Por Ana Carolina Peuker
Psicóloga, CEO da Bee Touch, doutora em Psicologia Clínica, integra o Comitê Consultivo do Movimento Mente em Foco do Pacto Global da ONU
A Organização Pan-americana de Saúde (Opas) recém lançou um relatório que está chamando líderes e tomadores de decisão para priorizarem a saúde mental na agenda política e integrá-la em todos os setores e políticas públicas (leia o texto aqui, em inglês ou espanhol). A pandemia de coronavírus, que afetou o mundo e mudou completamente a vida das pessoas, teve um impacto enorme na saúde mental da população, especialmente na América Latina.
Até o momento, o que estamos vendo é a ponta do iceberg. A chamada “quarta onda” da covid-19 não tem relação com o número de infectados, mas sim com os resultados indiretos causados pelo vírus (como o trauma, luto, desemprego, entre outros) que afetam a saúde mental. Seja no início da pandemia, pelo medo de ser contaminado, de perder alguém da família, seja mais adiante, com toda a instabilidade política e econômica, ou ainda com o anúncio de novas variantes.
Esse constante estado de estresse e de incerteza em relação ao futuro não é nada benéfico. Justamente para mostrar o tamanho desse impacto, a Opas publicou um documento na renomada revista The Lancet alertando para o impacto devastador da pandemia na saúde mental nas Américas. Os dados analisados mostram que mais de quatro em cada 10 brasileiros tiveram problemas de ansiedade; os sintomas de depressão aumentaram cinco vezes. Muitos empregadores também sentem o impacto disso tudo.
A saúde mental é um problema de proporções globais. Entre 2011 e 2030, a perda cumulativa de produção econômica associada a transtornos mentais é projetada em US$ 16,3 trilhões em todo o mundo. As consequências secundárias das doenças mentais podem custar aos empregadores US$ 2 mil por empregado por ano por presenteísmo, absenteísmo e turnover. Os custos diretos e indiretos podem chegar a 5% do produto interno bruto (PIB) de um país. Isso requer medidas de prevenção, além de investimentos expressivos – públicos e privados, para conter essa quarta onda – para a qual não há vacina.
O que se prevê é um aumento e sobrecarga ao sistema de saúde mental que muito antes da pandemia já estava “no limite”. E a falta de assistência e atendimento pode levar ao agravamento do adoecimento e até à incapacidade e perda da força de trabalho em um momento crítico para a economia. O desemprego, a insegurança financeira e a dor do luto aumentaram os riscos para problemas de saúde mental. Mas o pior é que, mesmo com tanta gente afetada, a maioria não tem acesso ao tratamento mínimo adequado. Em 2020, mais de 80% das pessoas com doenças mentais graves ficaram “à deriva”. Esse é um número alarmante.
A dificuldade de acesso aos serviços de saúde mental é causada por diversos motivos, como falta de investimento na área, dependência exagerada de internações longas ao invés de cuidados na comunidade, escassez de profissionais capacitados em saúde mental e acesso limitado para pessoas em situação de vulnerabilidade. Para enfrentar essas questões, a Opas criou a Comissão de Alto Nível sobre Saúde Mental e Covid-19 em maio de 2022. Essa comissão, com especialistas de diversas áreas, desenvolveu um relatório com 10 recomendações para melhorar a atenção à saúde mental nas Américas. Entre as recomendações, estão: sugestões de como integrar a saúde mental em todas as políticas, aumentar o financiamento e aprimorar a qualidade dos atendimentos. Além disso, é preciso garantir os direitos humanos das pessoas com problemas de saúde mental, promover e proteger a saúde mental em todas as fases da vida, expandir e melhorar os serviços de saúde mental nas comunidades, fortalecer a prevenção do suicídio, enfrentar as questões de gênero relacionadas à saúde mental, combater o racismo e a discriminação racial e melhorar os dados e as pesquisas nessa área.
Sem dúvida, temos muito trabalho pela frente, mas, com as pessoas, os governos e as comunidades engajados, é possível melhorar a saúde mental em todo o continente. Investir em saúde mental é essencial para alcançar um desenvolvimento humano justo e sustentável, e é responsabilidade de todos nós.
A saúde mental não é só uma questão pessoal, é uma crise de saúde pública que exige ação urgente. Esse relatório é uma “luz no fim do túnel”, um guia para a mudança nas Américas. Agora, depende de todos mudar nossa a forma de abordar, tratar e priorizar a saúde mental. Juntos, podemos fazer uma grande diferença nas nossas comunidades.