A chegada dos dias mais quentes traz um desafio aos adeptos dos exercícios físicos ao ar livre: seguir a rotina de atividades em momentos de temperaturas na casa dos 40ºC. O calorão altera o funcionamento dos órgãos, que lutam para resfriar o corpo. A falta de cuidados pode causar desidratação, desmaios e levar a pessoa à morte nos casos mais graves, dizem especialistas.
A poucos dias do verão, o Estado deve registrar temperaturas acima dos 40ºC neste fim de semana. A estação que começa no próximo dia 22 deve ter calor acima da média para o período, além de sensação de abafamento por conta da atuação do El Niño.
Em busca do equilíbrio
A temperatura média do corpo humano é de 36,5ºC em qualquer época do ano. Acima desse limite, o organismo inicia uma luta para fazer com que o organismo se resfrie, explica Rodrigo Plentz, chefe do Serviço de Fisioterapia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
— Nosso corpo gera calor durante o exercício físico. Se estamos em um ambiente com a temperatura alta, diminuímos a capacidade de perder esse calor, que fica retido no corpo. Com 0,5ºC ou 1ºC acima do normal (36,5ºC), podemos ter uma hipertermia, que pode levar ao desequilíbrio do funcionamento dos nossos órgãos e sistemas — diz.
Por isso, nessa situação, os órgãos começam a se esforçar ainda mais para evitar que o corpo “apague” por conta de um superaquecimento.
— Um desses mecanismos é produzir líquidos (suor) para aumentar nossa área de transpiração e de troca de temperatura com o ambiente. Outra forma de regulação é a respiração: as pessoas respiram mais, ficam mais ofegantes quanto mais o ambiente estiver quente — acrescenta Plentz.
Um dos órgãos mais afetados durante exercícios — em qualquer situação climática — é o coração: é normal que os batimentos aumentem em uma corrida ou caminhada, porque o órgão também ajuda na dissipação de calor. O esforço cardíaco é potencializado em um ambiente com temperatura na casa dos 40ºC, o que demanda ainda mais atenção. O aumento da pressão arterial é outra consequência do exercício em dias de calor extremo.
— É preciso cuidado quando a pessoa tiver uma sensação de mal-estar, de sufocamento: isso pode ser por conta da pressão alta. Temos de escutar nosso corpo e procurar imediatamente uma assistência caso seja necessário — diz o profissional da Santa Casa.
Segundo Plentz, por causa da transpiração mais frequente nos dias quentes, os rins podem reduzir a produção de urina para manter o equilíbrio hídrico no corpo. Assim, os líquidos são “utilizados” no suor.
Os cuidados para evitar o colapso
A água é a principal aliada dos órgãos humanos no processo de resfriamento em temperaturas extremas: a falta dela, portanto, atrapalha o funcionamento correto do corpo. Cansaço, fadiga, distúrbio cognitivo, náusea, vômito são sinais comuns de desidratação. Em alguns casos, a falta de cuidado com o calor extremo faz o organismo colapsar.
— Começa com sintomas leves, com um cansaço, mas a pessoa não respeita isso, acha que é capaz de administrar a situação. No entanto, chega um momento em que ela perde a consciência, o que é um mecanismo de defesa: é o corpo dizendo “não dá mais” — esclarece Gisele Rodrigues Lobato, médica do Núcleo de Medicina de Estilo de Vida do Hospital Moinhos de Vento.
Na maioria dos episódios, o colapso causa desmaio e não tem consequências graves na saúde da pessoa. Há, porém, situações que podem até mesmo levar à morte.
— Há uma incidência grande de infarto do miocárdio nesses momentos (de calor), porque há uma exigência maior do coração — resume Gisele.
A médica explica que é possível fazer exercícios ao ar livre de forma segura no calorão. Filtro solar e roupas que facilitam a transpiração da pele — que ajuda no resfriamento do corpo — são aliados da saúde nos períodos quentes.
Outra indicação é encaixar a atividade no início do dia, ao fim da tarde e à noite e evitar, sobretudo, o período entre 10h e 16h, em geral o mais quente. Somado a isso, os atletas devem considerar a redução da intensidade ou quantidade dos exercícios.
— Se a pessoa está acostumada a correr oito quilômetros todos os dias, ela deve correr cinco ou seis. Também deve estar sempre atenta à quantidade de líquido que está ingerindo — diz a profissional do Moinhos de Vento.
Sobre a hidratação, Gisele acrescenta que 2,5 litros de água por dia é o mínimo indicado.
— Não adianta tomar cerveja e chimarrão: a melhor opção é a água em temperatura agradável — resume.
Dicas para fazer exercícios físicos no calorão
- Beber ao menos 2,5 litros de água por dia (e ter o líquido à mão na atividade)
- Usar roupas leves, com tecidos que ajudem na transpiração
- Fazer exercícios no início do dia ou fim da tarde/noite; evitar o horário das 10h às 16h
- Reduzir o esforço e/ou duração da atividade
- Usar filtro solar
- Ingerir alimentos leves: preferência para frutas, saladas e verduras
Como os porto-alegrenses se exercitam no calorão
O Parque da Redenção, na região central de Porto Alegre, é um dos pontos da Capital utilizados para atividades físicas ao ar livre. GZH conversou com alguns dos frequentadores que faziam exercícios na pista atlética do campo de futebol. Um termômetro de rua marcava 34ºC por volta das 18h30min de quarta-feira (13), quando a reportagem esteve no local.
Lucas Lapresa Ribas, 27 anos, estudante de Engenharia de Materiais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), relatou que busca se hidratar nos dias de calor, mas que, ainda assim, a temperatura anormal atrapalha a corrida diária.
— Trago uma garrafinha de 500ml de água, mas nunca é o suficiente quando está calor. Tem dia que termino o treino com muita sede e a primeira coisa que faço ao chegar em casa é beber água. Em um treino normal, corro entre oito e 12 quilômetros, mas hoje corri seis e não consegui mais — comenta.
A médica Natália Poletti Rodighero Leal, 31 anos, treinava para correr a Meia Maratona de Porto Alegre no próximo ano.
— Eu sempre capricho na hidratação, mas, em dias de calor, tento me hidratar ainda mais, para diminuir o desconforto da temperatura. Também cuido da alimentação no pós-exercício físico, pois é muito importante para estar bem para treinar no dia seguinte— pontuou a moradora do bairro Bom Fim.
Amiga de Natália, a também médica Raíssa Queiroz Rezende, 34 anos, disse estar habituada ao calor por ter nascido em Cuiabá (MT), mas que ficou exausta por conta da alta temperatura no parque na quarta-feira.
— Não vou até o limite. Se sinto que se está muito pesado por causa do calor, baixo um pouquinho o ritmo. Tenho certeza de que eu teria feito o treino de hoje em um tempo melhor se fosse com 10ºC a menos — comentou.
Augusto Luciano Pokorski, 59 anos, retomava a rotina de treinos após um procedimento cirúrgico recente. Ele relatou ser da turma que evita atividades nos momentos mais quentes do dia.
— Busco fazer exercício bem cedo, às 5h ou 6h, ou mesmo no fim da tarde quando está menos calor. Não podemos desrespeitar nossa resistência e deixar as portas abertas para alguma doença, principalmente câncer de pele. Quem gosta de se exercitar tem que se adaptar — disse.