Uma nova onda de coronavírus causada pela subvariante BQ.1, “neta” da Ômicron, chegará ao Rio Grande do Sul nas próximas semanas, alertam infectologistas e o governo do Estado. O aumento não deve ser como o registrado em picos anteriores, mas é esperado crescimento de casos e, em menor impacto, de hospitalizações e mortes.
Especialistas pedem que a população busque as doses de reforço para evitar formas graves da doença, sobretudo idosos, imunossuprimidos, familiares desses dois grupos e pessoas com vacina atrasada há muito tempo.
A BQ.1 é uma subvariante da Ômicron que causou nova onda de infecções em países como Alemanha, França, Itália e Reino Unido. Houve piora nas hospitalizações e mortes entre idosos e pessoas com comorbidades, mas longe do causado pela chegada da Ômicron ou de cepas mais agressivas.
O Brasil vem registrando desde o fim de outubro, em Estados como São Paulo e Rio de Janeiro, nova onda de casos. No Amazonas, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) identificou outra subvariante da Ômicron, batizada de BE.9. Pesquisadores apontam que é a responsável pela nova onda de casos em Manaus e região.
Na segunda quinzena de outubro, a BQ.1 representava 12% das amostras sequenciadas pelo governo gaúcho. Já na primeira quinzena de novembro, a proporção de casos gerados pela nova subvariante saltou para 46%.
Nas próximas semanas, ela deve ser predominante e provocar nova onda, afirma Richard Salvato, coordenador da Vigilância Genômica da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS).
— Em outros países e Estados, houve aumento importante de casos. Esse processo de nova onda já iniciou. Nas próximas duas semanas, já visualizaremos impacto nos indicadores, com aumento de novos casos. As pessoas vão perceber que terão mais conhecidos com a doença. A gente espera mudança de padrão no perfil da pandemia que vivemos neste momento. No entanto, não é uma mudança que vá nos remeter às ondas que vimos no começo de 2021, quando uma pequena parcela da população estava vacinada. Se espera aumento da circulação do vírus e da ocorrência de novos casos, mas leves e moderados — afirma.
O Rio Grande do Sul começa a registrar aumento de hospitalizações por covid-19, em níveis baixos. O comitê independente de cientistas da SES emitiu alerta na última sexta-feira (11) e pediu uso máscaras em ambientes fechados ou locais com aglomeração, atualização do calendário vacinal e ampliação da testagem.
“A BQ.1 foi detectada recentemente no Brasil e, apesar de não haver evidências de que possa causar uma doença mais severa, essa sublinhagem é mais resistente à terapia de anticorpos monoclonais e pode apresentar maior transmissibilidade”, dizem os cientistas. O comitê ainda solicita que o governo do Estado amplie a testagem e reforce junto à população a importância das doses de reforço.
— Esperamos aumento exponencial de casos, começando agora e nas próximas duas a três semanas. Mas não será na magnitude do início deste ano, quando a Ômicron veio. As pessoas devem se preocupar porque haverá novo pico, mas certamente não terá o impacto de outros momentos. Neste cenário, as pessoas precisam tomar segunda, terceira e quarta dose, sobretudo quem se vacinou pela última vez no ano passado — alerta o médico Eduardo Sprinz, chefe da Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor de Infectologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ele lembra que, em outros países, a BQ.1 não causou uma “megaonda”, mas uma “ondinha”. Ainda assim, estão mais vulneráveis as pessoas que se vacinaram há muito tempo.
Esperamos aumento de casos, começando agora e nas próximas duas a três semanas. Mas não será na magnitude do início deste ano, quando a Ômicron veio. As pessoas devem se preocupar porque haverá novo pico, mas certamente não terá o impacto de outros momentos
EDUARDO SPRINZ
Infectologista
Sprinz destaca que a quinta dose, não liberada no Rio Grande do Sul, mas já em São Paulo, é recomendável para idosos, imunossuprimidos e pessoas com múltiplas doenças crônicas. O governo gaúcho, contudo, aguarda orientação do Ministério da Saúde para aplicação de novo reforço.
Estatísticas do Ministério da Saúde mostram que, na sexta-feira passada (11), último dia com dados informados, o Rio Grande do Sul registrou média móvel de 386 casos diários ao longo da semana. É um valor semelhante ao registrado um mês antes, mas quase o dobro do que foi registrado no início de novembro.
