O uso incorreto e indiscriminado de antibióticos atrai esforços para informar a população em geral e também profissionais de saúde na Semana Mundial de Conscientização sobre o Uso de Antimicrobianos, promovida anualmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre os dias 18 e 24 de novembro. Em 2022, o tema da campanha é Prevenindo Juntos a Resistência aos Antimicrobianos.
O aumento da força da resistência a antibióticos preocupa autoridades porque significa um enorme impacto para os sistemas de saúde e para a vida de pacientes e familiares. Aumentam o tempo de internações hospitalares, a demanda por exames e a dificuldade para enfrentar enfermidades para as quais já havia tratamentos bem estabelecidos e eficazes.
A resistência a esses medicamentos ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas se modificam com o decorrer do tempo e passam a não mais responder às drogas, com uma péssima consequência: as infecções se tornam mais difíceis de serem debeladas, o que provoca o risco da propagação de doenças e a gravidade dos quadros dos pacientes. Uma enfermidade pode se apresentar de forma cada vez mais difícil, ou até impossível, de ser tratada. Vem, então, o pior: eleva-se o número de mortes.
A iniciativa extrapola os cuidados com a saúde humana. De acordo com o Ministério da Saúde, o objetivo é “melhorar a conscientização e incentivar as melhores práticas entre os cidadãos, as partes interessadas da Saúde Única (integração entre a saúde humana, a saúde animal, o ambiente e a adoção de políticas públicas efetivas para prevenção e controle de doenças, trabalhando nos níveis local, regional, nacional e mundial) e os formuladores de políticas, que desempenham um papel crítico na redução do surgimento e da disseminação das enfermidades”.
Para amplificar a disseminação do alerta, a farmacêutica Pfizer realizou, na terça (22) e na quarta-feira (23), um seminário virtual com renomados especialistas da América Latina. Os números divulgados são alarmantes: se nada consistente e urgente for feito para combater a resistência bacteriana, projeções apontam que, a partir de 2050, mais de 10 milhões de pessoas morrerão no mundo, a cada ano, devido à ação de bactérias resistentes a antibióticos, superando os números anuais de óbitos por câncer — atualmente, são 8,2 milhões. Estima-se que 4,95 milhões de pacientes faleceram, em todo o planeta, em 2019, por causas relacionadas a bactérias resistentes.
Alejandro Macías, médico infectologista e internista, professor do Departamento de Microbiologia Clínica da Universidade de Guanajuato, no México, elencou motivos equivocados que podem levar ao uso incorreto de antibióticos, sem a devida e necessária orientação médica: dores, inflamações, ansiedade, alergias, febre.
— Um antibiótico pode piorar doenças para as quais não é indicado — disse Macías.
Macías deu exemplos de como a resistência afeta a vida diária:
— Quando infecções como as urinárias já não podem ser tratadas com antibióticos de primeira linha, deve-se utilizar medicamentos muito mais caros. Uma doença como uma pneumonia pode durar mais tempo e se tornar mais grave, complicando-se e provocando meningite. Com uma infecção por estafilococo resistente a meticilina em uma prótese, crescem os gastos catastróficos para as famílias e para a sociedade. A resistência aos antibióticos põe em risco todas as conquistas da medicina moderna. Os transplantes de órgãos, a quimioterapia e cirurgias como as cesarianas se tornam muito mais perigosas sem antibióticos eficazes para o tratamento e a prevenção de infecções. As vacinas requerem antibióticos em seu processo de elaboração e estão ameaçadas.
Cada bactéria tem o seu antibiótico específico. Não existe antibiótico bom ou mau, existe antibiótico bem ou mal utilizado.
MARÍA VIRGINIA VILLEGAS
Médica internista e infectologista
A situação dos hospitais também foi tratada no evento online. Rafael Valdez, líder de Assuntos Médicos para a área de hospitais da Pfizer na América Latina, relacionou o problema com a crise sanitária do coronavírus.
— A pandemia aumentou a ocupação em hospitais e unidades de terapia intensiva, onde existe uso indiscriminado e inadequado de antibióticos. No início, quando não havia muita informação sobre a doença, pensamos: “Vamos ver se servem para a covid?” Ocorreram também muitas movimentações e transferências de pacientes. Se havia uma bactéria em um hospital e em outro não, e se esse segundo hospital não tinha um controle adequado, houve incremento de transmissão de bactérias entre hospitais — explicou Valdez.
Aplicar tratamentos errados custa caro às instituições de saúde. María Virginia Villegas, médica internista, infectologista e professora da Universidade El Bosque, em Bogotá, na Colômbia, falou sobre a importância de programas de otimização para utilização de antibióticos em hospitais:
— Quero que sejam dados os fármacos corretos, na hora correta, pelo tempo correto. Não entendemos, às vezes, qual é a bactéria prevalente e começamos de forma equivocada. A infecção requer uma dose certa com a duração certa. Quanto menos tempo se leva para resolver o problema, melhor. A exposição prolongada ao remédio pode prejudicar o organismo e também criar resistência.
