O anúncio do fim da pandemia de coronavírus como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta sexta-feira (5), pode gerar uma série de dúvidas sobre o que realmente significa a decisão e qual o impacto no enfrentamento da doença daqui para a frente. Com o objetivo de esclarecer esses e outros questionamentos, GZH consultou especialistas da área da saúde, que também comentaram como avaliam a declaração.
Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor e cientista da Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que é observada, em diferentes países, uma tendência de estabilização em relação ao número de casos, internações e mortes decorrentes da doença.
Em função disso, a maioria das nações já não tem uma emergência em saúde pública, e a classificação global, portanto, não é mais necessária do ponto de vista administrativo. A manutenção da medida facilitava o acesso a diferentes recursos para enfrentamento da covid, como as vacinas, por exemplo.
Para Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale e coordenador da Rede Corona-Ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a decisão é fruto de uma construção oportuna da OMS, para a qual se esperou o devido tempo, e está baseada em observações de diferentes cenários. Ele aponta que o fim da emergência é avaliado como correto por quem trabalhou diretamente no enfrentamento da doença, mas ressalta a necessidade de manter os esforços de vacinação, diagnóstico e acompanhamento da população.
— Temos que integrar a vacinação contra a covid aos calendários vacinais, manter um nível alto de vigilância adequada dos vírus respiratórios e de outras doenças. Os sistemas de saúde e as universidades foram equipados para isso, então não podemos de forma alguma baixar a guarda. Fica como legado que precisamos manter os esforços de controle, além de nos prepararmos para pandemias futuras — afirma Spilki.
Confira, abaixo, perguntas e respostas sobre o fim da emergência global:
A pandemia acabou?
Em coletiva de imprensa realizada nesta sexta, Michael Ryan, diretor-executivo do Programa de Emergências da OMS, respondeu da seguinte maneira a esta pergunta:
— A emergência global acabou, mas ainda há uma ameaça de saúde pública lá fora. Esse vírus deve continuar sendo transmitido. Uma pandemia realmente acaba quando outra começa.
A epidemiologista Maria van Kerkhove, integrante da mesa de autoridades que respondia às perguntas da imprensa, afirmou que "a covid está aqui para ficar". Ryan frisou que o vírus continua sendo uma ameaça.
— Mas em um nível de impacto, tragédia, morte e hospitalização muito menor — detalhou o diretor-executivo.
Então o que significa, na prática, o anúncio da OMS?
De acordo com o virologista Fernando Spilki, o fim da emergência global de covid-19 significa que a doença passa a estar integrada ao rol de enfermidades a que os órgãos de saúde precisam estar atentos. Ou seja, a enfermidade não representa mais uma exceção que exige políticas excepcionais de mobilização para o seu enfrentamento.
— Não foi declarado o fim da pandemia. A ideia é que a ameaça à saúde global passou. O que acontece é que não precisa mais de uma coordenação mundial para tentar controlar essa ameaça global. Esse nível de alerta que foi retirado hoje é o maior nível de alerta global que se pode declarar — observa o infectologista Eduardo Sprinz, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Spilki complementa:
— É uma doença que continua sendo relevante. Continuamos atentos, estudando e combatendo. Isso (o fim da emergência) não diminui a importância da doença, que em 2022 ainda foi a quarta causa de óbitos nos Estados Unidos. Devemos ter cautela, mas ela não está mais no nível de medidas excepcionais.
É possível que a OMS volte a declarar emergência global de covid-19?
Diante dos índices observados no último ano, que foram bem menores do que em 2020 e 2021, especialistas não esperam um retorno da declaração de emergência global a curto prazo, aponta Spilki. Entretanto, o professor cita como exemplo a gripe que, por vezes, com o surgimento de uma nova variante, volta a representar uma ameaça para a população:
— A ideia geral é que mantenhamos agora o nível de atenção. Sabemos que não é uma doença fácil de lidar, que para indivíduos não vacinados e com comorbidades continua sendo causa de quadros graves, mas não esperamos mais aquele fenômeno de ruptura de interação, por exemplo.
Quais cuidados devem permanecer?
Vacinação e uso de máscara em locais com aglomerações e sem ventilação, especialmente por parte de quem está em grupos mais vulneráveis (idosos e pacientes imunossuprimidos, por exemplo), são muito importantes.
Com a vacinação em grande escala, a triste realidade do grande número de óbitos e hospitalizações não existe mais. Na prática, a vacina protege individual e coletivamente, fazendo com que o vírus circule menos em populações com elevados índices de imunização.
— Por causa disso, não é mais uma emergência global — explica Sprinz, do HCPA.
O governo poderá acabar com a vacinação contra a covid-19?
Não é porque a doença não é mais classificada como uma emergência global que haverá interrupção da vacinação, enfatiza Barbosa. O especialista traça um paralelo com a imunização contra a influenza, que faz parte do calendário anual, mesmo que a enfermidade não seja classificada de tal forma.
— O fim da emergência se refere muito mais à condição mais estável de lidar com a pandemia do que ao fato de simplesmente deixar de ser um problema. A covid não é uma doença que foi erradicada, então não pode parar de vacinar — diz o vice-presidente da SBI.
Spilki, da Feevale, acrescenta que a recomendação do Comitê da OMS é integrar a imunização contra a covid-19 aos calendários de vacinação da rede de saúde pública dos países e reforça que as pessoas precisam continuar indo em busca das doses.
Ainda é preciso tomar a vacina bivalente?
Já há registro de uma nova variante do coronavírus no Brasil, a XBB.1.16, também conhecida como Arcturus. A vacina bivalente contra a covid-19 é a dose mais avançada do imunizante disponibilizada até o momento.
— Se tomo a vacina bivalente, estou mais protegido. Vale a pena as pessoas tomarem mais uma dose da vacina, principalmente, se a última dose foi de seis a nove meses atrás — orienta Sprinz.
Deve continuar a mesma mobilização nos serviços de saúde?
De acordo com Barbosa, são dois aspectos distintos: um está relacionado à preparação administrativa para o enfrentamento da emergência, que foi finalizado, e outro ao investimento em prevenção, principalmente em relação à testagem e à vacinação da população, que deve permanecer:
— A analogia mais comum que podemos fazer é com a influenza, um vírus respiratório que apesar de não ser considerado pandemia continua sendo uma doença contra a qual precisamos vacinar.
As autoridades planejam alguma mudança no enfrentamento da covid-19 após o anúncio de hoje da OMS?
De acordo com Tani Ranieri, diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), "mudanças nas condutas são preconizadas pelo Ministério da Saúde e serão aguardadas pela SES". A reportagem de GZH aguarda retorno da Secretaria de Saúde de Porto Alegre e do Ministério da Saúde.
Haverá outras pandemias?
Novas pandemias virão, mas não há como saber quando, por causa de que doença e qual seria a magnitude do problema. Barbosa comenta que existe uma epidemiologia cíclica em que patógenos acabam circulando pelo planeta, como já ocorreu com dengue, zika, influenza, HIV e outros coronavírus.
— Por isso é importante a vigilância epidemiológica desses patógenos. O monitoramento é essencial e é o trabalho que vários países fazem junto com a OMS. Monitorar doenças que podem ter esse comportamento é fundamental para termos uma resposta rápida e assertiva e para diminuir o número de pessoas que desenvolvem quadros graves — diz o docente da Unesp.
— Os desafios não param, e os países precisam estar atentos, vigilantes. Não somos otimistas em relação ao futuro. Conseguimos sobreviver a essa que foi a pior crise sanitária graças à ciência, aos esforços das pessoas, mas fica o alerta porque novos problemas podem surgir — enfatiza Spilki.