Os dados possuem forte defasagem porque grande parte das pessoas faz mais testes ou realiza apenas autotestes de farmácia, que não entram para as estatísticas.
Um levantamento da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) com dados do Rio Grande do Sul, obtido por GZH nesta quarta-feira (16), mostrou que, na primeira semana de novembro, 14,1% dos testes feitos por gaúchos resultaram positivos — quase o dobro da primeira semana de outubro, quando eram 7,8%.
Outra análise, do Instituto Todos pela Saúde, mostrou que, em laboratórios privados brasileiros, a proporção de resultados positivos de testes subiu de 3% para 17% até o fim de outubro.
As hospitalizações em leitos clínicos, destinados a casos graves, cresceram nos últimos dias e indicam tendência de aumento. Nesta quarta-feira (16), 108 gaúchos estavam internados — eram 98 uma semana atrás e 84 pessoas há duas semanas.
Nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do Rio Grande do Sul, para casos gravíssimos, houve pouca variação, com 30 pacientes nesta quarta-feira ante 20 há uma semana e 25 duas semanas atrás. Não há registro de aumento de mortes em solo gaúcho.
— O número de casos está aumentando progressivamente. Ainda não dá para caracterizar como nova onda, mas há aumento da frequência de casos em todas as faixas etárias. Nas hospitalizações, há aumento lento, mas progressivo. Dois grandes hospitais de Porto Alegre tiveram aumento de casos em pacientes ambulatoriais e hospitalizados, além de aumento significativo de trabalhadores com covid — afirma Adão Machado, médico infectologista, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e membro da Associação Gaúcha de Controle de Infecção Hospitalar.
Hoje, a cobertura vacinal de terceira dose no Rio Grande do Sul é a segunda mais alta do país, atrás apenas do Piauí, segundo o portal coronavirusbra1.github, que compila dados de secretarias estaduais de saúde.
Cerca de 54% dos gaúchos tomaram três doses, 16,6% tomaram quatro e 83%, duas doses, conforme estatísticas da SES. Todavia, é alto o número de gaúchos com vacina atrasada. Mais de 656,8 mil sequer tomaram a segunda dose, 3 milhões não tomaram a terceira e 2,2 milhões deveriam ter recebido a quarta aplicação.
Richard Salvato, da SES, cita que o governo criará uma nova campanha de conscientização sobre a importância de tomar as doses de reforço e que discute a adoção de outras medidas.
— Esse (novas medidas) é um ponto que está sendo discutido pelos técnicos da Secretaria, pelo Gabinete de Crise e pelo Comitê Técnico Científico. As orientações são de que a população mais vulnerável, como idosos e pacientes com comorbidades, deve usar máscara, principalmente em ambientes fechados. Uma estratégia de governo está sendo avaliada, e uma delas é a obrigatoriedade ou recomendação do uso de mascaras. Até o final dessa semana, teremos posicionamento quanto a recomendações ou outras medidas — afirma.
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) voltou a recomendar o uso de máscaras em ambiente fechado e reforçou a importância de a população atualizar o calendário vacinal.
A entidade também destaca a relevância de o governo garantir à população vacinas bivalentes — ainda em análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Os imunizantes bivalentes, desenvolvidos pela Pfizer e pela Moderna, são consideradas a segunda geraçãodas vacinas contra a covid-19 porque foram desenvolvidas para combater também as subvariantes BA.1, BA.4 e BA.5 da Ômicron, além da cepa original.
As novas vacinas são aplicadas nos Estados Unidos, no Canadá, no Chile e na Europa. A Anvisa informa que está na “fase final” de análise para dar parecer contrário ou a favor da liberação da vacina da Pfizer atualizada.
A SBI e a Associação Médica Brasileira (AMB) também pedem que o governo federal ofereça no Sistema Único de Saúde (SUS) as sete medicações contra a covid-19 já aprovadas meio ano no país, mas que ainda estão restritas ao sistema privado.
GZH questionou o Ministério da Saúde sobre medidas a serem adotadas para reduzir impacto da nova onda, como aprovação de novos medicamentos ou de nova versão da vacina, mas ainda não obteve retorno.