A equipe de transição focada na análise das políticas para a Saúde fez um primeiro diagnóstico nesta sexta-feira (25) sobre o tema em coletiva no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília. De acordo com o grupo, há descontrole de estoques, distribuição e falta de controle da efetiva aplicação de vacinas para diferentes doenças, incluindo a covid-19. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), entregue à equipe nesta semana, também subsidiou a análise do cenário da Saúde no Brasil.
Segundo Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde e integrante da equipe de transição, todas as informações solicitadas acerca de programas e políticas públicas promovidas pelo Ministério da Saúde vieram sem prazos de implementação e cronogramas de entregas. Não há disponibilização de dados sobre o tamanho de estoques e prazos de validade de medicamentos, vacinas e imunobiológicos.
A equipe de transição identificou que o Ministério da Saúde ainda não formalizou a compra de todas as doses que seriam necessárias para a campanha de vacinação contra a covid-19 do ano que vem.
— O que temos de informação é que o contrato de entrega de vacinas está vigente, mas o ministério não fez solicitação de quantidades suficientes para o ano que vem — afirmou Chioro.
A equipe identificou ainda não haver recursos reservados para despesas regulares do Ministério da Saúde no valor de R$ 10,4 bilhões, o que inclui compra de medicamentos, saúde indígena e pagamento de bolsas de residência médica.
— Solicitamos (ao Ministério da Saúde) a complementação dessas informações, dados que deveriam ser de domínio público. Somente é possível fazer planejamento de posse dessas informações — disse.
Chioro ainda destacou que o cenário é de risco para a imunização de crianças. Segundo o ex-ministro, a partir de 2015, houve um desmonte da vacinação como um todo. Disse ainda que há falta de planejamento para a imunização em 2023.
— O Instituto Butantan disponibiliza oito vacinas (do ciclo básico de vacinação) e não foi contatado até o momento para a disponibilização dos imunizantes. Além disso, quanto à vacina bivalente (da Pfizer contra a covid-19), elas já estão previstas em contrato, basta incorporá-las ao calendário de vacinação — ressaltou.
Como exemplo do descontrole da distribuição de imunizantes, conforme informações obtidas pela transição, em 17 de novembro, foram distribuídas aos Estados um milhão de doses para vacinação de crianças com comorbidades contra a covid-19. De acordo com o grupo, as informações do DataSUS não foram atualizadas - sequer existe registro destes envios no sistema - e não há garantias de que todas as doses sejam aplicadas nos municípios.
— Tivemos informações do próprio Ministério e outras fontes de que há um contrato para compra de 100 milhões de vacinas, podendo aumentar para 150 milhões de doses, incluindo a bivalente. Se tivéssemos que escolher uma medida, seria recomendação para reforço de vacinação, incluindo o imunizante bivalente — ressaltou o senador Humberto Costa (PT-PE), também ex-ministro da Saúde.
Chioro ainda destacou que estimativas dão conta de que um bilhão de cirurgias eletivas deixaram de ser realizadas nos últimos dois anos, aumentando significativamente a fila de espera nos Estados. Neste caso, há impacto da pandemia, em função da qual hospitais cancelaram procedimentos não urgentes nos momentos mais críticos da crise de saúde pública.
Outra preocupação está relacionada aos dados e a segurança cibernética, considerando que os principais sistemas de informações do Sistema Único de Saúde (SUS) foram alvo de ataques hackers. Em dezembro do ano passado e maio de 2022, o site do Ministério da Saúde foi invadido e sistemas como ConecteSUS, e-SUS Notifica, Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI), DataSUS e Painel Coronavírus ficaram fora do ar por vários dias. No Rio Grande do Sul, em junho, quando os bancos de dados foram normalizados, em somente um dia, chegaram a ser lançados mais de 5,7 mil casos represados de contaminações pelo coronavírus.
Orçamento
O grupo analisou o orçamento do Ministério da Saúde para o ano que vem, junto à Comissão Mista de Orçamento do Congresso, e destacou que o piso de saúde é consumido pelas emendas de relator em cerca de R$ 10 bilhões, além de R$ 9,7 bilhões em emendas individuais e de bancada. O valor total para a área é de R$ 149,9 bilhões para o ano que vem.
O senador Humberto Costa ainda destacou que a recomposição do orçamento da Saúde é peça fundamental para enfrentar os pontos levantados no diagnóstico. A equipe de transição solicitou mais 22,7 bilhões no Orçamento de 2023, justamente o corte feito pelo Ministério da Economia na peça orçamentária encaminhada ao Congresso.
O montante poderia ser incluído na brecha de R$ 105 bilhões a ser aberta com a retirada do teto de gastos o custo do programa Auxílio Brasil, caso seja aprovada uma proposta de emenda à Constituição (PEC Emergencial). A PEC ainda está em negociação no Senado antes de ter iniciada sua tramitação.
O aumento da previsão orçamentária para o Ministério da Saúde prevê a recomposição do gasto com o programa Farmácia Popular — que teve corte de 59% em seu orçamento para 2023 —, Saúde Indígena, abastecimento de medicamentos e investimentos na área da saúde digital, com atendimentos especializados, entre outros programas.
— Não temos opção de não votar PEC. Ou votamos, ou teremos uma crise profunda na área da saúde e várias outras — disse Costa.
Vacinação descontrolada e insustentabilidade do SUS
Nesta semana, o TCU entregou à equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um relatório sobre questões relacionadas à pandemia e um diagnóstico geral sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Os técnicos do órgão afirmaram que não puderam avaliar o cumprimento de metas de imunização contra a covid-19 do governo Jair Bolsonaro (PL), já que não identificaram indicadores de cobertura vacinal, com bases nos sistemas de informações do Ministério da Saúde.
Além de temas específicos da pandemia, o documento também mostra um diagnóstico geral sobre o SUS, que aponta “indícios de insustentabilidade” do atual modelo de sistema. Um “profundo debate” é sugerido pelos técnicos.
O que diz o ministério
Questionado sobre a compra de doses para a campanha do ano que vem, o Ministério da Saúde afirmou apenas que já garantiu 700 milhões de doses da vacina covid-19 desde o início da campanha, das quais 550 milhões já foram distribuídas a todos os Estados e Distrito Federal.
Sobre a campanha de 2023, a pasta disse que "a estratégia de vacinação está em discussão pelo Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, assim como o quantitativo necessário de doses para garantir a continuidade da imunização da população e a máxima proteção contra a covid-19". A respeito do buraco de R$ 10,4 bilhões, a pasta destacou que "nenhuma política pública será interrompida" e que "está atenta às necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as adequações necessárias na proposta orçamentária para 2023".