnológicas e especialidades diferentes — diz.
Lisiane também exemplifica um cálculo do valor de incentivo para o tipo de serviço maternidade. Nesse caso, a unidade de referência é o número de partos (2.164), a unidade de incentivo hospitalar é R$ 1.043,70 e o peso é 1,66. O resultado é obtido a partir da multiplicação de todos esses dados.
Os hospitais poderão ter mais de um valor de incentivo para seus serviços. Assim, o repasse do Assistir para cada instituição corresponderá à soma de todos esses valores. Isso significa que os estabelecimentos de saúde receberão repasses diferentes, conforme os resultados de seus cálculos.
— E hospitais públicos municipais, além do recurso dos incentivos, recebem um suplementar diferencial, que é um percentual em cima do valor de cada um desses tipos de serviço, um plus, porque na maioria das vezes atendem 100% SUS. Então, isso envolve um custo maior — ressalta.
A diretora enfatiza que a quantia total distribuída às instituições de saúde nunca diminuiu. Neste ano, o valor de repasse anunciado pelo governo do Estado foi de R$ R$ 983,1 milhões, cerca de 20% a mais do que em 2023. O Assistir também teve atualizações em seus indicadores e critérios, mudando os números de referência de produção de 2019 para 2022, por exemplo, e aumentando valores de peso e de unidade de incentivo hospitalar.
O montante é distribuído entre mais de 200 hospitais, sendo que alguns tiveram acréscimo em sua verba após a implementação do Assistir e, outros, redução. Neste ano, 223 instituições receberão incentivo estadual por meio do programa e, até terça-feira (27), 43 seguiam recebendo uma verba inferior ao que ganhavam antes, segundo Lisiane. A reportagem de GZH apurou, contudo, que ao menos dois municípios conseguiram ajustar os valores destinados aos seus hospitais, após reuniões com a SES nesta semana.
As razões para a mudança no modelo
Antes da implementação do programa, havia outro formato de aporte de recursos estaduais para os hospitais, que funcionava a partir de normativas que repassavam verbas diferentes para diversas áreas. Esse modelo, contudo, gerava algumas dificuldades que precisavam ser revistas, afirma a diretora do Departamento de Gestão da Atenção Especializada da SES.
A principal delas estava em uma das formas de repasses de recursos aos hospitais: a orçamentação. Esse ponto, segundo a diretora, gerava preocupação por consumir quase metade (48,5%) da disponibilidade financeira que o Estado tinha para esse fim, sendo que era aportado somente para 7,66% das instituições de saúde gaúchas.
— Dos 300 hospitais no Estado que atendem SUS, apenas 21 eram orçamentados. Os outros não recebiam nada de orçamentação, só recebiam de maneira mais espalhada algum outro tipo de incentivo. Esse era o maior problema, mas tínhamos problemas também em outros incentivos, que não alcançavam todos os hospitais — esclarece Lisiane.
Como exemplo, a diretora cita que alguns hospitais com leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) recebiam incentivo para tal, mas outros com a mesma característica, não. Além disso, destaca que os critérios para alcançar esses repasses e para que a SES monitorasse as entregas das instituições não eram claros, o que também gerava dificuldades.
— Precisa ser objetivo, claro e transparente, porque estamos tratando de recursos públicos. Com a orçamentação, tinha uma falta de transparência na distribuição, não tinham critérios técnicos claros. O critério era cobrir o custo do hospital. Então, se o hospital recebia cem, mas apresentava um ofício declarando que seu custo era de 150, o Estado entraria com os 50 que faltavam — exemplifica, apontando que, no entendimento da SES, a alocação de verba de forma livre para cobrir custos pode implicar no aporte de recursos para uma gestão que não seja tão eficiente.
Lisiane acrescenta que esses problemas também já eram sinalizados pela Contadoria e Auditoria-Geral (Cage) e pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) no início do governo de Eduardo Leite, em 2019. Então, diante da limitação orçamentária financeira, era preciso rever todas essas questões para conseguir atender os hospitais de forma mais igualitária.
