Foi aprovada pela Comissão Estadual de Residência Médica (Cerem-RS) e está em fase inicial um projeto que busca atuar para prevenir problemas em saúde mental dos médicos residentes. A iniciativa, chamada Programa de Prevenção e Intervenção Precoce dos Agravos em Saúde Mental para Médicos Residentes é pioneira no país e reúne esforços de várias instituições de saúde.
O trabalho busca formar uma rede de apoio, identificar a quais riscos os profissionais são submetidos, além de enfrentar os tabus que ainda existem em torno do assunto. A residência médica é uma formação formação em serviço sob a orientação de especialistas. É a partir dela que se permite a qualificação para atuar em áreas específicas, como cardiologia, gastroenterologia, pediatria, psiquiatria, etc.
Segundo a direção do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), cerca de duas mil pessoas estão nessa fase da carreira profissional no Estado.
— Queremos alcançar todos os programas de residência médica do Rio Grande do Sul, independentemente de instituição acadêmica ou hospitalar — explica o coordenador do Núcleo de Psiquiatria do Simers, Fernando Uberti.
Impactos da pandemia
O trabalho nasceu de um levantamento coordenado pela comissão para avaliar o impacto da pandemia na classe médica, uma das principais categorias na linha de frente contra o coronavírus. Os resultados acenderam um sinal de alerta.
— Nós sabemos que esse público já está exposto, muitas vezes, a condições precárias de trabalho, à judicialização crescente na área da saúde, à politização da atuação profissional, a atrasos das remunerações, a salários incompatíveis com as suas responsabilidades. Mas, na pandemia, nós tivemos um grande agravo na saúde mental. Um alto índice de ansiedade, sintomas depressivos e de consumo de medicamentos psiquiátricos — observa Uberti.
As cobranças da residência médica, somadas às questões pessoais e o contexto se pandemia tornaram ainda mais desafiador o bem-estar de toda uma categoria.
Funcionamento
O trabalho foi estruturado por um grupo técnico composto por várias entidades representativas e científicas. O professor e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Wagner de Lara Machado ficou responsável pela realização da pesquisa denominada Avaliação em Bem-estar e Saúde Mental. Ele atua junto da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da instituição de ensino.
— Os médicos, assim como outras categorias profissionais, estão expostos às chamadas patologias do trabalho, onde se destaca principalmente a síndrome de Burnout (ou do esgotamento profissional), que é um efeito do estresse crônico. As pesquisas mais recentes, em função da pandemia, também mostram que aumentou a prevalência de outros transtornos, como a depressão e a ansiedade, o maior consumo de álcool e outras substâncias. Muitas vezes, até como uma forma de lidar com esse estresse crônico — pontua o especialista. E o nosso desafio é investigar os fatores de risco, às variáveis que estão associadas a esses problemas.
Segundo a psicóloga Danielle Bueno, que integra o grupo de técnico, a pesquisa também deverá analisar características sociodemográficas e relacionadas ao ambiente de trabalho.
— Ainda existe um estigma em torno do assunto porque o médico está no ambiente de trabalho, tentando dar o melhor de si. Mas, com os problemas relacionados à saúde mental se agravando, isso pode piorar a situação na família e no trabalho, levando a episódios de depressão e ansiedade.
Implementação
O grupo responsável pretende implementar o projeto em até cinco programas de residência médica ao longo deste segundo semestre, mas a escolha não está definida, ainda. Na virada do ano, uma avaliação dos primeiros resultados deve ser realizada.
Questionado sobre a perspectiva de conclusão dos trabalhos, o professor da PUCRS, Wagner de Lara Machado disse que a expectativa é de que a iniciativa se consolide, seja continuada e ampliada.
— A minha esperança é de que venha pra ficar, o famoso "cuidar de quem cuida". Os médicos, principalmente os residentes, possuem um papel bem importante no Sistema Único de Saúde (SUS). É um período muito importante pra sua formação. E a ideia é que a gente possa iniciar esse trabalho aqui para depois se estender para outros estados do país e poder ofertar acolhimento e tratamento especializado para esses profissionais tão importantes — conclui o pesquisador.