A décima morte por meningite confirmada na terça-feira (4), na capital São Paulo, e o aumento de casos em cidades do interior paulista acenderam o sinal de alerta. Especialistas avaliam que a queda na cobertura vacinal durante a pandemia de covid-19 deixou o Estado mais vulnerável à transmissão da meningite. Eles acreditam que o cenário pode se agravar e recomendam rigor no bloqueio dos casos para evitar o risco de uma epidemia.
A meningite é uma inflamação das meninges, membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal. A doença, que pode ser causada por vírus e bactérias, é grave e tem transmissão respiratória.
Entre os sintomas mais comuns estão dores de cabeça e na nuca, febre, vômito, confusão mental e manchas na pele. Durante a pandemia, as medidas de prevenção contra a covid-19 derrubaram os casos, mas agora, com a maior circulação das pessoas, a doença está de volta.
Na capital, o óbito desta semana foi de um rapaz de 22 anos que residia na zona norte, segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Uma jovem de 20 anos moradora da zona sul também adoeceu - os dois casos foram de doença meningocócica. Conforme a pasta, só após o resultado da análise laboratorial, que deve sair em até cinco dias, será possível saber o tipo de bactéria e se os dois casos são do mesmo sorogrupo. Ainda segundo a SMS, os casos são isolados e não caracterizam novos surtos, não tendo relação com o surto localizado, no momento, nos distritos da Vila Formosa e de Aricanduva, onde foram registrados cinco casos de meningocócica do tipo C, no período de 16 de julho a 15 de setembro, com um óbito. A pasta considera surto quando há ocorrência de três ou mais casos do mesmo tipo em um período de 90 dias na mesma localidade.
Com os novos casos, a capital soma 58 registros confirmados de meningite meningocócica desde o início deste ano. De janeiro a setembro de 2019, período anterior à pandemia, foram 158 casos, ou seja, houve uma redução de 68% no âmbito geral. O número de óbitos também é inferior, segundo a pasta: foram 10 neste ano, ante 28 entre janeiro e setembro de 2019.
A secretaria prevê a vacinação de adultos apenas em situações excepcionais, como a do surto que acontece nas regiões de Vila Formosa e Aricanduva. A exceção são os profissionais de saúde que podem ser vacinados mediante comprovante de vínculo empregatício em serviço de saúde do Município de São Paulo ou comprovante da profissão, como certificado e diploma.
Outras cidades
No interior de São Paulo, já são dezenas de cidades com casos. Em Marília, no centro-oeste, aconteceram quatro mortes pela doença este ano. O último óbito aconteceu em julho.
Ontem, um bebê estava internado no Hospital Unimed, em Sorocaba, com diagnóstico de meningite bacteriana. A família usou as redes sociais para pedir orações. Conforme a prefeitura, a cidade já teve 39 casos e 5 mortes este ano. Houve três ações isoladas de bloqueio de contato.
Em Jundiaí, as visitas aos presos do Pavilhão VII do Centro de Detenção Provisória (CDP) estão suspensas neste próximo fim de semana por um caso de meningite bacteriana que acometeu um detento. Conforme a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), o paciente está em tratamento médico e todas as medidas de monitoramento e desinfecção foram tomadas.
Na região norte, ao menos seis cidades já registraram casos de meningite este ano. Araraquara (6 casos), Leme (6), Pirassununga (5), Porto Ferreira (3) e Nova Europa (1) tiveram casos bacterianos. Em Araras, os seis casos confirmados são do tipo viral.
Outros Estados
Outros Estados também convivem com aumento nos casos de meningite. Na Bahia, já foram registrados 105 casos e 43 mortes pela doença. O número de óbitos é 50% maior que as 21 mortes do ano passado.
No Espírito Santo, foram confirmados 158 casos e 41 mortes por meningite de várias tipologias. No ano passado haviam sido apenas 83 casos e 19 óbitos. A pasta estadual de Saúde atribui o crescimento à queda na taxa de vacinação.