— Quando desenhei a metodologia do Assistir, foi observando esses pontos: preciso que seja um incentivo único, que observe critérios epidemiológicos, que seja facilmente aplicável a qualquer hospital, porque pode ter um hospital que não é incentivado hoje e abre um serviço amanhã, que tenha uma métrica que garanta a isonomia na hora de repassar esse recurso e a métrica precisa ser a mesma — explica.
Programa divide opiniões
Porto Alegre e a Região Metropolitana fazem críticas ao modelo, que, segundo os gestores, reduziu os recursos. A reclamação da Capital envolvia a diminuição de repasses a três instituições de saúde — Hospital de Pronto Socorro (HPS), Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV) e Hospital Restinga e Extremo Sul (HRES) — a partir da implementação do programa. Entre esses estabelecimentos, o mais afetado foi o HPS, que recebia R$ 35,7 milhões por ano e passou a receber R$ 10,6 milhões. O valor havia sido reajustado para R$ 17,7 milhões neste ano, mas continuava bem abaixo do patamar anterior.
Com a negociação desta semana, a Capital voltará a receber, até outubro deste ano, a verba que recebia antes de 2021. O secretário municipal de Saúde, Fernando Ritter, aponta que o programa foi implementado sem que antes houvesse um diálogo com os municípios envolvidos, o que define como um erro do Estado. De toda forma, ressalta que o Assistir tem méritos e defeitos, como a criação de uma fórmula de cálculo para definir o valor destinado a cada hospital.
— Eles pontuaram aquilo que talvez seja o mais importante para eles, mas desconsideraram a história. O governo do Estado não começou nesta gestão, tem um passado. Discordo quando dizem que antes não havia critérios, porque tinha, sim. Se querem discutir a forma de medir esses critérios, não tem problema. Agora, mudar radicalmente os critérios para mim é, no mínimo, desconsiderar a história — reclama.
Para Ritter, também é fundamental que as instituições de saúde recebam incentivos conforme a complexidade dos seus serviços e atendimentos, sem considerar somente a produtividade pelo ponto de vista quantitativo.
Lisiane garante, no entanto, que é uma inverdade dizer que o Estado implantou o Assistir sem conversar com os hospitais que tiveram redução. Segundo a diretora, foram feitas diversas reuniões com instituições, entidades e órgãos, como Famurs, Cosems, Federação das Santas Casas e Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Rio Grande do Sul (Fehosul), onde foi apresentada a metodologia do programa.
O presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado, Luciney Bohrer, afirma que a expectativa inicial de que o Assistir disponibilizasse mais recursos para que os hospitais pudessem realizar novos procedimentos e serviços foi atendida. Ele ressalta que os repasses foram muito importantes para municípios do Interior, como Garibaldi, Teutônia e Encruzilhada, que abriram ambulatórios e aumentaram o número de atendimentos.
— Sempre lutamos por mais recursos respeitando a meritocracia, especificidade e a questão da produção de cada hospital. Vejo que melhorou nesse sentido. Então, não posso deixar de destacar a importância do Assistir para os hospitais filantrópicos — comenta.
O Hospital Beneficente São Pedro, de Garibaldi, recebia em torno de R$ 100 mil por mês antes do Assistir. Com o programa, o valor mensal passou para R$ 507 mil, possibilitando a criação de novos leitos e ambulatórios, além da ampliação do número de atendimentos e consultas.
— Somos um hospital hoje com cem leitos, sendo nove de UTI, e criamos cinco ambulatórios para a região: de urologia, vascular, reumatologia, endocrinologia e cardiologia clínica. Tem especialidades que somos referência para quase 30 municípios, cerca de 400 mil habitantes — destaca o diretor da instituição, Jaime Gnatta Kurmann.
Como era e como ficou, conforme a SES
Antes do Assistir
- Sem critérios técnicos para os repasses
- Falta de transparência e clareza
- Grande aporte de recursos para poucos hospitais
- Dificuldade de monitoramento
Depois do Assistir
- Estabelecimento de critérios
- Criação de uma fórmula de cálculos
- Maior transparência nos repasses
- Possibilidade de atualização das variáveis do cálculo