Liberada pelo tecido muscular durante a prática de atividade física, a irisina é a mais recente esperança dos cientistas para proteger os rins de pessoas diabéticas dos danos causados pela progressão da doença. A substância, também conhecida como hormônio do exercício, é considerada pelos cientistas como um dos principais mensageiros químicos responsáveis pela longa lista de benefícios proporcionados pela atividade física regular ao organismo humano.
Após uma sequência de experimentos, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) não apenas confirmou os benefícios da substância aos rins como descreveu, pela primeira vez, de que maneira ela pode prevenir os estragos renais produzidos pelo diabetes. Silenciosa, a doença atinge entre 20% e 40% dos diabéticos. Ao provocar danos nos vasos sanguíneos, artérias e veias que irrigam os rins, conduz à insuficiência renal crônica.
— Nós constatamos que o exercício aeróbico está associado a um aumento da irisina muscular na circulação sanguínea e também nos rins, conferindo nefroproteção — explica o médico José Butori Lopes de Faria, do Laboratório de Fisiopatologia Renal e Complicações do Diabetes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-Unicamp) e orientador de Guilherme Pedron Formigari, primeiro autor do estudo.
O trabalho, publicado na revista Scientific Reports, teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Como foi o estudo
O primeiro passo dos pesquisadores foi induzir o diabetes em ratos com oito semanas de idade e medir indicadores de danos renais, como a presença de albumina na urina. A perda dessa proteína é sinal de que as células renais já começaram a sofrer os efeitos do diabetes. Os animais foram separados em três grupos – controle, diabéticos sedentários e diabéticos exercitados (submetidos a treinamento físico em esteira rolante por oito semanas).
— Vimos que o exercício aeróbico está associado ao aumento da irisina no tecido muscular e na circulação sanguínea, bem como ao aumento da enzima AMPK (proteína quinase ativada por monofosfato de adenosina, que atua como sensor metabólico das células) nos rins, conferindo nefroproteção — disse Faria.
Na segunda etapa, a equipe injetou medicamentos nos roedores diabéticos e exercitados para bloquear a ação renal da irisina. A deficiência da substância coincidiu com o bloqueio dos efeitos benéficos do exercício, como a redução de albumina na urina e a menor expressão de substâncias que atuam na fibrose dos glomérulos (a unidade do rim que faz a filtragem do sangue e a eliminação dos resíduos do metabolismo). “A falta da irisina aboliu os efeitos protetores do exercício ao rim diabético”, escreveram os pesquisadores.
Mais uma prova foi feita com células tubulares renais humanas cultivadas em laboratório para saber se o tratamento com irisina seria capaz de evitar as alterações da glicose elevada. Durante o processo de filtragem feito pelos rins, os túbulos renais reabsorvem e devolvem ao sangue a água, eletrólitos e nutrientes necessários. No teste, eles foram imersos em um meio que simulava as condições do diabetes e continha o hormônio na sua forma recombinante, fabricada pela indústria.
— A resposta foi positiva. Concluímos que o exercício físico aumenta a irisina no músculo e na circulação e que, nos rins, a presença desse hormônio ativa a enzima AMPK, que bloqueia os mecanismos da fibrose renal — explica Faria.
Em projeto anterior, o nefrologista havia demonstrado o papel da enzima AMPK na fibrose renal, que resulta de um estado de inflamação crônica das células e faz com que percam sua função.
Neste novo trabalho, os pesquisadores avaliaram o soro humano (sangue centrifugado, sem os glóbulos vermelhos) de diabéticos exercitados e sedentários. Nas amostras de quem se manteve em atividade, a irisina encontrada protegeu o rim e reduziu a lesão das células tubulares expostas a alta concentração de glicose. “Pela primeira vez, podemos afirmar que, no diabetes, o eixo irisina/AMPK induzido pelo exercício físico protege as células renais dos efeitos da alta glicose”, concluíram os autores.
Identificada por biólogos da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, há uma década, a irisina tem sido alvo de muitos estudos que visam desvendar seus mecanismos de ação. Pesquisas com roedores já mostraram, por exemplo, que esse hormônio também é importante para a formação da memória e a proteção dos neurônios em roedores com enfermidade semelhante ao Alzheimer, entre outros benefícios.