No Rio de Janeiro, foram registrados 28 casos até o fim de agosto e sete pessoas morreram com meningite meningocócica. Há risco de se agravar o cenário, pois apenas 60% dos bebês estão vacinados.
Em Minas, o número de casos e mortes este ano já supera o de todo o ano passado. Em 2021, foram 459 casos e 51 óbitos no ano inteiro, enquanto este ano, de janeiro a setembro, são 468 casos e 71 mortes.
Em Pernambuco, já são oito casos confirmados de doença meningocócica este ano, mas sem mortes. Até agora, apenas 52% das crianças com até 1 ano foram imunizadas.
O Ministério da Saúde informou que, em 2022, até 30 de setembro, foram registrados 5.821 casos e 702 óbitos por meningites de diversas etiologias. "A vacinação é considerada a forma mais eficaz na prevenção da meningite bacteriana, sendo as vacinas específicas para determinados agentes etiológicos", disse. Segundo a pasta, é mantida a vacinação dos grupos prioritários, conforme o Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Em São Paulo, por exemplo, continua em vigor na capital e no interior de São Paulo o calendário vacinal de rotina, com aplicação do imunizante contra a meningite meningocócica C em bebês de 3, 5 e 12 meses. Já o de meningite ACWY é aplicado na faixa etária de 11 a 14 anos, de forma excepcional, até junho de 2023, conforme definição do PNI.
Especialistas falam em cenário de risco e sugerem ações de bloqueio
A situação é de risco, segundo a infectologista Rosana Ritchmann, referência em doenças infecciosas:
— É uma doença causada por uma bactéria com transmissão por gotículas respiratórias, atingindo uma população não vacinada e indiretamente não protegida, porque se, de fato, tivéssemos vacinado as crianças e os adolescentes, como está previsto no Programa Nacional de Imunizações, a circulação da bactéria seria muito menor e mesmo as pessoas não vacinadas estariam mais protegidas.
Para ela, os casos que estão surgindo em São Paulo ainda são reflexo indireto e tardio da covid-19.
— A pandemia fez com que a população ficasse hesitante em tomar a vacina e, na hora em que a gente volta para as atividades normais, sem uso de máscara, infelizmente se tem o risco de maior circulação da bactéria pela falta de vacinação da população-alvo da campanha. Tem risco, sim, de se tornar mais grave e devemos fazer bloqueios de todos os casos notificados, que é a quimioprofilaxia dos contatos e vacinação de bloqueio, independente da idade.
Já o infectologista Carlos Magno Fortaleza, docente da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, não vê risco de uma grande epidemia de meningite, nos moldes da que aconteceu na década de 1970.
— O que a gente tem de fazer é intensificar a vacinação nesses grupos que estão na campanha nacional, inclusive os portadores de HIV e imunodeprimidos, e fazer um bom bloqueio dos casos. Cada morte evitada é uma vitória — disse.
— Aquele grupo que se imunizou quando a vacina foi introduzida no calendário para crianças vai crescendo protegido, mas temos grupos mais velhos que nunca tomaram a vacina.
Ele acha que, embora não possa ser o único motivo, a baixa cobertura pode estar contribuindo para mais transmissão. Tanto ele quanto Rosana Rithcmann concordam que ainda não é necessário ampliar a vacinação para outros grupos.
— Não existe uma contraindicação de a gente fazer uma vacinação da população em geral, mas a medida racional em termos de uso dos nossos recursos é a vacinação de bloqueio e o uso da quimioprofilaxia dos contatos.
Marco Aurélio Safadi, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBI) acha importante aumentar a cobertura vacinal dos adolescentes.
— São os principais vetores de transmissão na comunidade. Se conseguirmos vacinar ao menos 80%, estamos protegendo também os adultos — disse:
— É importante estar atento aos surtos, fazer a aplicação de antibióticos para os contactantes e a vacinação de bloqueio dos grupos etários que foram acometidos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.