A morte precoce de um jovem em Soledade, no norte do RS, nesta terça-feira (14) lançou um alerta sobre o mal súbito, que pode acometer pessoas de qualquer idade. Mal súbito é uma terminologia genérica utilizada para descrever o ato de passar mal, caracterizando-se como todo o evento inesperado seguido de perda de consciência (síncope, ou desmaio), com causas que, geralmente, não são fatais.
Em 90% das vezes, a perda de consciência está relacionada a uma causa cardíaca – sendo a principal, em pacientes jovens, a arritmia cardíaca, explica o cardiologista e arritmologista Carlos Kalil, responsável pelo Centro de Arritmias da Santa Casa de Porto Alegre e membro da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas. Com menos frequência, pode ter causas neurológicas, conforme Arthur Pille, neurologista do Hospital Moinhos de Vento.
Já a morte súbita cardíaca acontece de forma repentina, sem aviso, causada pela perda da função do músculo cardíaco, cessação da respiração e alteração dos batimentos cardíacos, que sem tratamento leva o paciente ao falecimento. Esta patologia, segundo Pille, acomete mais de 300 mil brasileiros todos os anos.
Causas do mal súbito
É preciso analisar a idade do paciente e seus hábitos. Na população de até 35 anos, a principal causa é de origem cardíaca, devido a doenças herdadas geneticamente, como cardiomiopatia hipertrófica, displasia arritmogênica do ventrículo direito, síndrome de Brugada, entre outras. Algumas alterações anatômicas também podem também estar relacionadas, conforme Kalil.
Já na população acima de 35 anos, as principais causas são enfermidades ligadas à doença arterial coronariana, levando a obstrução coronariana, seguida de infarto, ocasionando uma arritmia maligna e a morte.
— O mal súbito mais comumente acontece na idade adolescente ou em adultos jovens, principalmente mulheres. Idosos também são mais predispostos, principalmente devido a doenças neurodegenerativas, como Parkinson — destaca o neurologista.
Além disso, a disautonomia (doença que afeta o sistema nervoso autônomo) e a síndrome vasovagal podem explicar desmaios, principalmente em pessoas jovens, segundo Pille. As mulheres jovens são mais acometidas, sobretudo após muito tempo em pé ou em ambientes fechados e quentes. Assim, acabam passando mal, com sensação de queda de pressão e escurecimento da visão, mas, geralmente, recobram a consciência após o desmaio.
No caso de doenças mais graves, como epilepsia e crises convulsivas, o paciente pode perder a consciência, mas geralmente há outro movimento anormal ou tremores associados. Em relação a doenças ainda mais graves, como as neurovasculares, que incluem, por exemplo, o acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico ou a hemorragia subaracnóidea, também ocorre a perda de consciência. Ela é causada pelo aumento brusco da pressão intracraniana e é comumente acompanhada de forte dor de cabeça e perda de força em algum lado do corpo.
Há ainda gatilhos que podem causar mal súbito. Apesar de ser extremamente saudável e benéfico, o esporte pode ser um deles, ao levar a um evento arrítmico – em indivíduos desconhecedores de sua patologia - normalmente, em função de uma doença genética silenciosa, que na maioria das vezes não apresenta sintomas.
— Provavelmente o paciente herdou geneticamente a doença, só que, muitas vezes, os familiares não tiveram sintomas, (o evento) pode ser a primeira manifestação de uma doença em uma família. Hoje há maneiras de descartar a maioria das doenças herdadas geneticamente por meio de uma boa avaliação, com eletrocardiograma, ecocardiograma, ressonância cardíaca e, principalmente, através do exame genético — destaca o cardiologista Carlos Kalil.
Sintomas e sinais de alerta
Os sinais de alerta do mal súbito, que pode levar à morte súbita, são os próprios sintomas, conforme os especialistas:
- Perda de consciência (síncope, ou desmaio)
- Alteração da respiração
- Alteração ou cessação do pulso cardíaco
- Dor no peito, principalmente em pacientes de mais idade
- Obstrução ou infarto agudo do miocárdio
- Turvação ou escurecimento visual
- Palpitação
- Taquicardia
- Hipotensão
- Sudorese
- Frio nas extremidades
- Tremores
Morte súbita
Todo o indivíduo que tiver algum sintoma relacionado deve fazer uma avaliação com o cardiologista, principalmente se realizar atividades esportivas. Contudo, em algumas situações, se o quadro de mal súbito se prolongar e o paciente não conseguir respirar e não apresentar batimento cardíaco, isso poderá resultar em morte súbita. Arthur Pille diz que mais de 80% dos atletas que morrem subitamente tem histórico de síncope ou alteração eletrocardiografica.
No entanto, a morte súbita não é tão frequente, conforme os especialistas. Os casos de epilepsia e de síndrome vasovagal, por serem doenças crônicas, acarretam em perda da qualidade de vida, mas não são eventos fatais. Por sua vez, as doenças neurovasculares podem levar à morte – o AVC, inclusive, é a maior causa de óbitos e de incapacidade no Brasil, lembra Arthur Pille.
Prevenção
Quadros de epilepsia não têm prevenção, pois são genéticos, afirma o neurologista. No caso da disautonomia no idoso, a prevenção está relacionada ao adequado tratamento do diabetes. Já o AVC e a hemorragia subaracnóide apresentam fatores de risco, sendo possível e recomendado realizar cuidados, principalmente em relação à pressão arterial.
Além disso, em relação a questões cardíacas, atualmente já existem recomendações para realizar avaliações com eletrocardiograma a partir dos 12 anos. O cardiologista da Santa Casa frisa ainda a importância de fazer o rastreio de qualquer pessoa que será submetida a atividades físicas – sobretudo competitivas, em qualquer nível –, com análise de exames e histórico clínico. Conforme o grau de competitividade, serão exigidos testes adicionais. O médico alerta para o crescimento da competitividade, com atividades que deixam de se caracterizar como lazer, inclusive em campeonatos escolares e infantis. Além disso, a existência de histórico de morte súbita na família também deve ser avaliada.
— Todo indivíduo que tem alguma história familiar, antes de qualquer tipo de atividade, tem de ser investigado. É muito importante. Muitas vezes, a avaliação básica consegue tirar dúvidas do risco — salienta.
O que fazer em caso de mal súbito
Quando alguém enfrenta um mal súbito, a cada minuto perdido no atendimento, perde-se 10% da chance de sobreviver, segundo Kalil. A população pode ter um papel importante ao reconhecer o quadro e realizar ações que podem fazer a diferença na sobrevivência do paciente.
A principal, no momento em que se encontra um indivíduo caído, que não responde e está sem pulso e respiração, é chamar ajuda imediatamente (pelo Samu, telefone 192) e dar início a manobras de ressuscitação cardiopulmonar, com ventilações e massagem cardíaca. Atualmente, desfibriladores automáticos externos já estão disponíveis em shoppings, arenas e aeroportos para tentar fazer com que o paciente em parada cardíaca saia do ritmo cardíaco responsável pela morte.
— Hoje 85% das paradas cardíacas são fora do hospital, a maioria das grandes acontece fora. Uma grande quantidade de pessoas acaba falecendo por falta de treinamento e de conhecimento básico de vida para todo indivíduo conseguir olhar uma pessoa que caiu, não responde, está sem respirar, e começar a massagem cardíaca até a ajuda chegar com desfibrilador automático — lamenta o cardiologista.