Cuidados de higiene, ressaltou María Virginia, são fundamentais.
— É um casamento: bom uso de antibióticos e higiene para evitar infecção e proteger os pacientes. Má limpeza e má desinfecção dos equipamentos podem provocar surtos. Cada bactéria tem o seu antibiótico específico. Não existe antibiótico bom ou mau, existe antibiótico bem ou mal utilizado — finalizou a médica.
Necessidade de abordagem global
As ações chamando a atenção para o tema da resistência aos antibióticos ganharam o recente apoio da Coalização Internacional de Autoridades Reguladores de Medicamentos (ICMRA, na sigla em inglês), que conta com a participação, representando o Brasil, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O objetivo do ICMRA é buscar estratégias comuns para os reguladores de medicamentos a respeito de questões e desafios do setor.
Um grupo de trabalho, com integrantes do Canadá, da União Europeia, do Reino Unido, da Nigéria, da Arábia Saudita, da Suécia, da Argentina e do Japão, elaborou um relatório a partir de estudos de caso, considerados ferramentas importantes para ampliar a conscientização sobre a importância do combate à resistência a antibióticos.
O ICMRA pede que haja mais coordenação entre os setores, incluindo a saúde pública, a saúde animal e o meio ambiente, por meio de uma abordagem única. Novas fórmulas e instrumentos diagnósticos são necessários nesse enfrentamento. Restringir a venda, o que já vigora no Brasil (é preciso apresentar receita médica nas farmácias), e o fornecimento de antibióticos sem prescrição é fundamental.
“Uma abordagem global coordenada é requerida para o combate à resistência microbiana aos antimicrobianos. A ICMRA convida líderes globais, profissionais de saúde, pesquisadores, indústrias e mídia a fazer sua parte e unir esforços para vencer essa luta em todo o mundo”, diz mensagem divulgada pela entidade.
Bactérias resistentes
- Bactérias, em geral, sofrem mutações até se tornarem resistentes à ação de antibióticos. Esse processo natural pode ocorrer de forma mais acelerada devido a fatores como o uso inadequado e excessivo desse tipo de medicação
- O uso indevido ou abusivo de antibióticos causa resistência, o que é, atualmente, uma das maiores ameaças à saúde mundial, à segurança alimentar e ao desenvolvimento. Dissemina-se entre humanos, animais, plantas e no meio ambiente
- O problema pode afetar qualquer pessoa, em qualquer idade, independentemente do país onde vive
- Relatório da OMS sobre o padrão de consumo de antibióticos em 65 países indica que o Brasil é um dos maiores usuários desse tipo de medicação no mundo, à frente da média de utilização verificada na Europa e em todos os países das Américas analisados
- Estima-se que 4,95 milhões de pessoas morreram no mundo, em 2019, por causas associadas a bactérias resistentes aos antimicrobianos. Significa que a resistência a esses remédios mata mais pessoas do que HIV/aids ou malária
- As discussões a respeito do tema se intensificaram no Brasil a partir de 2010, após surtos da bactéria Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC). Estudo posterior com amostras de KPC de pacientes de 10 hospitais da região da Grande São Paulo, publicado no Brazilian Journal of Microbiology, demonstrou que a resistência a esses microorganismos crescia. O trabalho analisou amostras de 2011 a 2015 e indicou que a resistência relacionada à enzima carbapenemase subiu de 6,8% para 35,5% no período. Anos depois, novos surtos de KPC foram registrados em diversos estados, incluindo São Paulo, Santa Catarina e Bahia
Como combater a resistência bacteriana
Enfrentar o problema exige uma estratégia de ações integradas
- Lavagem frequente das mãos
- Uso de antibióticos somente mediante orientação e prescrição médica, na dose indicada e pelo tempo previsto
- Descarte correto de medicamentos (embalagens vazias e unidades vencidas devem ser entregues em farmácias ou em outros pontos de coleta autorizados)
- Manejo correto na agropecuária
- Oferta de saneamento básico adequado à população
Responsabilidades individuais
- É sempre melhor prevenir do que tratar
- Não atribua “efeitos mágicos” aos antibióticos. Não os utilize, por exemplo, como analgésicos para dores
- Não se automedique
- Se o médico não prescrever antibiótico, não faça essa exigência
- Caso o tratamento para a doença em questão preveja o uso de antibiótico, utilize-o na dose indicada e pelo período determinado pelo médico
- Não guarde sobras de antibióticos para uso futuro
Fontes: Coalização Internacional de Autoridades Reguladores de Medicamentos, OMS e Pfizer